São Nicolau foi arcebispo de Mira, na Lícia (na atual Turquia), e é sem dúvida um dos santos mais reverenciados. Viveu no final do século 3 e início do século 4 e tornou-se famoso por seu modo de vida piedoso, seu profundo conhecimento das Sagradas Escrituras (é por isso que os ícones muitas vezes o retratam com uma Bíblia nas mãos) e seu grande amor e compaixão pelas pessoas. Tanto é que durante sua vida ele realizou muitos milagres para ajudar os outros. Diz-se que ele ressuscitou mortos, curou doentes e salvou moribundos da fome. A bondade e o comportamento “despretensioso” do santo o tornaram extraordinariamente reverenciado em literalmente todos os segmentos do cristianismo.
No folclore católico, a imagem de São Nicolau está intimamente ligada à figura do Papai Noel, enquanto na Rússia é chamado de Nicolau, o Maravilhoso. No país eslavo, este santo dos primeiros dias do Cristianismo passou a ser amado e reverenciado como se fosse um nativo. Os fiéis recorriam a ele principalmente para ajudá-los nos problemas da vida, para salvação e proteção. E, ao que tudo indica, Nicolau, de fato, ajudou os necessitados porque sua popularidade era extraordinária: não havia templo que não tivesse um ícone ou afresco em sua homenagem.
Afresco da Catedral do Mosteiro de Ferapontov (Dionísio, 1502)
Legion MediaOs pintores de ícones da Rússia trabalham na imagem de São Nicolau desde o século 13. Durante séculos, essa imagem e seus detalhes foram se transformando, assim como o estilo de pintura, de acordo com as “tendências” e cânones da pintura de ícones.
Compare abaixo um ícone antigo do século 14 e um ícone do século 18 nos quais é evidente a influência da arte da Europa Ocidental e do estilo barroco.
À esquerda, São Nicolau, o Maravilhoso, com hagiografia. Do final do século 14. Rostov // À direita, São Nicolau, o Maravilhoso. Segunda metade do século 18. Moscou (Galeria Tretyakov)
Galeria Tretiakov; Aleksandra GuzevaOs ícones mais antigos de São Nicolau costumavam ser acompanhados por uma moldura com os “selos” de sua hagiografia. Os iconógrafos de diferentes épocas e regiões puderam adicionar vários eventos a eles.
São Nicolau, o Maravilhoso com sua hagiografia. Selos – primeiro quarto do século 17, meados de 1914 (Galeria Tretyakov)
Galeria TretiakovÍcones de São Nicolau estavam presentes nas casas dos fiéis ortodoxos na Rússia, bem ao lado de Jesus e da Mãe de Deus. O fato de São Nicolau ter sido frequentemente representado em ícones ao lado da Mãe de Deus, Jesus e outros santos importantes também atesta a veneração especial que sua imagem mantém há muito tempo.
São Nicolau, o Maravilhoso, com São Brás de Sebaste e o monge Nikita, o Confessor. 1526, Velíki Novgorod (Galeria Tretyakov)
Galeria TretiakovA imagem de Nicolau também era colocada em ícones de dupla face com a Mãe de Deus, por exemplo.
São Nicolau, o trabalhador maravilhoso. Ícone de dupla face (no verso está retratada a Nossa Senhora do Caminho – Hodegétria). Primeira metade do século 16
Aleksandra GuzevaNa tradição russa, São Nicolau, o Maravilhoso, passou a ser considerado um santo tão próprio do país que algumas de suas imagens iconográficas ou milagres relacionados a ele passaram a ser venerados e ganharam vida própria.
Tais milagres são descritos na literatura e folclore russos. O primeiro evento milagroso relacionado a São Nicolau ocorreu na Rus Kievana ainda no final do século 11. Reza a lenda que, durante uma peregrinação e navegação, pais piedosos deixaram cair um bebê no rio Dnieper e ele se afogou. De coração partido, o casal rezou fervorosamente para São Nicolau, o Maravilhoso, e pela manhã, os padres da Catedral de Santa Sofia de Kiev encontraram uma criança viva na frente de um ícone de São Nicolau. Desde então, a imagem é especialmente reverenciada. O chamado “Nikola, o Molhado” começou a se dedicar às igrejas de Moscou.
