As 5 ‘Bíblias’ da propaganda soviética

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
Estes livros de ficção não apenas foram publicados em tiragens colossais, de milhões de exemplares, como também vertidos para as mais diversas línguas e distribuídos ao mundo inteiro a partir da URSS. Eis as “Bíblias” do homus sovieticus!

As instituições culturais da URSS eram totalmente subordinadas ao Estado, que se encarregava de decidir quais filmes, livros e obras musicais veriam a luz do dia (e as tipografias oficiais). Os escritores (e seus editores) tinham que incutir nos leitores determinados valores, considerados "corretos": amor ao trabalho e à pátria, heroísmo, sacrifício próprio e igualdade.

Quem cumpria devidamente com esses parâmetros era recompensado ​​com enormes tiragens. Aqui estão alguns dos livros que todos os estudantes escolares soviéticos tinham que ler:

1. ‘A Mãe’, de Maksím Górki (1906)

Górki era um verdadeiro superstar na URSS e ocupava uma posição especial na sociedade. O partido o recompensou com a bela mansão Riabuchinski, no centro de Moscou, e o autorizava a gozar de longos períodos na Itália em prol de sua saúde. Ele era um dos favoritos de Stálin e foi propagandista pioneiro da primeira revolução russa, de 1905 (historicamente, elas foram três, contando a de fevereiro e a de outubro de 1917), que retratou em muitos de seus escritos.

A novela “A Mãe” se passa nos anos 1900 pré-revolucionários: o jovem proletário Pável Vlasov reúne em casa um círculo secreto de camaradas que pensam da mesma forma e discutem a situação dos operários, fazendo campanha por seus direitos.

Apesar de a mãe de Pável estar preocupada com a possibilidade do filho ser preso, ela sente orgulho dele. Quando Pável acaba preso, a mãe passa a distribuir panfletos, fazendo agitação em nome do filho. O final do livro é comovente: a polícia prende a mãe, mas ela continua reproduzindo, de maneira heroica, os lemas do filho.

Górki faz uma comparação óbvia de Pável com Jesus Cristo, de seus companheiros de armas com os apóstolos, e de sua mãe com a Virgem Maria. Tais analogias eram adequadas ao governo soviético, que negava a existência de Deus, mas criava seu próprio culto com valores enraizados no cristianismo – e Deus substituído como objeto de culto por Lênin.

Os revolucionários eram considerados heróis porque rejeitavam a felicidade e a liberdade pessoal para lutar pelos interesses dos trabalhadores. O romance “A Mãe” foi adaptado várias vezes para as telas e os palcos, e chegou a inspirar até mesmo uma ópera, que foi apresentada no Teatro Bolshoi.

2. ‘Assim foi temperado o aço’, de Nikolai Ostróvski (1930-1934)

Este romance autobiográfico descreve a vida do exemplar homem soviético Pavka Kortchagin e abrange o período de 1918 a 24, quando o protagonista atinge a maioridade. Apesar de expulso da escola, ele trilha seu caminho no mundo, luta na Guerra Civil, une-se à organização da juventude comunista Komsomol e se torna um trabalhador-modelo e membro do partido.

Apaixonado por uma companheira do partido, por força de vontade ele suprime o desejo de estar perto dela. Ele trabalha duro e continua com seus deveres, mesmo depois de adoecer gravemente com tifo. O livro termina nos 24 anos de Pavka – que parecem uma longuíssima vida.

 “A coisa mais preciosa que uma pessoa tem é a vida. Só se vive uma vez e é preciso fazê-lo de forma que não se sinta uma dor excruciante por anos passados ​​sem objetivos”, diz o protagonista. Sua fala entrou para o dia a dia russo-soviético, mas seu significado se perdeu no tempo, já que o autor se referia a uma vida dedicada à "coisa mais incrível do mundo: a luta pela libertação da humanidade".

O verdadeiro protagonista do romance é o próprio autor, já que Ostróvski escreveu o livro quando estava gravemente doente e quase cego. Sem poder usar as mãos por longos períodos, ele ditou grande parte da obra. A editora inicialmente criticou o manuscrito, mas a liderança do partido interveio e o livro foi publicado.

