4 filmes da Iakútia para assistir agora mesmo (e de graça!)

Dmitry Davydov, 2016
O fenômeno desta cinematografia regional já está sendo comentado em várias partes do mundo, com diversos filmes sendo premiados em festivais mundo afora. No entanto, nem todos são de fácil acesso para o grande público, ainda mais em português.

Atenção: os quatro filmes listados abaixo estão disponíveis gratuitamente no YouTube, porém apenas com legendas em inglês.

Os cineastas da Iakútia, uma das regiões mais frias e também mais cinematográficas da Rússia, estão conquistando reconhecimento de várias maneiras. Além de seus filmes superarem as produções de Hollywood na distribuição local, as produções estão trazendo para a região prêmios de alguns dos maiores festivais do mundo.

Além disso, já reúnem centenas de milhares – e às vezes milhões  – de visualizações na internet, como é o caso do drama de guerra Siberian Sniper (2021). Porém, o cinema iacuto ainda tem uma grande desvantagem: mesmo os sucessos do YouTube nem sempre são acompanhados de legendas em inglês (quiçá em português). Ainda assim, há exceções à regra. Abaixo estão quatro filmes para assistir agora mesmo (se souber inglês ou russo) – há fantasmas, uma roda-gigante e morsas, e um deles foi até indicado ao Oscar!

1. Ferrum (2015)

Não é por acaso que a indústria iacuta é apelidada de Sakhawood, com uma dose compreensível de ironia: a diversidade de gêneros na região é bem parecida com Hollywood. O público local respeita todos os tipos de filmes - comédias, terror e dramas históricos. Mas o cinema asiático mantém tanta influência na indústria local quanto Hollywood. Por exemplo, o drama místico ‘Ferrum’ lembra, a princípio, um thriller coreano — não faltam recursos estilísticos, é assustador, mas também um tanto bem-humorado.

Nele, um jovem assassino de aluguel em um terno caro tenta obter de um ex-colega a informação secreta de onde ele escondera um dinheiro comum. Ele não suja as próprias mãos, porém: a seu pedido, dois bandidos mergulham o pobre coitado em uma banheira de água e acham por, acidentalmente, matá-lo antes que tenha tempo de dizer onde está a grana.

Já não há mais nada a ser feito — o personagem principal vai à floresta para enterrar ele mesmo o cadáver. No entanto, todos os tipos de coisas malucas começam a acontecer com ele: visões bizarras, além de estranhos companheiros de viagem. O thriller “coreano” se transforma em um road movie no estilo de ‘Homem Morto’ (1995), de Jim Jarmusch.

Os iacutos são pagãos, portanto, suas histórias geralmente têm uma dimensão mística. Enquanto nas cenas urbanas de ‘Ferrum’ eles falam russo, a língua da civilização urbana, quando estão na floresta, os personagens mudam para o iacuto — já que o mundo fora da cidade vive de acordo com as leis pagãs. Mesmo as coisas comuns não são o que parecem. O doce barato que o assassino mastiga em um momento de estresse é o presságio de um encontro com algo de outro mundo, e a ferrovia (‘ferrum’ é ferro em latim) se transforma em uma metáfora do destino.

Assim como a maioria dos filmes da Iakútia, o primeiro longa-metragem do jovem diretor Prokopi Burtsev — que também é roteirista, editor e produtor —, foi feito com um orçamento apertado, no valor de apenas US$ 10.000.

2. Bonfire (2016)

Dmítri Davidov é provavelmente o diretor iacuto mais famoso fora da república. Em um passado não muito distante, foi professor e diretor de uma escola da aldeia, dedicando-se ao cinema durante as férias. Seu longa de estreia, o drama ‘Bonfire’, foi rodado em sua aldeia natal de Amga. No filme, rodos os atores são seus companheiros de aldeia, incluindo os do Teatro do Povo de Amga. Foi justamente esse filme, rodado por um diretor amador, que lançou o cinema iacuto no cenário internacional. ‘Bonfire’ ganhou um prêmio no festival canadense ImagineNATIVE, foi indicado ao festival de cinema de Busan (Coreia do Sul) e a um prêmio da Academia de Cinema da Ásia-Pacífico — mais conhecido como o Oscar asiático’.

