Os animais do Norte Russo têm chance de sobreviver às mudanças climáticas?

Foto tirada em 31 de outubro de 2018 mostra ursos polares se alimentando em um depósito de lixo no remoto arquipélago de Nova Zembla , no norte da Rússia

Foto tirada em 31 de outubro de 2018 mostra ursos polares se alimentando em um depósito de lixo no remoto arquipélago de Nova Zembla , no norte da Rússia

Alexander GRIR/AFP
Embora praticamente nenhum ser – humano ou não humano – seja intocado pelas mudanças climáticas, os animais selvagens do Ártico russo estão entre os mais vulneráveis.

A Rússia está aquecendo 2,5 vezes mais rápido do que outras partes do nosso planeta, de acordo com o Centro Russo de Pesquisa sobre Hidrometeorologia. Isso está causando o derretimento do permafrost (solo congelado), além de incêndios florestais, inundações e ondas de calor mais frequentes. Os russos estão começando a sentir os efeitos das mudanças climáticas em sua saúde e bem-estar. Mas os animais que vagam pelos vastos territórios da Rússia já sofrem há algum tempo, sobretudo no Ártico, onde a natureza selvagem ainda é abundante – e que está se aquecendo em uma velocidade ainda maior.

Habitats mudando mais rápido do que os animais podem se adaptar

Blocos de gelo na Ilha de Wrangel, Extremo Oriente da Rússia

O padrão geral de impacto é que os habitats mudam mais rápido do que as espécies podem se adaptar a essas mudanças, explica Pável Kulemeev, pesquisador do Parque Nacional da Ilha de Wrangel. Espécies que se adaptaram a sobreviver em condições muito específicas e limitadas não podem suportar grandes flutuações nas condições ambientais (espécies estenobiontes, no vocabulário científico) e, portanto, não serão capazes de se adaptar às condições ambientais mudando em um ritmo tão acelerado.

Além disso, segundo Kulemeev, é importante entender que mudanças climáticas não afetam um organismo individual, mas todo o ecossistema; ou seja, os efeitos das mudanças podem ser indiretos, interrompendo a fonte de alimento do animal, por exemplo.

Não há gelo suficiente para ursos polares e morsas

Grupo de morsas descansando sobre bloco de gelo na Ilha de Wrangel

“Devido ao aquecimento do planeta, muitas espécies estão recuando mais ao norte. Nesse contexto, os animais da tundra e das regiões polares não têm realmente nenhum lugar mais ao norte para recuar. O primeiro a sentir isso é o urso polar, que caça focas no gelo. A área de gelo está diminuindo, o número de focas também está diminuindo e os ursos estão sofrendo – eles estão no topo da cadeia alimentar. Em geral, esses grandes predadores são alguns dos animais mais vulneráveis”, afirma Boris Cheftel, pesquisador sênior do Instituto Severtsov de Ecologia e Evolução da Academia Russa de Ciências.

Urso polar andando em bloco de gelo perto da Ilha de Wrangel

Há alguns meses, viralizou o vídeo de um urso polar à beira da morte vagando por uma paisagem árida e sem gelo em uma última tentativa desesperada de encontrar comida.

Não é tanto a quantidade de gelo que resta durante os meses de verão, mas a velocidade com que o gelo recua em direção ao Polo Norte que causa o problema. 

“Se recua muito rápido, os ursos simplesmente não têm tempo de perceber que é para lá que eles também precisam ir e ficam presos na costa ou, pior ainda, em uma ilha”, explica Aleksêi Kokorin, diretor do Programa Clima e Energia do WWF Rússia, explica.

Urso polar ilhado em um bloco de gelo no Oceano Ártico

Além disso, devido a mudanças na cobertura de gelo, os ursos acabam privados de locais de descanso e obrigados a gastar mais energia enquanto caçam. As fêmeas grávidas têm que percorrer distâncias maiores até suas tocas. Quando se tem degelo, pode ocorrer uma mudança na temperatura da toca, fazendo com que uma mãe ursa com filhotes deixe o local prematuramente e os menores morram de hipotermia.

As morsas também estão desconfortáveis com a quantidade decrescente de gelo, especialmente o gelo que está fixo à terra onde normalmente descansam. Por esta razão, já começaram a mudar a localização de suas colônias – o que significa que pode ser mais difícil para elas encontrarem comida e mais fácil para os ursos polares atacarem seus filhotes.

Ursos vs Humanos: risco de choque

Ursos polares se alimentando em um depósito de lixo no arquipélago de Nova Zembla, em outubro de 2018

Não apenas os ursos são privados de sua principal fonte de alimento quando ficam presos em terra, mas isso também leva à ameaça real de conflito entre humanos e animais selvagens. Quando os ursos não podem caçar no gelo marinho, eles se voltam para terra firme, famintos. E é onde encontram pessoas vivendo. Kokorin relembra, por exemplo, um incidente ocorrido em 2019 em Nova Zembla (arquipélago no Oceano Ártico), quando mais de 50 ursos apareceram em um assentamento militar porque simplesmente não tinham para onde ir.