Durante a existência da URSS, foram publicadas 36 milhões de cópias do romance (em diversas edições). Ele foi traduzido para todas as línguas da União Soviética e adaptado ao cinema muitas vezes. O nome do protagonista Pavka Kortchagin e da novela são muito conhecidos no país até hoje.

  1. ‘Terras Desbravadas’, de Mikhaíl Chôlokhov, (1932-1959)

Chôlokhov já era incrivelmente famoso graças à obra anterior a essa, o romance épico sobre a Guerra Civil Russa intitulado “O Don Silencioso”.

Em “Terras Desbravadas”, o escritor descreve a coletivização na região do Don quase em tempo real: ele mostra como as fazendas coletivas apareceram, como os camponeses foram forçados a fazer parte delas, como os kulaks (camponeses mais abastados, geralmente não ricos, mas proprietários de suas terras) foram desapropriados, como o gado e os grãos foram tomados.

Inicialmente, o romance se chamava “Com suor e sangue”, e retratava como era difícil levar as pessoas às fazendas coletivas e forçá-las a trabalhar pelo bem comum. Chôlokhov mostra o dilema enfrentado por pessoas comuns: as que amam Stálin e apoiam o regime soviético, mas ficam indignadas com as ações das autoridades locais.

Chôlokhov também descreve a forte impressão causada no campesinato pelo artigo de Stálin "Com a cabeça girando pelo sucesso", no qual o líder soviético instrui as autoridades locais a não se renderem a extremos e a não forçar a coletivização.

O romance não traz tentativas de representar todos os trabalhadores políticos soviéticos e membros do partido como heróis. Eles são pessoas comuns, indecisas e cheias de dúvidas. Mas existe um personagem que é o vilão da história: o ex-membro do Exército Branco pró-tsarismo que incita o povo à rebelião e desobediência. E é ele quem acaba matando os personagens-chaves do romance, com os quais os leitores mais simpatizam.

4. ‘Vassíli Tiôrkin’, de Aleksandr Tvardóvski, 1945

Vassíli Tiôrkin é um poema sobre as dificuldades da vida na frente de batalha, uma reminiscência de épicos populares e contos de fadas russos. Tvardóvski foi correspondente na Segunda Guerra Mundial, e esta obra descreve muitas cenas que ele testemunhou pessoalmente. O herói que rende nome à obra é um tipo generalizado: alegre e desordeiro, ele também é um soldado-modelo e herói da Segunda Guerra Mundial. Essa imagem tornou-se um padrão no cinema soviético.

Apesar de o partido ter aprovado o poema, seu texto foi reduzido e considerado pouco ideológico e excessivamente pessimista. O poema fez um sucesso enorme, mas, curiosamente, Tvardóvski não fazia menção ao partido ou mesmo a Stálin (algo impensável para obras militares que popularizavam o principal lema da propaganda da época: "Pela pátria, por Stálin!").

Em 1954, Tvardóvski escreveu uma segunda parte do poema, intitulada “Tiôrkin no além”. Mas ela não conseguiu aprovação dos censores devido ao seu evidente anti-stalinismo. Por outro lado, ela encontrou utilidade durante a desmistificação do culto à personalidade de Stálin, após o discurso de Khruschov em 1956, e obteve enorme sucesso, assim como a primeira parte, quando foi finalmente publicada em 1963.

5. ‘A Jovem Guarda’, de Aleksandr Fadéiev (1946)

Aleksandr Fadeiev chefiou a União dos Escritores da URSS por muitos anos como um dos principais ideólogos e propagandistas literários do país. Foi justamente ele quem censurou e apreendeu manuscritos de romances, além de incentivar a perseguição e proibição de escritores intimidados como Mikhaíl Zôschenko, Anna Akhmátova e Andrêi Platônov.

Seu romance mais famoso, “A Jovem Guarda”, é baseado em acontecimentos reais e conta sobre as atividades da organização juvenil clandestina e antifascista homônima durante a Segunda Guerra Mundial. O enredo trata de um grupo de jovens partidários que tentam combater os alemães por conta própria e acabam pegos, mas não traem seus companheiros, mesmo sob tortura.

O romance foi considerado um trabalho exemplar de literatura infanto-juvenil e entrou para o currículo escolar obrigatório. Foram publicadas nada menos que 26 milhões de cópias de “A Jovem Guarda”.

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