Simulação da vida no espaço no deserto de Utah, nos EUA, durou 14 dias Foto: arquivo pessoal
“Cara Anastassia, parabéns. Você foi aprovada para a final e, em breve, partirá para a missão intermediária de duas semanas no deserto de Utah.” Foi esta carta que um belo dia recebi da Sociedade Marciana e que mudou a minha vida por completo. Naquele momento, entrei para o projeto Mars One, que oferece a oportunidade de passar por um treinamento intensivo para fazer parte dos primeiros colonos de Marte em 2024. Dos 200 mil participantes de todo o mundo, restam apenas 633 candidatos. A última fase da preparação deverá acontecer na estação de pesquisa do Ártico.
Na infância, sonhamos muitas vezes em fazer coisas grandiosas. Mas, quando crescemos e nos tornamos adultos, começamos a nos esforçar para cumprir as metas impostas pelo mundo exterior, e não pelo nosso interno. Um ano atrás, acordei e percebi que a única maneira de ser feliz seria começando a transformar os meus sonhos em realidade. Sonhei com o cosmos durante 20 anos. Havia concluído a faculdade de jornalismo com especialização em questões espaciais, sob a orientação do cosmonauta Iúri Baturin. Também fui coautora do livro sobre o espaço “Desejo-lhe um bom voo”. Mas, apesar disso, não tomava qualquer iniciativa concretas para realizar o meu sonho.
Em abril de 2013, tudo em mim se rebelava e, finalmente, percebi que era chegada a hora de agir. Por obra do destino, conheci o engenheiro aeroespacial e escritor norte-americano Robert Zubrin. Ele é o fundador da Sociedade Marciana (Mars Society), cuja principal missão é apoiar e promover ativamente as ideias de estudo e colonização de Marte pelo ser humano. Foi justamente Robert que me falou dos dois protótipos de estação de pesquisa marciana: um no deserto do Utah, e outro no Ártico, na ilha de Devon, onde equipes de cientistas, engenheiros e estudantes vivem várias semanas em completa simulação. Eu me candidatei para a missão anual na estação de pesquisa de Marte como escritora e jornalista – e fui selecionada!
Cotidiano simulado
Normalmente, a equipe inteira, composta por seis pessoas, passa 14 dias na estação. Destes, 11 dias são vividos em modo de simulação, ou seja, imitando a vida dos cosmonautas em Marte. Só se pode sair da estação com traje espacial. A comida é toda preparada a partir de alimentos liofilizados e plantas cultivadas em estufa. O consumo de água e eletricidade é controlado, e sair do modo de simulação só é possível em caso de extrema emergência.
No deserto de Utah, o rastro de civilização mais próximo da estação é Hanksville, um pequeno povoado com população de 250 pessoas. O deserto rochoso muda de cor a cada quilômetro que avançamos, desde tons vermelhos e marrons até branco. Ao passar ao lado de rochedos sedimentares, pude me sentir como uma cosmonauta em uma nave sobrevoando a superfície de Marte.
A nossa equipe, que recebeu o número de identificação 143, contava com geólogos, biólogos, engenheiros e físicos de diferentes países. Às sete da manhã, acordávamos e preparávamos o café. Sonolentos, mas inspirados, discutíamos o plano de ação. Normalmente, a nossa ‘atividade extraveicular’ (EVA, na sigla em inglês) começava às 10 da manhã, e a preparação anterior durava 30 minutos. Assim, entre o café da manhã e a simulação de EVA, tínhamos meia hora para checar e-mails, preparar o equipamento e ler o material relevante para a tarefa. Essas atividades, que duravam entre duas e quatro horas, tinham como objetivo efetuar suporte técnico à estação ou conduzir pesquisas geológicas e biológicas.
Evolução pré-espaço
Para sair do perímetro da estação, era preciso vestir o macacão, calçar as botas de caminhada, pegar o fone de ouvido, rádio, mochila com sistema de ventilação, capacete com viseira e, no final, colocar um par de luvas enormes. Todos ajudavam uns aos outros a conectar o tubo de ventilação ao capacete, já que, com o traje espacial de oito quilos, perdemos muita habilidade manual.
O membro da equipe que ficava na estação controlava tudo o que acontecia ‘em Marte’ via rádio, a cada 15 minutos. Todos os dias tínhamos que enviar relatórios ao operador ‘na Terra’: um relatório geológico, biológico, científico, jornalístico, de engenharia e reportagem fotográfica. Depois de todas as obrigações cumpridas, voltávamos para o quentinho dos nossos sacos de dormir ou, caso tivessem sobrado forças, assistíamos a algum filme sobre o espaço.
Para a maioria das pessoas, a noção de que você só pode deixar o local com o traje espacial vestido parecerá uma loucura e um pesadelo. Mas, para nós, estes são os excitantes primeiros passos para a longa viagem rumo ao planeta vermelho. O próprio treinamento em si também é apaixonante. Você se sente como um verdadeiro astronauta ou um superagente. É claro que os nossos macacões estavam longe de ser trajes espaciais. Mas, aos ver as rochosas colinas vermelhas, ao escutar a sua respiração dentro de um capacete e a comunicação via rádio entre os membros da equipe, era possível realmente se sentir em Marte.
Bastaram apenas 10 dias em modo de simulação para esquecer a realidade. Quando saímos da estação, passamos a ver o mundo sob uma perspectiva diferente. Começamos a dar valor às coisas mais simples: pássaros cantando, ar fresco, chuveiros quentes, frutas e legumes frescos. Agora tudo tem um sabor diferente. Cada sorriso, cada pensamento, cada experiência – tudo é importante, e tudo isso nos mudou. O espaço nos torna melhores!
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