Zelfira Tregulova: ‘Assim como a Rússia (...), a Galeria Tretiakov não pode se desligar do mundo’

No ano passado, os planos de exposições dos museus russos e de muitos estrangeiros mudaram drasticamente. A Galeria Estatal Tretiakov, envolvida ativamente em exibições em todo o mundo, não foi exceção.

Russia Beyond: A Galeria Tretiakov seguia muito ativa no cenário internacional até o início do ano passado. Qual é a situação do museu hoje?

Assim como a Rússia não será um país fechado, a Galeria Tretiakov também não pode se isolar do mundo – especialmente no contexto do incrível interesse e reconhecimento da arte russa que observamos nos últimos anos, em cuja criação nós mesmos estivemos ativamente envolvidos. Queremos estar, tentamos e continuamos ativos no cenário internacional.

Ainda no ano passado tivemos três exposições com participação internacional. Uma delas foi a exposição de Henryk Siemiradzki. Um de seus destaques foi a pintura Seguindo o Exemplo dos Deuses, da Galeria Nacional da Armênia; e trouxemos outra de suas obras, depois de restaurá-la primeiro – o enorme Alexandre, o Grande Deposita Sua Confiança no Doutor Philip, do Museu Nacional de Arte da República da Bielorrússia. O mesmo museu de Minsk emprestou três obras para a exposição de Igor Grabar, em curso na Ala de Engenharia.

Henrik Siemiradzki. Alexandre, o Grande, deposita sua confiança no Doutor Philip, 1870

Museu Nacional da Arte de Bielorrussia

Em novembro de 2021, assinamos um acordo de cooperação com a Dundação de Desenvolvimento da Arte e da Cultura do Gabinete de Ministros do Uzbequistão para o estudo da arte russa nas coleções de museus locais. Afinal, eles têm tesouros absolutamente desconhecidos da vanguarda russa e da arte do século 20. De 2023 a 2025, haverá três projetos conjuntos com o Uzbequistão – uma exposição de Aleksêi Morgunov; uma exposição intitulada O Caminho para o Oriente; e uma retrospectiva de Solomon Nikritin. Quanto a este último, esperamos que o Museu de Arte Contemporânea de Thessaloniki, na Grécia, possa participar – eles possuem uma rica coleção de suas obras.

Por várias décadas, o Uzbequistão não permitiu que obras de suas coleções fossem emprestadas para exposições. Mas agora embarcou em uma grande promoção internacional de sua história, cultura e suas ricas coleções. Há uma mostra atualmente no Louvre, em Paris, chamada Os esplendores dos oásis do Uzbequistão; também, em janeiro, Eike Schmidt, diretor da Galeria Uffizi, visitou o Uzbequistão. E espero que a visita leve a que alguns projetos de arte russa sejam exibidos na Europa com nossa assistência e assessoria, embora não envolvam obras de coleções russas.

Trata-se de trazer exposições para a Rússia, em vez de obras-primas da Galeria Tretiakov em turnê no exterior?

Sim, estamos falando de trazer coisas para cá e colaborar nos espaços expositivos da Galeria Tretiakov. A questão não depende de nós. É uma questão de política de Estado e de continuar a prática de emitir licenças estatais para o envio de obras de arte das coleções de museus russos ao exterior para países amigos. Assim que uma decisão é tomada e o grupo de países para os quais as licenças estatais podem ser emitidas é determinado, estamos prontos para começar a trabalhar em projetos no dia seguinte.

Além dos países já citados, também temos bons contatos com embaixadas – muitas vezes por iniciativa dos embaixadores – da Índia, México, Brasil, Tailândia e China. E há muitos pontos de contato. Veja a Tailândia, por exemplo: já realizamos um festival de cinema tailandês; como você sabe, temos programas de cinema muito sólidos. Estamos trabalhando na organização de festivais semelhantes com México, Índia e Brasil.

Zelfira Tregulova

Press photo

Agora vamos desenvolver um programa de cooperação com a China, sobretudo porque estamos construindo uma filial da galeria em Vladivostok. Foi concebida desde o início como um porto de culturas, um local para a realização de exposições do nosso acervo, do Hermitage e de outros museus que podem ser facilmente transportados para países do Sudeste Asiático.

Lembro-me da Galeria Tretiakov montando vários projetos na China antes da pandemia – e eles foram notavelmente bem-sucedidos. A exposição Peredvijniki (Wanderers) no Museu de Xangai, em 2018, ficou em primeiro lugar no top 10 internacional das melhores exposições de arte do século 19, conforme classificação feita pelo The Art Newspaper da Grã-Bretanha. Recebeu 500 mil visitantes em apenas dois meses.

Que outras exposições memoráveis foram realizadas na China?

