10 contos absolutamente imperdíveis de Tchékhov

Cultura
ALEKSANDRA GUZEVA
Se você não tem tempo para ler todas as histórias deste mestre da narrativa, eis uma seleção do autor que cunhou o aforismo “A brevidade é irmã do talento”!

Tchékhov escreveu mais de 500 contos, que, em termos de profundidade e arte, não ficam atrás de grandes romances de outros escritores. Ele foi o primeiro a se ressaltar a vida cotidiana em suas histórias, ao invés de um drama exagerado.

As personagens de suas histórias frequentemente se dissolvem na rotina e nas circunstâncias, não exibindo aspirações próprias. Os contemporâneos de Tchékhov amaram essas inovações: ali eram retratadas pessoas reais. Tchékhov não as julgava ou denunciou, mas sim observava com imparcialidade.

Maksim Górki escreveu a Tchékhov que ninguém podia se equiparar a ele quando se tratava de escrever sobre coisas simples. "Depois de ler até seu conto mais insignificante, todo o resto parece grosseiro, escrito não com uma caneta, mas com um tronco."

Eis dez das leituras obrigatórias deste mestre do conto:

  1. O Camaleão (1884)

Um episódio menor ocorre na praça do mercado da cidade “N”: um cachorro morde o dedo do ourives Khriukin. Cria-se então um verdadeiro alvoroço e o inspetor de polícia Otchumelov chega para resolver o problema.

A princípio, o policial grita que o animal deve ser abatido e seu dono multado. Mas, quando ele descobre que o cachorro pertence a um general, sua opinião muda. De repente, Khriukin é o culpado por provocar o animal.

Depois, porém, se revela que o cachorro pode não pertencer ao general. Então deve-se abatê-lo? Mas é do irmão do general? Ai, caramba!

Este é um dos primeiros contos de Tchékhov, lido por todas as crianças em idade escolar, e uma crítica bem-humorada de como as atitudes das pessoas mudam, como a cor de um camaleão, dependendo de com quem estão lidando: um funcionário de alto escalão ou um zé ninguém.

A história está no volume "Contos e Novelas" de Tchékhov, da editora Raduga.

  1. Vanka (1886)

O menino Vanka, de nove anos, já é aprendiz de sapateiro e não tem pai nem mãe. Na véspera do Natal, quando todos vão à missa, ele pega uma folha de papel amassada e começa a escrever uma carta para o avô.

Nela, o menino conta como o sapateiro o trata mal, como ele come mal e é espancado por qualquer besteira e como os outros aprendizes zombam dele. O menino pede ao avô que o leve embora, prometendo ser obediente e ajudá-lo em tudo. “Quero fugir para a aldeia, mas não tenho botas, tenho medo do frio.”

Você acredita em milagres de Natal? Nem Tchékhov. Sem saber o endereço do avô, o menino escreve no envelope: “Para a aldeia do vovô” (em russo, “na derevniu deduchke”). Esta frase em russo tornou-se expressão corrente, significando um esforço infrutífero para fazer contato com alguém.

O conto faz parte da coletânea "Contos russos juvenis".

  1. Kachtanka (1887)

Um cachorrinho, cruzamento de dachshund com vira-lata, se perde depois que seu dono se embebeda e se afasta. Um estranho que passa tem pena dele, leva-o para casa, alimenta-o e decide ficar com ele, dando-lhe o nome de Kashtanka (em português, “castanha”).

Mas o novo dono acaba é um artista circense e inclui o cão em seu espetáculo. Durante sua estreia, alguém chama o cãozinho pelo antigo nome: seu ex-dono está na plateia!

Tchékhov humaniza o cão e seus pensamentos, dotando-o de sentimentos e um senso de lealdade que envergonha os humanos. Ele é apegado ao seu antigo dono e, mesmo tendo encontrado um lar mais amoroso, fica triste e lembra com carinho do tormento que sofreu nas mãos de seu filho.

Ele nunca vai trocar seu dono por calor, conforto e emoções circenses. Assim, quando o dono o chama pelo nome, corre imediatamente para ele.

“Kachtanka” foi publicado em uma edição separada da finada editora Cosac Naify e também em outras coletâneas do autor.

  1. O Estudante (1894)

Quando um estudante da Academia de Teologia está voltando para casa, começa a fazer um frio abrupto e um vento forte. De mau humor, o moço começa a imaginar como o vento deve ter soprado na época de Rurik e de Pedro, o Grande, e como sopra, há mil anos, tempo em que nada mudou: a mesma pobreza, a mesma saudade e a mesma ignorância reinam.

No caminho, o estudante encontra duas camponesas viúvas de sua aldeia: mãe e filha. Por tédio, ele começa a recontar a história bíblica da negação de Cristo por Pedro e sugere que deve ter sido uma noite igualmente fria e terrível. A mãe chora com suas palavras e o estudante percebe que ela realmente simpatiza com a angústia de Pedro, e sente a história, mesmo após tantos séculos…

No decorrer deste conto curto, o estudante passa por uma transformação incrível. A leitura do Evangelho e dos livros clericais é enfadonha para ele, e é somente conhecendo pessoas reais e entendendo suas experiências que a vida faz sentido para ele.

É possível ler “O estudante” on-line gratuitamente em tradução de Diego Moschkovich na revista da USP “Cadernos de Literatura em Tradução”.

