Muita gente se pergunta por que cachorros continuaram a ser lançados ao espaço mesmo depois do primeiro voo tripulado. Em um banquete, Iúri Gagárin fez a famosa brincadeira: “Ainda não entendo se sou o primeiro homem ou o último cão [no espaço]”. No entanto, a União Soviética continuou a lançar cães ao espaço, mesmo após o voo de Gagárin. Em 22 de fevereiro de 1965, o biossatélite Kosmos-100 foi lançado em órbita com Veterok e Ugoliok a bordo.
Esses dois cães estão certamente entre os caninos mais heroicos da história da exploração espacial. Eles passaram 22 dias no espaço – um recorde absoluto para cães e humanos na época, e que só foi derrotado cinco anos depois, quando os cosmonautas da missão Soyuz-11 ficaram mais duas horas em órbita. O problema é que os dois cães pagaram um preço alto pela conquista.
O primeiro elenco
Cinco dias. Esta era a duração máxima dos voos tripulados até 1965. A humanidade havia desenvolvido capacidade técnica para enviar humanos ao espaço, mas não sabia quanto tempo eles poderiam passar lá sem causar danos a longo prazo à saúde.
A ideia era que em breve os voos espaciais se tornassem mais longos, por isso era necessário avaliar o efeito da gravidade zero e do aumento de radiação no corpo. Decidiu-se, como de costumo, que seriam conduzidos testes – mais uma vez, em cães.
Veterok e Ugoliok foram dois dos mais de cem vira-latas selecionados para o experimento. Os critérios primários eram bastante específicos. Ambos foram recolhidos nas ruas, pois vira-latas eram considerados mais resistentes e inteligentes do que os puros-sangues. Além disso, os candidatos aprovados não podiam pesar mais de 6 quilos e ter mais de 35 cm de altura. Também tinham que ser brancos, pois era a cor que ficava melhor no filme. Depois de enfrentar uma seleção difícil, Veterok e Ugoliok passaram por um verdadeiro teste de sobrevivência.
Rabos cortados
Para realizar a missão espacial, os cachorros tiveram que ser preparados, inclusive fisicamente. Uma das principais questões era como os cães trancados em uma cápsula iriam comer, fazer necessidades e se movimentar. Foi decidido operá-los.
“Ficou decidido que, no espaço, os cães seriam alimentados artificialmente, por meio de uma sonda no estômago. Um alimento homogeneizado especial teve que ser desenvolvido para eles, de modo que entrasse no estômago em porções... A recuperação de informações tinha que ocorrer automaticamente. Tudo isso teve que ser testado na Terra, e mais de uma vez”, lembra Iúri Senkevitch, integrante da equipe que preparou a missão em seu livro “Se as Estrelas Acendessem...”.
Além da sonda no estômago, os cães tiveram cateteres inseridos em suas aortas, eletrodos de ECG subcutâneos, e seus rabos cortados – isto era necessário porque o rabo causava interferência com o sistema de ventilação de exaustão na cápsula espacial. Foi uma operação difícil e perigosa por ser realizada em cães adultos. Veterok e Ugoliok lidaram bem com a situação, mas dois cães da equipe morreram após acordar da anestesia e tirar os curativos. No total, cerca de 100 vira-latas foram operados, mas apenas 30 deles passaram para o teste final.
Dias e dias parados
Depois disso, os candidatos à missão espacial tiveram que ser treinados para ficar em pé e imóveis por um longo período de tempo. O tempo de permanência dentro cápsula foi sendo gradativamente ampliado.
Nesses experimentos, os cães eram fixados em uma determinada posição na qual não podiam se sentar ou deitar; eram deixados em pé, pendurados nas alças costuradas em seus trajes. A partir do 20º dia, o estado mental dos cães começou a apresentar alterações. Quase todos começaram a perder peso e demonstrar apatia. Após 35 a 45 dias, todos os cachorros, independentemente de quão bem treinados fossem, começaram a ganir. Como parte dos preparativos para o voo, foram conduzidos três experimentos, cada um com duração de 50 a 55 dias. Com o tempo, tomou-se a decisão de que a própria missão espacial não deveria durar mais de 20 dias.
Veterok e Ugoliok foram os mais resistentes. Veterok se tornou a cobaia principal e Ugoliok, o controle. “Trabalhamos sem descanso e preparamos um experimento muito complexo em menos de um ano. Veterok e Ugoliok passaram 22 dias no espaço e, apesar da preparação cautelosa, tiveram dificuldades”, disse Senkevitch.
A missão
Os cães foram colocados na espaçonave seis horas antes da decolagem, em duas cápsulas separadas. Além deles, o satélite portava larvas de mosca-das-frutas, bulbos e sementes secas, leveduras, soro sanguíneo e algumas bactérias infectadas com vírus.
A missão correu conforme o planejado. Veterok recebeu um agente antirradiação diretamente na corrente sanguínea, com dois outros cães – um grupo de controle – na Terra mantidos em condições semelhantes; Ugoliok não recebeu o medicamento.
No 21º dia (eles permaneceram no espaço por mais tempo do que o planejado originalmente), o ar dentro da espaçonave começou a se deteriorar e foi decidido trazer o satélite de volta à Terra.
“O satélite pousou em 16 de março e às sete horas da noite os cães já estavam no IPBM (Instituto de Problemas Biomédicos do Ministério da Saúde da URSS). Todos estavam extasiados. As cápsulas foram levadas para a sala de cirurgia, de onde os cães foram retirados. Nossa alegria foi substituída pela dor quando os cães foram despidos das roupas de náilon e vimos que eles estavam sem pelo – apenas o couro, erupções cutâneas e até escaras”, lembrou Elena Iumacheva, funcionária do instituto.
Os cães não conseguiam ficar de pé e estavam muito fracos, desidratados e com o batimento cardíaco acelerado. Mas os canais de TV estatais soviéticos estavam esperando por uma reportagem sobre os cães heroicos, então Veterok e Ugoliok foram levados a um estúdio de televisão naquela mesma noite.
“Os cães foram lavados com desinfetantes, enfaixados e levados para [o centro de TV em] Chabolovka para um programa da Intervision Network às 10 da noite. Foi ao vivo. Fizemos parecer que estavam parados sem ajuda. Sentimos muito por eles, eles não estavam nem reclamando, só lambendo a saliva um do outro”, disse Iumacheva.
Vida longa
Veterok e Ugoliok tiveram uma recuperação rápida. Um mês depois, eles já estavam correndo pelo pátio do instituto. Depois da missão espacial, os dois tiveram uma vida longa e bastante comum no biotério do instituto.
Ugoliok deixou seis filhotes. Já Veterok, fez seu lar sob a mesa de um dos cientistas que o enviaram ao espaço. À medida que envelhecia, começou a perder os dentes por insuficiência de cálcio. Não conseguia mais mastigar, então, nos últimos três anos de vida, os funcionários do instituto o faziam por ele. Veterok morreu aos 12 anos.
O experimento com Veterok e Ugoliok tornou possível a próxima etapa da chamada “corrida lunar” – o voo dos cosmonautas Andrian Nikolaiev e Vitáli Sevastiánov, que durou quase 18 dias.