5 lugares sagrados na mitologia eslava

Russia Beyond (Ivan Bilibin, Nikolai Rerikh / Domínio Público)
Atravessar um riacho em chamas, lutar contra um dragão, encontrar a cidade de Atlântida russa: os eslavos tinham de tudo em sua mitologia ancestral. Hoje em dia, porém, tudo o que nos resta são os nomes desses lugares sagrados...

1. Cidade de Kítej

Ilustração de Kítej por Konstantín Gorbatov, 1913.

A lenda:

Esta cidade sagrada não pode ser vista por humanos. Somente em um clima calmo, alguém com alma e mente puras pode ouvir sinos e pessoas cantando sob as águas do lago Svetloiar, na região de Nízhni Nôvgorod.

Segundo a lenda de Kítej, a cidade foi construída pelo Santo Príncipe Iúri (Gueórgui) 2°, da cidade de Vladímir, no século 12. “Com paredes de pedra branca, igrejas com cúpulas douradas, mosteiros sagrados, ‘terems’ (casas separadas para as mulheres nobres) com padrões opulentos, câmaras boiardas de pedra e casas feitas com pinheiros antigos”, descreveu a lendária cidade de Kítej o escritor russo do século 19 Pável Melnikov-Petcherski.

Ele ainda escreveu que, quando Batu Khan atacou as terras russas, tomaria Kítej, “queimaria a cidade, mataria e escravizaria seus homens e tomaria suas esposas e filhas como concubinas”. Quando o exército de Batu alcançou Kítej, não havia nenhuma defesa - nem mesmo muralhas na cidade. Porém, seus cidadãos oravam, com todo o coração, e as águas do lago subiram, escondendo Kítej do inimigo e do mundo em geral. A partir de então, apenas os cristãos que acreditam de todo o coração são capazes de ver o reflexo da cidade nas águas do lago Svetloiar, que também foi apelidado de "Atlântida russa" devido à lenda.

O que há por trás da lenda:

Esta lenda não é muito antiga: foi criada, provavelmente, em torno do século 17 pelos chamados “Velhos Crentes”. Eles partiram a Svetloiar provenientes de diferentes regiões, fugindo das perseguições da Igreja Ortodoxa Russa após as reformas de Nikon. Em Svetloiar, a população local fazia celebrações pagãs que os Velhos Crentes consideravam pecaminosas e profanas. Por isso, eles criaram a lenda da cidade sagrada de Kítej, que ficava sob as águas do lago, para evitar que os moradores locais celebrassem seus rituais pagãos ali.

2. Lukomórie

Contos de Púchkin.

A lenda:

A palavra Lukomórie significa “borda do mundo” e pode ser traduzida ao pé da letra como “linha costeira curva”, uma linha que se assemelha a um arco. O linguista e etnógrafo russo Fiódor Buslaev escreve que Lukomórie é um lugar sagrado na periferia do universo onde fica a Árvore do Mundo ou o eixo do mundo. Suas raízes ficam no mundo subterrâneo, seus galhos tocam o céu e os deuses sobem e descem da árvore.

O que há por trás da lenda:

O Lukomórie ficou extremamente popular na Rússia deivido à abertura da obra “Ruslan e Liudmila”, do poeta Aleksandr Púchkin: “Em Lukomórie, há um carvalho verde, e amarrado ao carvalho há uma corrente de ouro, e na ponta da corrente, dia e noite, um gato erudito dá a volta repetidas vezes”(tradução livre).

Nos primeiros mapas europeus, o nome “Lucomoria” era atribuído ao Golfo de Ob, uma grande baía do Oceano Ártico. No entanto, nas crônicas russas e na literatura russa incipiente, o nome Lukomórie se refere aos territórios do sul, perto do Mar de Azov e do Mar Negro - para os russos da Idade Média, esse era o verdadeiro limite do mundo, o lugar onde ele acabava.

3. Trideviátoe Tsárstvo (O Reino dos Três Noves)

Contos de Púchkin.

A lenda:

Muitos contos folclóricos russos começam com “Há muito tempo, no reino dos três noves e no país das três dezenas...”. Esse tradicional início significa simplesmente “num lugar muito distante”. Além disso, quando o protagonista de um conto folclórico vai muito longe em suas jornadas, os contos dizem que ele cruzou "três noves de terras".

No entanto, o Reino dos Três Noves, segundo escreveu o folclorista russo Vladímir Propp, era a vida após a morte dos eslavos e, ao mesmo tempo, a terra da fartura.

