Petruchévskaia, a 'escritora dos demônios', completa 80 anos

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
Célebre por sua obra cheia de histórias assustadoras, a escritora, que veio ao Brasil em fevereiro para lançar seu primeiro livro no país, faz aniversário neste domingo (26).

O jornal britânico Finantial Times já a apelidou de “última escritora da Rússia”, enquanto o The New York Times Book Review a considera “uma das melhores e mais amadas escritoras contemporâneas da Rússia”. Escritora, dramaturga, poeta, pintora e cantora – seus talentos são incontáveis – Liudmila Petruchévskaia celebra seus 80 anos neste sábado (26).

Apesar de célebre por suas histórias de terror, sua obra é variada. Um de seus livros premiados, por exemplo, é “Málenkaia dévotchka iz Metropólia” (em inglês, publicado sob o título “The Girl from the Metropol Hotel”), de 2006. O romance trata de sua infância soviética e a dura vida do pós-guerra.

A poesia e a prosa de Petruchévskaia elevam nossos pensamentos e emoções mais básicos com certa sordidez e insanidade. Um exemplo disto é o romance “Vrêmia nôtch” (de 1992, publicado em inglês como “The time: night”), em que os cuidados sufocantes de uma mãe em relação a seus filhos adultos os retardam e enfurecem, além de parecerem desnecessários e até irracionais.

Outras histórias suas são assustadoras. Certa vez, um editor lhe pediu que intitulasse um livro com algo provocante, algo como “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha”, apesar de o conteúdo da coletânea de contos não ter nada a ver com isso.

Mas ela achou a ideia engraçada e resolveu batizar o volume com aquele mesmo título – que rendeu uma série de outros títulos seguindo a mesma linha nas estantes das livrarias russas. Este, por enquanto, é o único livro de Petruchévskaia no Brasil, e a autora esteve no país para lançá-lo com “pocket shows” esquisitões vestida a la cabaré, mas entoando canções, como “Besame mucho”, mais ao estilo karaokê caseiro mesmo.

Quanto à carreira de escritora, porém, Petruchévskaia não analisa demais suas intenções. “Minhas histórias são um espelho. As pessoas se veem nele. Se elas veem o mal, significa que elas são más. Se elas veem o bem, significa que são boas”, disse em entrevista.

Cabaret Noir

As peças de Petruchévskaia são encenadas nos principais teatros de Moscou (veja aqui sua apresentação no Teatro Maiakóvski em seu aniversário de 75 anos), e seu projeto musical experimental “Cabaret Noir” lotou diversas casas de shows russas na última década.

Ela apresenta material próprio com uma banda ao vivo, e suas canções são em parte humorísticas, em parte satíricas, e têm as letras cantadas sob músicas conhecidas.

O “Cabaret Noir”’ ilustra o completo “paradosk” (como ela chama) de sua personagem. Suas músicas animadas fazem chacota da banda e são entremeadas com histórias curtas de sua autoria sobre a morte, ou, mais especificamente, como os reinos da vida e da morte fazem fronteira.

A discrepância entre o conteúdo e o estilo de sua apresentação leva à audiência às gargalhadas. Seu conto de fadas desvirtuado sobre uma garota que se perde na floresta e é separada dos pais por muitos anos é lido com um sorriso cristalino.

Outro conto, sobre um gato de rua que é adotado e levado para casa, onde defeca por tudo e deixa o dono acordado noites a fio, tem estilo próximo ao de um suspense intenso.

Brincadeiras com a língua

Neta de um filólogo renomado, Petruchévskaia também usou a pena para experimentar em contos linguísticos com a série “Puski Biatie”. As histórias maravilhosas são contadas em um vocabulário totalmente inventado, apesar de ainda compreensível ao russófono em som e estrutura.

Os personagens principais, Puski, Kalucha e os Kaluchettes, foram mais tarde levados a um filme de animação.

Realidade obscura na animação

Petruchévskaia tem uma longa amizade com o célebre animador Iúri Norstein, criador de um clássico cult da animação soviética, “O porco-espinho no nevoeiro”.

Ela chegou até mesmo a escrever um roteiro para “Ckázka ckázok” (“O conto dos contos”), que foi eleito o “Melhor filme de animação de todas as nações e tempos” em uma enquete internacional organizada pela Academia de Artes Cinematográficas junto ao ASIFA-Hollywood, em 1984.

O filme está longe de ser infantil. Ele é, na realidade, uma coleção individual de alusões à história russa em que experiências muito pessoais se misturam às memórias da Segunda Guerra Mundial, junto a imagens muito profundas de Picasso e de fábulas russas.

Petruchévskaia escreveu certa vez que Norstein é um gênio e que até em desenhos em que ele tinha papel secundários ela podia ver suas temáticas e personagens  “Mozartísticos”.

Seu uso de narrativas falsamente tomadas por ingênuas, que agem como fábulas, com profundo significado filosófico é um tema contínuo em sua obra.

Em 2002, ela lançou uma trilogia de livros sobre o porquinho Porosiônok Piôtr (em português, Leitão Piôtr) para crianças. Os contos simples fizeram tremendo sucesso na internet, e os adultos passaram a fazer seus próprios desenhos e “fan-fiction” baseados neles, alguns de gosto bastante duvidoso.

Pensam que ela se abalou? A escritora parece ser seguidora do “falem bem ou mal, mas falem de mim”. Sobre o caso, ela comentou: “E daí? Tinha vulgaridade e palavrões? Isto é completamente natural, é uma repaginação folclórica!”.

Petruchévskaia também criou seu próprio gibi ilustrado, em que homens em preto e branco desenvolvem em diálogos engraçados. A sensação porém tem bastante da que gera a natureza dura de sua prosa. O sofrimento diário do cotidiano soviético e o modo como as pessoas lidam umas com as outras (especialmente em casa) inspiram sua genialidade nos quadrinhos, uma mistura lírica de deleite sarcástico e amargo.

Se você estiver na Rússia, o Museu de Arte Moderna tem uma exposição dedicada a Petruchévskaia e o espírito de sua geração. Ela fica em cartaz até 22 de julho de 2018.

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