Foram muitas. Todas dedicadas, de uma forma ou de outra, à pintura russa clássica do século 19 e também, em parte, à pintura figurativa do período soviético. Via a regra, tendo em vista os custos de transporte incrivelmente altos, nossos parceiros chineses organizam exposições em dois ou três locais. Houve projetos em Xangai, Pequim e Hancheu.

Lembro que o grande sucesso em todas as cidades foi o “Retrato da pequena Aidan”, de Tair Salakhov – os chineses definitivamente enlouqueceram com ele.

Tair Salakhov. Retrato da pequena Aidan, 1967

Galeria Tretiakov

Além disso, a mostra mais memorável foi provavelmente outra exposição de Peredvijniki, realizada no Museu Nacional de Pequim em 2015. Nunca esquecerei a abertura… Dezesseis professores da Academia de Belas Artes de Pequim que haviam estudado com professores russos foram convidados para a ocasião. Eles tinham entre 85 e 97 anos e ficou claro para eles que a arte russa abriu caminho para o mundo da pintura de cavalete, bem diferente do mundo da pintura tradicional chinesa que existia até o final dos anos 1940. Assim, para eles, as obras de Repin, Levitan, Kramskoi e Savrasov eram ícones genuínos. Lembro-me de como eles tocavam as molduras na abertura da exposição de uma maneira quase reverente.

Eles estudaram na URSS?

Sim. Tanto aqui como em casa. Por exemplo, o artista soviético Konstantin Maksimov foi lecionar na China. E a Academia de Artes de São Petersburgo possui de 200 a 300 alunos chineses matriculados até os dias de hoje.

Estamos muito interessados em projetos em Hong Kong, por exemplo, que até poucos anos atrás não tinha espaço para montar exposições de pintura. Agora, o Museu de Arte foi reinaugurado após reforma – e, o mais importante, há o novo e impressionante Museu M +. Conversamos com os representantes para a realização de uma mostra da Vanguarda Russa.

A lista de obras costuma ser solicitada pelo país anfitrião?

Sim, todos os projetos foram implementados por iniciativa dos chineses.

O que você pessoalmente gostaria de mostrar na China?

Se pegarmos Hong Kong, por exemplo, teria que ser a vanguarda russa. E há muito tempo pensamos em fazer uma mostra de vanguarda na China para mostrar algo mais do que a pintura figurativa, que é bem conhecida e que realmente é vista não apenas com admiração, mas também com veneração.

Quanto à China continental, pensaria em uma abordagem mais complexa do que aquelas em que se basearam as exposições que mencionei anteriormente. Paralelamente, estou ciente de que, do ponto de vista da China, uma exposição deve apresentar uma narrativa vívida, visualmente eficaz e inteligível. Por exemplo, brincamos com a ideia de montar uma mostra dedicada aos contos de fadas russos.

Por outro lado, o que gostaria de trazer da China para Moscou?

Há, infelizmente, um certo problema aqui: o Museu de Xangai tem uma coleção inacreditável de antigos bronzes chineses, mas somos, antes de tudo, uma galeria de imagens. E a pintura chinesa antiga é muito difícil de expor: tem que ficar exposta em gabinetes especiais nos quais o controle de temperatura e umidade tem quase 10 pontos de diferença do nosso.

Zelfira Tregulova

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Ainda assim, provavelmente pensaria em uma exposição de escultura, sem – se me permitirem a ir além – me limitar à China. No outono, eu estava em Bangkok a convite do embaixador da Tailândia na Rússia e fiquei pasmo com a coleção de esculturas budistas no Museu Nacional [da Tailândia]. Eu caminhei por três horas e meia com o curador e tirei algumas centenas de imagens no meu telefone. E se você me perguntar o que eu gostaria de trazer para Moscou acima de tudo, seria isso.

A Galeria Tretiakov manteve até agora laços bem mais estreitos com os museus europeus. Qual é o estado atual das relações?

No que diz respeito às relações oficiais, como você deve saber, elas não existem. Mas as informais sobrevivem, é claro. Foi incrivelmente bom, por exemplo, receber uma calorosa saudação de Natal da diretora dos Museus do Vaticano, Barbara Jatta. Ela é bisneta da condessa Olsufieva; por isso, ela entende o significado do dia 6 de janeiro.

Depois que a cooperação foi oficialmente suspensa, o que os frequentadores de museus russos perderam no ano passado e o que os frequentadores de exposições na Europa deixaram de ver?

Em abril de 2022, deveríamos ter aberto uma impressionante retrospectiva do artista finlandês Akseli Gallen-Kallela na ala de engenharia. Foram três anos de preparação. O que mais lamentamos é a exposição Russian Thread. Art and Fashion, que preparamos em conjunto com o Victoria and Albert Museum [do Reino Unido] nos últimos seis anos. A curadoria seria de Geoffrey Marsh, que, entre outras coisas, apresentou a tão comentada mostra de sucesso David Bowie Is, no mesmo museu de Londres.

