Parecendo nos olhar fixamente e, por vezes, de maneira irritante, tendo atrás de si um pano de fundo claro, os fotografados por Nathan Farb nos desafiam a encontrar seu olhar e a deixar a individualidade falar por si.
Na maior parte das vezes, eles não sorriem mas por meio do intrincado detalhe e diversidade da fotografia, o espectador é forçado a confrontar e reconsiderar quaisquer imagens preconcebidas da URSS que possa ter, chegando até mesmo a trazer à tona os sentidos de estilo e autoconsciência que normalmente se acreditava serem fenômenos ocidentais.
Foi difícil entrar na URSS?
Eu estava na Romênia no final dos anos 1960, por isso já tinha tido um pouco de experiência fotografando em um país do Bloco do Leste. Acabei ali em um intercâmbio cultural entre os soviéticos e os EUA (não sei o que os EUA receberam em troca, espero que tenha sido algo melhor, como por exemplo os dançarinos do Bolshoi). Houve um grande espetáculo de fotografia norte-americana que tinha de tudo, de Ansel Adams às fotografias de astronautas.
Eu acho que eles estavam testando a mostra para ver como ela funcionar em outros países do bloco soviético. De qualquer forma, fui escolhido para ser um dos fotógrafos. Primeiro fui para a Romênia e, depois, para Novossibírsk. Eu não queria ir a Moscou ou Leningrado: estava mais interessado no meio do país, a "Rússia de verdade" ou o proletariado.
Meu trabalho era ser um apresentador profissional do show, conversando com grupos de fotografia e fotógrafos profissionais. Mas achei isso tudo muito chato e comecei a tirar fotos de pessoas usando filme Polaroid com um positivo e um negativo. Assim, eu sempre conseguia dar às pessoas uma imagem, e aí eu tinha um negativo para contrabandear para fora da União Soviética. Eu acho que nem os russos, nem os americanos entendiam o que eu estava fazendo.
O que mais te impressionou quando você chegou a Novossibírsk?
Eu saía para a rua e as pessoas começavam imediatamente a me fazer perguntas. Eles falavam comigo em russo, e eu achava isso muito engraçado. Eu achava que era óbvio que eu era estrangeiro porque tinha um relógio digital norte-americano novo.
Então comecei a conhecer pessoas no estúdio e vi que elas eram, de certa forma, surpreendentemente semelhantes às pessoas nos EUA. Mais do que eu sentia, por exemplo, na Inglaterra ou na França, que têm uma estrutura de classes mais rígida.
Algumas das pessoas nas fotos eram realmente muito estilosas. Algumas me lembravam um pouco os hippies. Você nota alguma tendência que bata com as do Ocidente?
Eu acho que sua moda veio, na maior parte, do Ocidente. Algumas das jovens faziam as próprias roupas baseadas no que tinham visto nas revistas. Eu mostrei essas fotos para uma mulher nos EUA que cresceu em Novossibírsk e ela começou a dizer: “Este é um corte de tecido muito específico da Sibéria. Esta é uma árvore silvestre e uma baga que cresce só na Sibéria”.
Então isto era algo completamente local, mas uma mulher muito elegante estava usando. Eu adorei porque aquilo tudo chegava a parecer quase um choque de coisas e agressivo. Ou seja, dava para saber que havia um pouco da cultura local infundido naquilo, era bem diferente de tudo o que eu tinha visto no Ocidente.
E as pessoas que usavam roupas de trabalho? Eles eram somente menos autoconscientes ou eles se esforçavam para parecer heróis da classe trabalhadora?
Eu acho que eles provavelmente tinham menos roupas boas. Acho que algumas pessoas foram trazidas diretamente de fazendas coletivas. A mulher gorda com os dentes obturados [na foto principal desta matéria] foi trazida de uma fazenda coletiva, e eu duvido que ela tivesse roupas muito melhores que aquelas.
Uma garota entrou e fiz um close-up da cabeça dela. Era muito bonita, tinha cabelos escuros, olhos muito penetrantes, talvez fosse adolescente. Ela veio junto com as pessoas da mesma fazenda coletiva e tinha palha no cabelo.
Ela era tão bonita e tão marcante, que eu pensei comigo mesmo depois: “esta é a garota que eles escolheriam para se sentar em um trator”. [Se fossem eles fotografando], colocariam um lenço na cabeça dela e esta seria a foto feita pelos russos.
E a foto dos membros do partido?
Eles ficaram sabendo que eu estava indo para a mostra, e eu conhecia alguns deles, que estavam responsáveis por nós, os norte-americanos. Fiquei amigo de um deles porque ele tinha uma filha adolescente – e eu tinha uma filha adolescente na época - e nós só conversávamos sobre como era isso. Não importa onde você esteja, tudo é muito parecido.
Ouvi dizer que eles estavam chegando e fiquei muito animado. Eu queria atrai-los, fazer o retrato e tirá-los de lá. Eu não queria que eles soubessem o que eu estava fazendo [contrabandeando negativos para levar consigo]. Mas eu sabia que tinha conseguido uma ótima foto quando a fiz.
Você tem alguma foto favorita?
É difícil dizer. Certamente a foto dos “chefes do partido” foi muito usada. Às vezes, você sabe que a foto é especial. E tem também uma mulher loira que tem características muito escandinavas, é só um close-up. Mas ela é realmente uma dos minhas favoritas também. Não é um olhar triste, mas é muito pensativo.
Eu acho que minha favorita é a do garoto usando roupas grandes demais e óculos escuros.
Bom, tenho que te contar, tem uma história ali. Aquele garoto era muito comum, nos EUA nós o chamaríamos de "garoto que come pão branco". A mãe dele me pediu todos os dias, durante uma semana, para fotografá-lo. Eu disse não para ela por muitos dias seguidos e, finalmente, só para ela parar de vir, disse que sim.
Então ela o trouxe ao estúdio, colocou os óculos nele - eram óculos dela - a capa de chuva dela. Eu pensei: "Ela está criando completamente uma foto para mim". Foi algo como uma paródia do que os norte-americanos pensavam sobre o visual das pessoas soviéticas.
O que você mais queria com essas fotos?
Eu queria trazer de volta comigo aos EUA algo tão próximo da realidade quanto o que eu mesmo vi, a ponto de ser possível ver exatamente como eram as roupas das pessoas. Quando você olha para essas pessoas, é como se estivesse bem na frente delas.
Mas não era só isso: eu também estava tentando fazer fotografias sobre a condição humana, sobre as pessoas aguentando a vida e sobre as pessoas normalmente são. Eu não acho que sejamos tão diferentes assim...
Você acha que estas fotos voltam a ganhar relevância na atualidade?
Isso está além de mim. Mas acho que sim, porque uma equipe de cinema alemã está me levando para Novossibírsk em dezembro para fazer uma reprise. Acho que sempre que as pessoas estão prestes a matar umas as outras, tem alguma relevância tentar ajudá-las a se entenderem. Isto eu acho que nunca muda.
Eu só sentia que queria trazer para fora algo que fosse real. É difícil dizer de maneira precisa, só real: sem propaganda, sem política. Eu acho que as fotografias cumpriram este propósito naqueles dias.
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