  1. A casa de mezanino (1896)

Este conto é narrado a partir do ponto de vista de um artista que leva uma vida ociosa, cujos únicos interesses são caminhar e beber chá. Certo dia, ele conhece uma viúva com duas filhas, que moram ao lado de uma casa com mezanino.

A irmã mais nova, jovem e sonhadora, admira as pinturas do artista e ele se apaixona por ela. A irmã mais velha é o oposto completo dela: é muito esforçada, trabalha em uma escola, ensina os filhos dos camponeses, tenta montar um centro médico para camponeses... Sua própria energia irrita o artista.

No conto, duas naturezas se chocam. De um lado, há uma pessoa ativa e de mente aberta que considera importante ajudar as pessoas, mesmo com pequenas coisas (algo em que o próprio Tchékhov acreditava: ele era médico e tratava camponeses doentes gratuitamente em sua propriedade). Do outro, há o tipo filósofo, que acredita ser necessária uma mudança global e que, até lá, nada vale a pena.

“A casa de mezanino” foi publicada em português na coletânea “O violino de Rothschild e outros contos”, da editora Veredas.

  1. Iônitch (1898)

Um jovem médico, Dmítri Iônovitch (abreviado como “Iônitch”), chega a uma cidade da província com uma nobre missão: tratar camponeses quase de graça. Seu único entretenimento é visitar a família Turkin à noite. Eles fazem apresentações e sua filha Kátia toca piano. O médico se apaixona e a pede em casamento, mas ela o rejeita porque aspira a um "objetivo mais alto e brilhante".

Com o passar dos anos, o médico engorda e fica mais “pé no chão”. As atuações caseiras dos Turkin não lhe interessam mais, ao contrário do dinheiro e do conforto doméstico... Ele deixa de passear e começa a andar a cavalo (esse detalhe é muito importante para Tchékhov). O que acontecerá quando ele encontrar sua Kátia novamente?

Aqui, Tchékhov trata de seu tema favorito: como as pessoas sonhadoras se transformam em filisteus, como são consumidas pela vida cotidiana.

O conto está na coletânea “O assassinato e outras histórias”, da editora Cosac Naify.

  1. Homem num Estojo (1898)

Mesmo quando faz calor, Belikov usa casaco e carrega um guarda-chuva em um estojo. Na verdade, todos os seus bens têm um estojo. Ele esconde o rosto atrás do colarinho. Desconfiado e paranoico, ele anseia por ordem e limpeza em tudo. Somente em seu caixão ele tem uma expressão quase alegre no rosto: “Finalmente, colocaram-no em um estojo do qual ele nunca mais sairá”.

Tchékhov retrata uma figura solitária que procura se retirar do mundo e ficar em sua própria concha. Sua vida é invisível, tão vazia e sem sentido que ninguém derrama uma lágrima quando ele morre...

Em russo, a frase “homem num estojo” tornou-se uma expressão idiomática com conotação negativa, e se refere a pessoas que têm medo de se abrir para o mundo e perdem muitas oportunidades por nunca sairem de sua zona de conforto.

O conto se encontra na coletânea "A dama do cachorrinho e outras histórias", da editora 34.

  1. Groselhas (1898)

O protagonista deste conto, um funcionário do governo, sonha em morar fora da cidade e comprar uma propriedade — onde certamente haverá um arbusto de groselha. Ele economiza até o último centavo e chega a se casar por dinheiro, mas sua sovinice leva sua mulher definhar e morrer. Anos depois, seu sonho finalmente se torna realidade: nosso herói se torna um cavalheiro do interior com uma propriedade, onde come groselhas com avidez.

A história está ligada a “O homem no estojo” através do narrador e do tema geral do egocentrismo excessivo, e constitui um importante relato sobre a natureza da felicidade humana.

  1. Queridinha (1898)

Olenka é tão mansa que todos a chamam de “duchetchka” (“queridinha”). Ela está totalmente absorta nos assuntos e preocupações de seus maridos (que morrem ou desaparecem em rápida sucessão): um empresário de teatro, um madeireiro, um veterinário... Ela não é só uma esposa dedicada, mas também uma assistente competente: até mesmo seu vocabulário muda dependendo dos interesses de seu cônjuge.

Esta é uma das obras mais importantes sobre o papel da mulher e a subserviência feminina. Na Rússia do final do século 19, as mulheres não eram mais vistas só como mães e esposas: a sociedade exigia que fossem educadas, trabalhassem e contribuíssem para a ordem social. Tchékhov contempla esse novo papel, sem dar um veredito.

O conto se encontra na coletânea "A dama do cachorrinho e outras histórias", da editora 34.

  1. A dama do cachorrinho (1899)

Duas pessoas casadas e que são infelizes na vida conjugal se encontram em férias na Crimeia e iniciam um romance. Quando chega a hora de partir, elas voltam para suas famílias, mas continuam ansiando uma pelo outra. Percebendo que encontraram o amor verdadeiro, começaram a se encontrar em segredo e a sonhar com um futuro juntos…

Esta história foi filmada várias vezes, oferecendo amplo espaço para interpretação. Tchékhov mais uma vez escreve não sobre indivíduos que buscam a felicidade e lutam por ela, mas sobre se render ao fluxo inexorável da vida.

O conto se encontra na coletânea "A dama do cachorrinho e outras histórias", da editora 34.

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