‘Um monte de b****!’: Nova escultura no centro de Moscou gera polêmica

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
Vários moscovitas e usuários de internet ficaram chocados com uma nova instalação de arte no centro da cidade: Big Clay No.4 (Argilão N.4, em tradução livre) - uma escultura de 12 metros do famoso artista visual suíço Urs Fischer, que vem sendo comparada a “um monte de bosta” .

Moscou espera há anos pela inauguração do ‘GES-2’, um novo centro de arte patrocinado pelo fundo de arte contemporânea ‘V-A-C’, pertencente ao bilionário russo Leonid Mikhelson. Ele comprou o edifício em 2014, uma estação de energia elétrica extinta no aterro de Bolotnaya, bem no centro de Moscou. A reconstrução foi projetada pelo arquiteto Renzo Piano, responsável pelo Centro Pompidou, em Paris, e de vários museus ao redor do mundo. O projeto foi elogiado pelo prefeito de Moscou, Serguêi Sobiânin, entre outros.

A inauguração foi adiada por mais de um ano devido à pandemia, mas os organizadores, numa aparente tentativa de animar um pouco as coisas, decidiram lembrar a todos da existência do projeto instalando uma escultura temporária de 12 metros no lado repaginado do aterro. O ‘Big Clay No.4’, do artista suíço Urs Fischer, é uma reprodução em grande escala de uma placa de barro amassada pelas mãos do escultor. A instalação provocou imediatamente a ira dos moscovitas, tanto nas ruas como nas redes sociais.

O Big Clay No.4 não agradou

De acordo com especialistas em arte, a escultura simboliza a matéria-prima e tudo o que pode resultar dela no futuro - com ou sem sucesso. Segundo a V-A-C, “replicado em um tamanho massivo, é a matéria-prima logo no início de se parecer com a forma desejada”.

A arte contemporânea é conhecida pela possibilidade de múltiplas interpretações, e os usuários on-line viram o “argilão” como uma peça de experimentação: “Parece simplesmente um monte de merda bastante bagunçado de 12 metros”, escreveu o comediante e apresentador de TV Maksim Galkin em seu Instagram antes da instalação da escultura. 

A maior parte dos comentários partiu de pessoas comuns, mas alguns membros notórios do mundo da arte também se posicionaram. “Moscou agora tem um monte de merda!”, postou a fotógrafa e designer Ekaterina Rozhdestvenskaya. “Vejam, o autor, um certo Fischer, que chamou seu cocô de‘ Big Clay No.4 ’, estava meio que trabalhando o barro em suas mãos, e ele gostou taaaaaaaaaanto [sic] de como saiu! Bem, vocês podem ver o resultado por si mesmos”, escreveu Rozhdestvenskaya no Facebook.

As emoções coletivas de todos os que reclamaram foram resumidas pelo crítico de arquitetura Grigóri Revzin. “Eles mijaram na nossa cabeça! De todos nós! Por quem? E que direito eles tinham? Onde o governo estava olhando?”

Embora considere a escultura banal, Revzin acredita que o escândalo em torno da obra faz parte do objetivo e, sob esse ponto de vista, é um sucesso. 

“Há pouco mais de um século, a arte [de vanguarda] adotou a estratégia de se tornar um tapa na cara do bom gosto da sociedade. Ou seja, começou a provocar deliberadamente a pessoa comum a sentir emoções negativas e a intensidade dessa negatividade tornava ela própria um critério da obra de arte”, afirma.

O burburinho em torno da arte contemporânea é uma parte inseparável da cena, de acordo com especialistas. “Claro, é uma provocação intencional (e bem-sucedida) de Urs Fischer, já está deixando os críticos loucos, o que significa que a estratégia correta foi escolhida”, escreveu o observador de arte Dmítri Pilikin. “O fato de enfurecer tanto o público comum é um dos fatores que contribuem aqui.”

Arte contemporânea na Rússia

Ivan Polissky, que organiza o ‘Arkhstoianie’, um importante festival de land art, acredita que o V-A-C escolheu a estratégia errada. “Você não pode ignorar as pessoas com quem está lidando. Mesmo que ajam de uma certa maneira e precisem discutir sobre tudo, você também precisa delas para encher museus - em vez de promover ideologias antiartísticas.”

O trabalho de Fischer se tornou um teste para a relação da sociedade russa com a arte contemporânea. Antes de ser instalada em Moscou, a escultura esteve em Nova York e Florença, bem ao lado da cópia do David de Michelangelo, e não houve reação assim antes.

A observadora cultural Anna Narinskaia não se surpreende com o fato de os moscovitas terem desaprovado a obra e acredita que ela guarda semelhança com a estátua de Pedro, o Grande, que fica nas proximidades - também uma das esculturas mais odiadas de Moscou. “A escultura se instala silenciosamente entre outros objetos já odiados”, escreveu Narinskaia em um artigo para a Novaya Gazeta.

A discussão em torno da escultura também entrou no discurso de autoridades.

“Qualquer coisa que ofenda a sensibilidade dos moscovitas e visitantes não pode ser exibida”, disse o chefe do Conselho Público do Ministério da Cultura, Mikhail Lermonotov, à agência TASS. Ele prometeu levantar a questão em uma próxima reunião do conselho.

A escultura de argila de Fischer não é um caso isolado de escândalo em torno da arte contemporânea. Com sua longa história de realismo socialista soviético, os russos estão, na maior parte, acostumados apenas com as imagens e os meios de expressão diretos e inequívocos desse estilo: qualquer coisa nova, que exija contextualização e análise mais profunda, geralmente provoca indignação pública. Segundo Rezvin, este parece ser o caso das recentes inaugurações de novas esculturas - como o memorial do Soldado em Rjev, ou o monumento ao criador do AK-47 Mikhail Kalashnikov, entre outros.

Uma das maiores polêmicas dos últimos anos foi a exposição do artista belga Jan Fabre no museu Hermitage. As obras de Fabre já haviam sido expostas no Louvre em Paris, na Bienal de Veneza e em centenas de outras mostras de prestígio internacional. No entanto, os moradores de São Petersburgo ficaram ofendidos pelo museu famoso por suas exibições clássicas repentinamente oferecer ao público “cadáveres de animais” de Fabre.

LEIA TAMBÉM: Os 5 monumentos mais controversos de Moscou