O projeto mais marcante no exterior que fomos obrigados a cancelar foi uma exposição de arte russa do século 20 – contendo obras incríveis – no novo Munch Museum, em Oslo.

Entre as coisas que seremos capazes de reformatar na situação atual está a exposição Ost-West, que deveríamos exibir em cooperação com a Neue Nationalgalerie de Berlim e as Coleções de Arte do Estado de Dresden. O tema era a arte proletária soviética e da Europa Ocidental. Agora, os nossos colegas conseguiram encontrar nos depósitos dos museus russos um grande número de obras de artistas europeus, e não apenas europeus, cujas obras se enquadram na categoria de arte proletária. Estes são artistas bastante desconhecidos e inéditos, cujos vestígios foram perdidos há muito tempo. Agora, o projeto parece ser ainda maior em escopo e complexidade do que havíamos planejado originalmente quando íamos recorrer a coleções de museus alemães.

Como outros museus, a Galeria Tretiakov começou a averiguar mais de perto suas próprias coleções e depósitos durante a pandemia. Algum achado sensacional que pretendam mostrar?

No passado recente, instalamos um sistema de gerenciamento de inventário ideal e nosso próprio sistema de informações do museu, ou MIS, criado por nossos desenvolvedores. Portanto, dificilmente seria possível descobrir algo novo depois de publicar 27 volumes de trabalhos acadêmicos compilados.

A pandemia e o objetivo de criar uma ferramenta de informação virtual, sem dúvida, nos fizeram focar bastante em nossos acervos.

Começamos a trabalhar no projeto My Tretyakovka, em 2019. A enorme equipe de pesquisa da Galeria Tretiakov manteve o trabalho à tona durante esses cinco meses de pandemia. Sua missão era não somente proporcionar acesso às obras-primas que todos conheciam, mas também mostrar aspectos desconhecidos do acervo. Por exemplo: fotografia, arte teatral e material de arquivo. E o site realmente permitiu que fossem feitas descobertas.

Aproveitamos para montar o projeto de exposição My Tretyakovka e planejamos abrir a segunda parte na primavera. Estas duas mostas, baseadas na nossa própria coleção, realmente apresentaram um vasto número de itens que ninguém tinha visto até agora.

São eles: Diaghilev. Ensaio Geral, com 13 figurinos das produções de balé Diaghilev que entraram para o acervo da Galeria Tretiakov durante a pandemia; e Aleksêi Schusev. Arquiteto, Artista, Diretor, no qual apresentamos, pela primeira vez, material de qualidade artística inacreditavelmente alta que adquirimos nos últimos nove anos com doações de benfeitores da arte.

Representa uma parte significativa da obra de Schusev, relacionada com o seu trabalho na Estação Ferroviária Kazanski e no Convento Marfo-Mariinski, e também o projeto do novo edifício da Galeria Tretiakov, da qual foi diretor de 1926 a 1928. A exposição começa com um estupendo retrato de Schusev pintado por Boris Kustodiev em 1917, na época em que trabalhava na Estação Kazanski, e que também foi adquirido com recursos de um mecenas.

Boris Kustodiev. Aleksêi Schusev, 1917

Galeria Tretiakov

Nos canais do Telegram, circulam relatos de que vários colecionadores estão propondo ativamente aos museus a aquisição de obras de suas coleções. Você já teve ofertas desse tipo?

Não houve nenhuma. Para ser sincera, se houvesse ofertas desse tipo, eu não estaria sentada aqui com você agora; eu estaria correndo de um benfeitor em potencial para outro para tentar garantir os fundos.

Dada a realidade atual e a recusa de artistas em se envolver em projetos em museus estatais, como você planeja se envolver com a arte contemporânea?

Claro que devemos levar em conta essa realidade. Por exemplo, no verão íamos inaugurar a exposição Coisa. Espaço. Homem, composta por obras do nosso acervo, e meus colegas contataram todos os artistas vivos ou espólios dos artistas para evitar surpresas. Esta é a realidade de hoje e seria tolice fingir que não é o caso.

No que diz respeito aos eventos em Krimski Val, continuaremos a realizar exposições de artistas contemporâneos vivos. Mas agora queremos converter o espaço de exposições da Ala Ocidental, onde realizamos uma atualização muito importante do sistema de controle climático há um ano, em um local onde exposições únicas possam ser exibidas.

A mostra O Grão-Ducado. Tesouros da Terra de Vladímir-Suzdal, compreendendo as principais obras-primas do Museu-Reserva de Vladímir-Suzdal, foi inaugurada na Nova Galeria Tretiakov em 24 de janeiro.

Na mesma área de exposição planejamos montar uma retrospectiva de Viktor Popkov em 2024. E para o verão planejamos uma mostra de arte contemporânea, ainda em discussão.

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