Nesses casos, os ursos polares “caçam” sobretudo os restos de comida jogados fora pelos humanos, mas em casos mais extremos eles se satisfazem com cães e até humanos. Isso também representa risco direto para o urso, porque provavelmente será baleado por humanos tentando se defender. Incidentes do tipo tornaram-se cada vez mais frequentes nos últimos 15 anos (felizmente, existem “patrulhas de ursos” especialmente designadas na maioria das áreas árticas da Rússia). Kulemeev adverte que, dado o ritmo crescente de desenvolvimento do Ártico, esses eventos se tornarão mais frequentes e, via de regra, são as próprias pessoas que provocam o ataque dos animais ao violarem as regras de segurança existentes.

Por que os filhotes de focas do Mar Branco morrem no primeiro mês de vida?

Focas no gelo do Mar Branco, região de Arkhanguelsk

As focas do Mar Branco também enfrentam uma séria ameaça. Os filhotes geralmente nascem em abril, época em que, normalmente, ainda há gelo e não chove. Mas agora o gelo derrete mais cedo e as chuvas chegam mais cedo também. O primeiro mês de vida dos filhotes é crítico e, embora nasçam com uma pelagem grossa o suficiente para resistir ao frio, ainda não a água. Quando chove, eles têm hipotermia e morrem. À medida que a morte em massa de filhotes de focas se torna mais frequente, há uma chance ainda maior de colapso populacional.

Foca desmamada

Antes das mudanças climáticas, os caçadores furtivos eram o maior dos problemas. Essa questão foi sanada graças a uma queda na demanda por chapéus de pele. Além disso, alguns navios costumavam passar pelo habitat desses animais, mas as autoridades de Arkhanguelsk proibiram o tráfego de embarcações nos locais onde as focas e seus filhotes vivem.

Grama da rena do Ártico enterrada sob o gelo

Rebanho de renas da tundra, Península de Iamal

Em dezembro de 2020, as chuvas de inverno foram seguidas por longos períodos de clima extremamente frio na Península de Iamal, que levaram à morte de milhares de renas do Ártico. O clima incomum – provavelmente ligado às mudanças climáticas – causou a formação de uma espessa camada de gelo, de até três centímetros, sobre o líquen. Com isso, tornou-se praticamente impossível para as renas alcançar a forragem nas pastagens de inverno. 

Os cascos das renas mortas encontradas na região estavam muito desgastados, indicando que os animais tentaram desesperadamente alcançar sua fonte de alimento, porém sem sucesso.

Rebanho de renas do povo de etnia nenets

Os padrões de migração do grande rebanho de Taimir, no extremo norte da Rússia, foram afetados pelo aumento das temperaturas e pela atividade humana. Hoje, as jornadas das renas são mais perigosas, pois elas são obrigadas a nadar em rios que derreteram prematuramente. Muitos dos bezerros, em particular, não conseguem superar as difíceis condições.

Eles sobreviverão?

Ursos Polares: Se animais como o urso polar serão capazes de se adaptar a um ambiente em constante mudança é uma questão que divide os cientistas. Para Kumeleev, como o número de espécies ameaçadas já é baixo (e em alguns casos criticamente baixo), é mais provável que esses animais não consigam se adaptar e venham a desaparecer.

No entanto, segundo Kokorin, mesmo as previsões mais pessimistas dizem que os ursos polares sobreviverão se os humanos usarem todos os meios possíveis para impedi-los de entrar nos assentamentos (por exemplo, não deixando comida no lixo e afugentando-os com tiros altos). Este é, para o especialista, o método de adaptação mais importante às mudanças climáticas. “Seu número provavelmente diminuirá, mas ainda será suficiente para sustentar uma população saudável que trará alegria aos nossos netos e seus filhos”, diz Kokorin.

Morsa perto de Tchukotka

Morsas: Quando o assunto é morsas, deve-se monitorar quaisquer novas colônias, entender quais problemas as morsas podem encontrar no local e tentar desmotivar as morsas (com barulho, por exemplo) de montar colônias em locais onde serão vulneráveis ​​a ataques de ursos polares. Claro que não se deve interferir no ecossistema natural, portanto, isso só deve ser feito quando o número de morsas começar a ficar criticamente baixo.

Rena do Ártico: Provavelmente sobreviverá mudando seus padrões de migração, diz Kokorin. Em alguns lugares, mudarão seus padrões de migração na primavera e no outono, enquanto em outros, onde o clima está mudando mais rápido e radicalmente, os padrões de migração também serão afetados nos invernos. Quando o degelo e o congelamento fora de época ocorrem, as pessoas podem ajudar as renas a romper o gelo usando ferramentas. A WWF Rússia também vem experimentando ajudar bezerros recém-nascidos a atravessar rios.

Focas do Mar Branco: Elas não sobreviverão se as condições climáticas continuarem a mudar, de acordo com Kokorin. A única escolha que terão é se mudar para o Mar de Barents (o que significa que não estarão mais no Mar Branco), ou os seres humanos terão que criar ilhas de gelo artificiais onde possam se acomodar.

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