O filme conta a história de um jovem que fica bêbado e atropela seu companheiro de bebedeira com um trator e depois se enforca de vergonha. Ele deixa o seu pai, o velho taciturno Ignat, sozinho com sua desgraça eterna. A aldeia é pequena — todos se conhecem. Ignat nunca fez maldade, nunca roubou nada, nunca caluniou, mas chega à velhice assim, sozinho e em confronto com todos. É então que um menino sem-teto ajuda Ignat a encontrar um novo significado na vida. O senhor leva o menino para sua casa e o ensina a esculpir em madeira. Com o tempo, Ignat até conhece um novo amor. Eis que o fogo — aparentemente extinto — da vida é aceso por um vento forte. Mas nem todos estão satisfeitos com a felicidade de Ignat.
A natureza impassível e os personagens severos lembram os filmes de Ingmar Bergman, enquanto a temática do mal que contagia remete aos longas de Martin McDonagh.

3. ‘There Is No God but Me’ (2019) 

Depois de ‘Bonfire’, Davidov filmou outro drama penetrante, porém neste quase todo o desenrolar dos fatos se dá na cidade. O lenhador Ruslan é forçado por seus companheiros de aldeia a deixar sua cidade natal. Todos o respeitam, mas a mãe de Ruslan está mal das pernas. Acometida por Alzheimer, ela deixa de reconhecer os parentes, assusta as crianças locais e certa vez até entra na casa de outra pessoa com uma espingarda. Ela precisa ser levada à cidade para tratamento; então, Ruslan aluga um apartamento e consegue um novo emprego, mas fica adiando mandá-la para a clínica — como ele poderia colocar sua mãe nas mãos de outra pessoa? No entanto, a doença está piorando e literalmente todos em seu círculo convencem Ruslan: todos ficarão melhor se ele concordar com o tratamento.

Davidov é como um Asghar Farhadi iacuto. Assim como o diretor iraniano (duas vezes vencedor do Oscar por A SeparaçãoO Apartamento), ele está interessado em dilemas morais insolúveis que lenta, mas certamente, destroem até os mais fortes por dentro. O mais próximo de Farhadi é o drama ‘There Is No God but Me’ (Não há Deus além de mim, em tradução livre). Embora tenha tido menos sorte com prêmios do que o longa de estreia de Davidov, este filme demonstra a inquestionável evolução das habilidades do diretor. A austeridade das imagens e as metáforas simples (como uma roda-gigante, por exemplo, que aqui é o símbolo de um futuro impossível) só reforçam o senso de realidade.

4. Haulout (2022)

Este ano, a Iakútia chegou pela primeira vez às manchetes relacionadas ao Oscar: Haulout, um trabalho conjunto dos irmãos Maksim e Evguênia Arbugaev, da aldeia iacuta de Tiksi, foi indicado para um prêmio na categoria Melhor Documentário em Curta-Metragem. Haulout’ é um registro de 25 minutos do biólogo marinho Maksim Tchakilev, que observa a vida das morsas na costa do Mar de Okhotsk — um belo filme, mas também um testemunho sinistro do impacto do aquecimento global na vida selvagem.

O Cabo Serdtse-Kamen está passando por uma invasão de morsas. Por não encontrarem gelo no mar, os animais chegam à costa aos milhares e literalmente morrem em meio ao congestionamento em solo. Durante os três meses de filmagem, tanto Tchakilev quanto os Arbugaevs, que também atuaram como cinegrafistas, tiveram que se trancar três vezes na cabana; havia tantas morsas ao redor que era simplesmente impossível abrir a porta. O filme foi adicionado ao canal da revista The New Yorker no YouTube.

A fotógrafa Evguênia Arbugaeva já teve seus trabalhos publicados nas principais publicações ocidentais, como Time e National Geographic, dentre outras. Maksim Arbugaev é cinegrafista e vencedor do Festival de Sundance por seu trabalho em Genesis 2.0, de Christian Fry, sobre caçadores de presas de mamute. Em 2023, Arbugaev fará sua estreia na direção de longas-metragens com o drama Fim do Verão’ — um trabalho conjunto com Vladímir Munkuev e estrelado por Iúri Borisov.

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