1. O enredo por si só já vale a pena: os senhores todo-poderosos do nosso mundo se encontram na vida após a morte
Entre os personagens estão Hitler, Mussolini, Stálin, Churchill, Napoleão. Até Jesus Cristo aparece. Os governantes se reúnem na vida após a morte e mantêm conversas intermináveis, enquanto aguardam a decisão do Poder Superior – se os portões do Céu se abrirão diante deles ou não. Em seus pensamentos, ainda estão na Terra – ninguém quer descansar, ninguém sonha com o descanso eterno, mas com como repetir a história à sua maneira.
Esta é a quinta parte de uma série em grande escala de Sokurov sobre a natureza do poder. Primeiro, foi uma trilogia – ‘Moloch’ (1999) sobre Hitler, ‘Taurus’ (2001) sobre Lênin, e ‘O Sol’ (2005) sobre o imperador japonês Hirohito. Em 2015, ‘Fausto’, baseado na tragédia de Goethe, entrou para a tetralogia – e ganhou o Leão de Ouro em Veneza. ‘Conto de Fadas’ traz agora reflexões do diretor sobre como o poder ilimitado pode mudar um homem.
2. É uma experiência única — ‘Conto de Fadas’ é um cruzamento entre live action, documentário e animação
A crônica documental é a base do filme. Segundo o diretor, durante os preparativos, ele assistiu a inúmeras gravações dos líderes disponíveis nos arquivos mundo afora. Como aparecem os líderes mundiais na crônica oficial? Eles costumam ficar na tribuna, fazer discursos ou caminhar lentamente durante as várias cerimônias. Pareceria problemático reunir algo coerente e, o mais importante, interessante a partir desse tipo de material. Mas Sokurov encontrou uma fórmula – com a ajuda de recursos tecnológicos, transferiu os líderes globais para a vida após a morte, unindo-os em uma única câmara. As suas lentas “caminhadas” assumiram um efeito dramático – não se limitam a desfilar, estão a matar o tempo, à espera do “destino final”.
‘Conto de Fadas’ está longe de ser o primeiro experimento tecnológico na carreira de Sokurov. O seu “Arca Russa” é um exemplar único de filme complexo com uma infinidade de personagens e uma enorme quantidade de extras, filmado em uma só tomada no Palácio de Inverno – atualmente, esta antiga residência dos tsares russos abriga o museu Hermitage.
3. É, ao mesmo tempo, uma visão misteriosa, surreal e incrivelmente bela
Vale a pena destacar a solução artística usada para representar a vida após a morte. A paisagem é em preto e branco – para combinar com a cor dos personagens do filme, retirados das crônicas documentais. Entre as fontes de inspiração visual mais óbvias estão: as ilustrações de Gustave Doré para a “Divina Comédia” de Dante, as gravuras romanas do arquiteto Giovanni Battista Piranesi, bem como a pintura “A Ilha dos Mortos” de Arnold Böcklin.
4. E, mesmo com tudo isso, também é um filme engraçado
Com tudo o que foi dito, seria de esperar um tom sério e sombrio. Mas não – o filme tem bastante humor. Os diálogos e monólogos de seus personagens (cada um em sua própria língua: Churchill fala inglês, Napoleão fala francês, e assim por diante) estão repletos de citações e referências a seus discursos durante a vida. Muito do que é dito, devido ao cenário, soa bastante irônico.
Por exemplo, Churchill, já irritado, lembra a Stálin como este último prometeu, mas nunca realmente construiu uma fábrica de conhaque na Grã-Bretanha – isso é uma alusão a uma história famosa sobre como o líder soviético recebeu o primeiro-ministro britânico com conhaque armênio durante a Conferência de Ialta. Supostamente, Churchill teria ficado encantado a bebida. Há também metapiadas diretas – em determinado momento, os personagens se lembram do próprio Sokurov. Evidentemente, eles não gostaram muito dos filmes anteriores sobre si mesmos.
Em uma das cenas, Hitler explode um moinho de vento com uma granada enquanto ordena “Pare de girar!”. Alguém entre os personagens imediatamente se oferece para ligar para Miguel de Cervantes – para que ele veja como se deve combater os moinhos de vento.
5. Talvez, ‘Conte de Fadas’ seja um dos últimos filmes do diretor
Sokurov lança filmes com cada vez menos frequência. Seu filme anterior, ‘Francofonia: Louvre Sob Ocupação’ estreou no festival de Veneza em 2015. ‘Fausto’ veio a público em 2011. Ao apresentar ‘Conto de Fadas’ no Festival de Locarno, Sokurov lembrou que foi exatamente ali que seu filme de estreia ‘A Voz Solitária do Homem' foi exibido em 1987 (na época, premiado com o Leopardo de Bronze). O diretor achou simbólico que ‘Conto de Fadas’ também estreasse em Locarno — dando a entender que este pode ser o seu último filme.
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