10 livros de memórias e diários russos que deixam qualquer leitor hipnotizado

Russia Beyond (Domínio público; lenta/Getty Images)
Lembranças pessoais da vida de estrelas e eventos históricos reais às vezes podem atrair um leitor muito mais que um romance de entretenimento...

1. Maksim Górki, “Infância”

Enquanto a infância é sinônimo de inocência para muitos escritores do século 19 de nascimento nobre, além de uma época de boas lembranças e conforto, para Górki foi uma dura “escola da vida”. Ele veio de uma família muito simples e teve que lutar para sobreviver.

Nesta obra autobiográfica, o escritor descreve sua infância em Níjni Nôvgorod — cidade que, aliás, mais tarde, ainda durante a vida do escritor, foi rebatizada em sua homenagem.

Górki transmite de forma brilhante a atmosfera da casa de seu avô, onde cresceu, e a vida da classe baixa do Império Russo, pintando dezenas de personagens vívidos e reais. O escritor também descreve sua maioridade nas duas partes seguintes da trilogia – “Ganhando meu pão” e “Minhas universidades”.

2. Vassíli Grossman, “Vida e Destino”

Este romance é totalmente baseado na biografia do autor e nos eventos que ele presenciou e viveu. Grossman trabalhou por muitos anos como correspondente de guerra e esteve na Batalha de Stalingrado.

Ele também escreveu sobre a própria vida quando da evacuação, sobre as repressões stalinistas e sobre como vizinhos e amigos se afastaram dos parentes daqueles que foram reprimidos.

Grossman testemunhou, da mesma maneira, o assassinato de judeus pelos nazistas (sua mãe morreu em cativeiro alemão). Hoje, este épico de Grossman é frequentemente chamado de “Guerra e Paz do século 20”.

Mas, nos tempos soviéticos, o manuscrito foi apreendido e proibido para publicação devido às abundantes críticas ao regime de Stálin (Grossman chega até a comparar Stálin a Hitler).

3. Konstantin Stanislávski, “Minha vida na arte”

“História da busca criativa”, de Stanislávski, tornou-se um manual para muitos atores do século 20. O livro explica seu famoso sistema de atuação e ensino.

No entanto, as memórias deste importante diretor teatral são interessantes não só para quem trabalha no palco, mas também para um público mais amplo, já que Stanislavski fala de sua vida e percurso criativo, dos espetáculos que encenou e de suas relações com Tchékhov e Górki, entre outros.

Em geral, o livro discorre sobre o lendário Teatro de Arte de Moscou no final da era imperial e descreve a vida de um artista em tempos de mudança.

Stanislávski nasceu em 1863 e testemunhou a abolição da servidão e os eventos na Rússia no final do século 19, bem como da incipiente União Soviética. Ele testemunhou a Revolução e a ascensão do domínio soviético, a censura imperial e soviética e a era Stálin.

4. Evgenia Ginzburg, "A vertigem na política das depurações"

Em 1937, Ginzburg foi presa sob acusações forjadas de envolvimento com uma organização terrorista. Por serem “o pai e a mãe do inimigo do povo”, seus pais também foram presos.

Ginzburg passou 10 anos em prisões e campos de trabalhos forçados soviéticos e não teve o direito de retornar à sua cidade natal, Moscou, por outros 10 anos.

Este romance autobiográfico foi um dos primeiros testemunhos dos horrores do sistema penal soviético e da repressão. Ele surpreende os leitores com descrições de como as mulheres eram tratadas na prisão e quão absurdas eram as razões para serem presas durante a era stalinista.

5. Nina Berberova, “Os itálicos são meus. Autobiografia”

Neste livro (cuja tradução para o português sairá pela editora Kalinka ainda em 2023), Nina Berberova escreve sobre sua vida, repleta de acontecimentos importantes: sua juventude no Império Russo, o período da Revolução, sua partida da URSS, a Segunda Guerra Mundial e a ocupação alemã da França.

Além disso, as memórias de Berberova testemunham sobre as vidas de algumas das pessoas mais talentosas da primeira metade do século 20. Berberova era esposa do poeta Vladislav Khodasevitch e fazia parte do círculo dos principais escritores e outros famosos da "Era de Prata": ela era amiga de Marina Tsvetaeva, Boris Pasternak, Vladimir Nabokov, Aleksandr Kuprin, Ivan Bunin, Maksim Górki e Aleksandr Kerenski, entre outros.

6. Serguêi Dovlatov, “A Mala”

Este livro (que sairá em português pela editora Kalinka ainda em 2023) prova que nem todas as memórias são dramáticas e épicas. Às vezes, histórias curtas, mas vívidas, são ainda mais emocionantes de ler. As obras literárias de Dovlátov são sempre baseadas de alguma forma em suas experiências pessoais, e esta coleção não é uma exceção.

