Um dos últimos filmes soviéticos, “Perdidos na Rússia”, de Aleksandr Mitta, chegou às telonas internacionais há exatos 30 anos. Para os espectadores no Ocidente, que até então só conheciam o Gulag por meio de livros e relatos de segunda mão, o filme apresentava uma imagem sombrio de como era na prática o notório sistema soviético de represálias políticas.
O enredo
O filme conta a história de um arqueólogo britânico chamado Andrew Miller, interpretado por Anthony Andrews, que, no final da Segunda Guerra Mundial, trabalha em uma escavação no norte do Irã. Ao confundirem Miller com um espião norte-americano, agentes da inteligência soviética o sequestram e o levam para Moscou. Em pouco tempo, o britânico é enviado para um campo remoto de trabalho forçado na Sibéria.
Em quartéis penitenciários e condições desumanas, criminosos convivem lado a lado com presos políticos, os chamados “inimigos do povo”, dos quais muitos acabaram ali só porque foram caluniados, disseram mais do que deviam ou ousaram se apaixonar por uma alemã.
Sob constante ameaça de morte, sofrendo tratamento brutal por parte dos guardas, Miller tenta preservar os restos da humanidade e não se transformar em um monstro ou se tornar semelhante aos ladrões e assassinos (ou mesmo aos guardas da prisão) com quem convive.
Uma história pessoal
O diretor, Aleksandr Mitta, é mais conhecido por sucessos cinematográficos soviéticos como “Meu amigo, Kolka!” e “Tripulação”. Baseado nas lembranças dos prisioneiros do Gulag, “Perdidos na Rússia” se tornou uma história pessoal para ele.
“Minha família foi diretamente afetada por tudo”, lembra o diretor. “Minha mãe passou dez anos em campos em Magadan e Kolimá, e alguns dos homens de nossa família foram baleados, mas meu pai conseguiu evitar a prisão. Embora, por muitos anos, tenha estado perigosamente perto disso: ele havia estudado nos EUA a arte do revestimento de metal e poderia ter sido facilmente jogado na prisão sob acusação de espionagem, como era comum.”
Por meio da personagem da menina Lilka, que mora perto do campo e cuida de seu pai gravemente doente, Mitta retratou sua esposa. Lilia Maiorova, também com 10 anos, teve que se tornar a principal fonte de renda da família, vendendo tortas no mercado.
Esquecido na Rússia
O cinema soviético começou a explorar sutilmente a realidade nos campos do Gulag e repressões políticas nos últimos anos antes do colapso do sistema. Na popular série de TV “Longa Estrada nas Dunas”, de 1980, os telespectadores viram pela primeira vez os campos especiais na Sibéria onde moravam letões exilados – tanto os culpados por colaborar com alemães durante a Segunda Guerra Mundial quanto os injustamente condenados.
No entanto, foi “Perdidos na Rússia” que se tornou o primeiro (e o último) filme soviético a mostrar os horrores do sistema Gulag com maior franqueza. Acontece que, em 1991, a URSS entrou em colapso e as pessoas não tinham como se preocupar com cinema. Ninguém na Rússia viu o filme. Já no Ocidente, o filme de Aleksandr Mitta foi recebido com muito interesse. Na Grã-Bretanha, o longa foi reconhecido como o filme em língua estrangeira do ano, e nos EUA foi indicado ao Globo de Ouro na mesma categoria (no final, o prêmio acabou indo para a produção germano-polonesa-francesa, “Europa Europa”).
“‘Perdidos na Rússia’ pode não se encaixar no modelo de aceitação comercial padrão para alguns distribuidores de filmes americanos. O que tem a seu favor, além de uma história forte com um protagonista ocidental convincente, é sua própria bravura, atualidade e verdade – uma história sobre a perda da liberdade e o vazio desesperador da vida sem liberdade”, escreveu o jornal “Los Angeles Times” sobre o filme em 1991.
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