De acordo com outra lenda, no século 13, os moradores da cidade sitiada de Mojaisk imploraram pela proteção de Nicolau, o Maravilhoso. De repente, sua imagem apareceu no céu – em uma mão, segurava uma espada; e na outra, como se fosse a própria cidade. Os inimigos se dispersaram, e essa imagem de “Nikola” ficou famosa na Rússia. Desde então, é retratado em uma escultura de madeira com uma espada e o Kremlin de Mojaisk em suas mãos. Na Rússia, há um grande número de estátuas semelhantes. Abaixo pode-se ver uma delas:
São Nicolau, o Maravilhoso (São Nicolau de Mojaisk). Escultura em madeira. Final do 17-início do século 18. Ustiujna (Galeria Tretyakov)
Galeria TretiakovA imagem de São Nicolau de Velikoretski também é bastante conhecida. Segundo a lenda, no final do século 14, um camponês descobriu um ícone de Nicolau na margem do rio Velíkaia (perto da cidade de Viatka, atual Kírov), do qual emanava um brilho. Acontece que também era milagroso: depois que um morador local foi curado ao tocar o ícone, teve início uma verdadeira peregrinação a partir das vilas e cidades vizinhas.
Ícone de Velikoretsk de Nicolau, o Maravilhoso, do século 16 (Catedral de São Serafim de Kírov)
Domínio PúblicoAlém disso, os povoados queriam ter suas próprias cópias dos ícones, e os iconógrafos sempre acrescentavam algo próprio a eles. A fama de São Nicolau, o Maravilhoso, acabou chegando até Ivan, o Terrível, que contribuiu para a divulgação de sua imagem.
São Nicolau, o Maravilhoso (Nikola Velikoretski). Final do século 16, Vologda (Galeria Tretyakov)
Galeria TretiakovA imagem de São Nicolau, o Grande é sempre retratada da cintura para cima, com uma mão abençoando e a outra segurando um Evangelho.
Nikola Velikoretski, século 16. Presumivelmente de Vologda (Galeria Tretyakov)
Aleksandra GuzevaA festa de São Nicolau do rio Velíkaia é amplamente celebrada na Rússia. É oficialmente chamada de Dia da chegada das relíquias à cidade de Bari. O evento ocorreu no século 10, quando os cruzados tomaram a tumba que continha as relíquias milagrosas de São Nicolau de Mira, na Lícia, e as transportaram para Bari (no atual território da Itália) para salvá-las dos conquistadores turcos. Diversos ícones representam a jornada da tumba com as relíquias e como foi recebida em Bari.
Transferência das relíquias de São Nicolau de Mira, na Lícia, para Bari. 1847. Palekh
Aleksandra GuzevaOutra imagem do santo reverenciada na Rússia é a de São Nicolau de Zaraisk, à qual se dedica todo um ciclo de romances da literatura russa antiga.
Existem inúmeros fólios de São Nicolau de Zaraisk. Ele é retratado de corpo inteiro, com o Evangelho fechado e um gesto de bênção.
À esquerda, Nikola de Zaraisk. Segunda metade do século 17. Galeria Tretyakov // À direita, Nikola de Zaraisk. Século 17. Região do Volga (Coleção de ícones russos com o apoio da Fundação Andrés Apóstol)
Domínio PúblicoAs pinturas de Nicolau, o Maravilhoso, ocupam um lugar especial na coleção da Galeria Tretyakov. Outra versão de Nicolau de Zaraiski está intimamente relacionada com Pável Tretyakov, o fundador da galeria. Ele nasceu em uma casa ao lado da Igreja da Natividade da Santíssima Virgem, em Golutvin, onde havia uma capela dedicada a Nicolau, o Maravilhoso. Nela havia um único ícone de Nicolau de Zaraisk, pintado pelo iconógrafo do Kremlin, Tikhon Filatiev. Destaca-se pelas paisagens bizantinas pintadas sutilmente ao fundo.
São Nicolau, o Maravilhoso (Nicolau de Zaraisk, à esquerda no ícone) e João, o Precursor. Iconógrafo Tikhon Filatiev. 1691
Aleksandra GuzevaMais tarde, Pável Tretyakov foi paroquiano da igreja de São Nicolau em Tolmatchi, ao lado da qual construiu sua galeria. Hoje, a igreja é considerada a sede da Galeria Tretyakov, e os ícones ortodoxos mais importantes são mantidos ali: A Santíssima Trindade, de Andrei Rublev, e o Teótoco de Vladimir – além, é claro, de um ícone de São Nicolau, o Maravilhoso.
A exposição “São Nicolau, o Trabalhador Maravilhoso. Ícones dos séculos 13 a 20” ficará em cartaz até 28 de agosto de 2022 na Galeria Tretyakov, em Moscou.
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