O protagonista emigra da URSS para os Estados Unidos levando consigo apenas uma pequena mala. Vários anos depois, ele a abre e cada item dentro dela se torna objeto de uma história separada – mezzo romance, mezzo anedota.

Um casaco e um boné, por exemplo, transformam-se nos protagonistas de uma fascinante história que retrata vividamente os tempos e a atmosfera dessa viagem.

Se quiser dar uma espiada no livro, o jornal Folha de S.Paulo publicou um trecho aqui em 2012.

7. Marechal Gueórgui Jukov, “Memórias”

Muitas pessoas que lutaram na Segunda Guerra Mundial deixaram memórias e testemunhos sobre os horrores que tiveram que superar — como ocorreu no também magistral “Notas de um atirador de elite” (ainda sem tradução para o português; no original em russo, “Zapiski snaipera”), em que Vassíli Zaitsev descreve sua experiência durante intensos combates urbanos em Stalingrado e que se tornou base para um filme de Hollywood chamado “Círculo de Fogo” (2001).

Mas as memórias de pessoas de posição hierárquica tão alta como o “Marechal da Vitória” Jukov merecem atenção especial. Neste livro, Jukov descreve sua infância em uma aldeia, o primeiro e duro trabalho em uma fábrica e seu serviço na cavalaria durante a Primeira Guerra Mundial.

Mas, claro, as partes mais interessantes dizem respeito à Segunda Guerra Mundial. O marechal relembra a condição do exército às vésperas da guerra e escreve sobre as táticas militares e suas relações com Stálin, entre outros detalhes interessantes

8. Ivan Búnin, “Dias Malditos”

Este Prêmio Nobel de Literatura não recebeu bem a Revolução e a autoridade soviética e, em 1920, emigrou para a França. “Dias Malditos” (ainda sem publicação em português; em russo, “Okaiannie dni”) é composto por seus diários e reflete o período mais turbulento e complexo da história da Rússia.

Durante a URSS, no entanto, o livro só foi publicado na década de 1980, durante a Perestroika. Os censores soviéticos tiveram problemas com o livro porque ele expressava um enorme ódio aos bolcheviques e a desilusão com a Revolução.

“Muitas pessoas não entenderam que a Revolução é apenas um jogo sangrento, em que as pessoas apenas trocam de lugar, e que, em última análise, só termina em ir da frigideira para o fogo - mesmo que consiga temporariamente sentar, festejar e levantar no lugar dos senhores, no final das contas ele vai do fogo à chama”, escreve.

9. Nadejda Durova, “Notas de uma donzela da cavalaria”

Em “Zapiski kavalerist-devitsi” (ainda sem publicação em português), a valente Nadejda Durova, que viveu na primeira metade do século 19, descreve como, vestida como homem, serviu no exército russo e lutou contra as forças de Napoleão.

Durova escreveu sobre sua vida e a posição degradante em que as mulheres de sua época se encontravam — nascidas essencialmente “para viver e morrer na escravidão”, segundo ela própria.

Ela discorre nesta obra sobre sua resoluta decisão de se “separar de um gênero que estava sob a maldição de Deus” e descreve como conseguiu servir nas forças armadas, bem como as primeiras batalhas de que participou.

Seu livro foi publicado pela primeira vez pelo poeta mais amado do país, Aleksandr Púchkin. Contra a vontade de Durova, porém, ele revelou a verdadeira identidade dela, que preferia ser chamada pelo nome Aleksander Aleksandrov.

Isso irritou Durova tremendamente, mas Púchkin lhe respondeu: "Seja corajosa: entre no campo de batalha da literatura tão valentemente quanto no campo de batalha que lhe trouxe glória!"

10. Iliá Ilf e Evguêni Petrov, “A América de um andar”

Entre 1935 e 1936, esta dupla de escritores fez uma viagem aos Estados Unidos. De carro, os dois cruzaram o país inteiro na companhia de um casal americano. Mais tarde, eles publicaram suas notas neste volume, intitulado em russo “Odnoetajnaia America” (ainda sem publicação em português), que posteriormente se tornou sinônimo de "verdadeira América".

Ilf e Petrov compilaram um relatório detalhado sobre suas jornadas e impressões sobre a cidade de Nova York, a construção da ponte Golden Gate em San Francisco, a vida do americano médio, a Coca-Cola, os campos e, claro, Hollywood...

É divertido ler hoje, por exemplo, como os dois escritores admiravam as lâmpadas que eram acesas “puxando-se uma corda”. 

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