Ali, cresciam maçãs rejuvenescedoras, corriam nascentes com fluxo de águas vivas e mortas, e viviam serpentes e pássaros míticos. Às vezes, o reino estava localizado no subsolo, mas também podia ficar em uma montanha ou debaixo d’água. No Reino dos Três Noves, o herói podia reabastecer seus recursos da vida real ou ganhar poderes sobrenaturais. O Reino era separado do mundo exterior por uma forte barreira física, como um abismo, uma floresta escura ou um mar sem limites.

O que há por trás da lenda:

Linguistas e filólogos acreditam que a ideia do Reino dos Três Noves venha das crenças eslavas da vida após a morte, muito próximas dos mitos nórdicos de Valhalla, a terra onde os heróis residem eternamente após morrerem gloriosamente em batalha. Ir para o Reino dos Três Noves e retornar à vida dotado de poderes sobrenaturais também nos lembra do mito de Orfeu, que visitou a vida após a morte em busca de sua amada.

A propósito, “os Três Noves” não são um numeral eslavo - a velha matemática russa usava numerais diferentes. “Três noves” é apenas o neologismo de um conto popular — assim como “o país das Três Dezenas”, significa “muito longe”.

4. Rio Smoródina

Iliá Muromets, Nikolai Rerikh, 1910.

Os eslavos imaginaram seu próprio Estige, um rio de fronteira entre a vida e o submundo: na Rússia, esse rio se chamava Smoródina, palavra que pode ser traduzida claramente como "A Fedentina".

O rio é uma “fedentina” porque é feito de um fogo constante e ardente. Smoródina é a fronteira entre o nosso mundo e a vida após a morte, que a alma do homem precisa cruzar para chegar à terra da fartura (provavelmente, O Reino dos Três Noves).

“O rio derretendo é feroz, um rio feroz, o mais irado de todos. Sua primeira gota é como um fogo, outra é uma faísca caindo, e por causa da terceira, a fumaça desce em colunas”, conta a velha “bilina” (conto épico oral) russa intitulada “Dobrinia e a serpente”.

O rio Smoródina tem personalidade: fala com voz humana e tem a alma de uma bela donzela (lembrando também que “rio”, em russo, é uma palavra feminina). Ele permite que os homens bons se superem em troca de palavras afetuosas e reverências profundas, e afoga os que o insultam. A ponte sobre o Smoródina se chama Kalinov, que significa “ponte em brasa”, e é guardada por Zmei Gorínitch, o épico dragão russo.

O que há por trás da lenda:

Nem os historiadores, nem os linguistas conseguem transpor a ideia do Smoródina para o mundo real. Existem dezenas de rios e riachos com esse nome no norte da Rússia, assim como nas terras da antiga Rus de Kiev.

O principal pesquisador da Rússia Medieval, Borís Ribakov, por exemplo, vê uma aproximação entre o rio Smoródina e o Samara, na Ucrânia, um afluente esquerdo do Dnieper. É óbvio que a lenda do rio fronteiriço é tão antiga que é inútil procurar um único e indiscutível “Estige Russo”.

5. Ilha Buian

Ilha Buian.

A Ilha Buian é outro lugar abençoado na mitologia russa, uma ilha encantada que fica em meio a um mar agitado. Ali cresce um carvalho mágico, que esconde em seus galhos a morte de Koschei, o Imortal, rei russo do submundo.

Na Ilha Buian, existe uma pedra mágica chamada Alatir, “o centro do mundo”. Aquele que toca nesta pedra tem todos os seus desejos. As pessoas que vivem na ilha não envelhecem, não há ali inverno e existe comida, bebida e alegria sem fim.

Buian também ganhou popularidade pela pena de Aleksandr Púchkin, com seu "Conto do Tsar Saltan".

O que há por trás da lenda:

Pesquisadores influentes como Borís Uspénski e Vladímir Propp comparam Buian com as Ilhas dos Abençoados, um lugar na extremidade do mundo habitado por heróis e deuses. A ideia desse lugar existia em diferentes mitologias: na grega (Elysium), na céltica (Avalon) e na russa Lukomórie também é relacionada à Ilha Buian. A ilha fica no mar que lava as bordas do mundo, incluindo Lukomórie.

Existem pelo menos duas ilhas Buian reais na Rússia. Uma delas é uma pequena ilha fluvial no rio Don. Outra ilha Buian, fica localizada no Mar de Kara, no Oceano Ártico, e foi assim batizada em homenagem ao mito.

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