Shilka, há meio século vigiando os céus

Shilka é capaz de acertar alvos aéreos voando a 450 metros por segundo Foto: Anatóli Kuziárin/TASS

Shilka é capaz de acertar alvos aéreos voando a 450 metros por segundo Foto: Anatóli Kuziárin/TASS

O termo : defesa aérea” é mais associado a aviões interceptores e sistemas de mísseis e radar do que a tanques eriçados com barris. Mas o Shilka é o sistema de defesa aérea mais próximo das tropas terrestres: seguiu a infantaria motorizada e batalhões de tanques soviéticos e russos pelas cinco décadas em que deixou sua pegada em diversos conflitos mundiais.

Há uma piada no Exército russo que diz que as tropas de defesa aérea são compostas por pilotos fracassados que não gostam de ver mais ninguém voando. Mas nem mesmo essas forças zelosas conseguiam manter o céu totalmente limpo no período pós-guerra.

As armas antiaéreas disponíveis na década de 1950 não garantiam o ataque a alvos em alta velocidade, e, em vez disso, atuavam como um guarda-fogo para afastar os aviões inimigos dos recursos terrestres.

Enquanto isso, baseando-se no know-how alemão capturado em 1945, os Estados Unidos e a União Soviética se ocupavam com o desenvolvimento dos primeiros mísseis antiaéreos. Projetados para atingir alvos em altitudes médias e altas, eles ainda permitiam que aviões inimigos voassem abaixo de 300 metros de altura, com relativa impunidade. Era necessário um novo sistema de artilharia móvel capaz de disparar em movimento.

Os militares americanos ainda estavam usando o M42A1 Duster, um sistema antiaéreo com um canhão de dois barris 40 mm. Também estava em curso o sistema M163 Vulcan de 20 mm, que seria montado sobre um veículo blindado.

A União Soviética também tinha dois sistemas em desenvolvimento simultâneo: um modelo de quatro canos 23 mm e um rival de dois canos 37 mm, nomeados Shilka e Yenisei, em referência aos rios siberianos.

O Shilka ZRK-23-4 venceu a disputa, mas ainda tinha alguns inconvenientes. O calibre da munição usada pelo Yenisei era raro nas forças soviéticas, e o peso de 28 toneladas da arma combinada e transportadora significava que só podia ser usado com unidades de tanques. Outro fator decisivo em favor da Shilka era sua eficiência contra alvos de baixa altitude e curto alcance.

O ZRK-23-4 entrou em serviço em 1962, cinco anos antes do americano Vulcan, e foi uma “verdadeira revolução”, segundo o coronel reformado do Exército soviético Anatóli Diakov. “Embora os oficiais de hoje vejam as unidades autônomas como algo comum, esse sistema representou o auge do projeto de engenharia na década de 1960”, escreveu Diakov em suas memórias.

Disparando 4.000 rotações por minuto, o Shilka pode acertar alvos aéreos voando a 450 metros por segundo em uma escala angular de 2.500 metros ou 2.000 metros na vertical.

Suas armas podem ser avistadas ou identificadas pelo seu radar, que monitora automaticamente alvos e envia dados para o seu computador, gerando coordenadas de disparo. O ângulo de inclinação da arma também é definido automaticamente para compensar qualquer arremesso do veículo quando estiver em movimento.

Embora bem protegido contra interferência, o radar tem um baixo alcance de apenas 6 a 12 milhas, dependendo das condições climáticas. Essa deficiência foi revelada durante as guerras árabe-israelenses de 1960 e 1973. Mas, apesar de as tripulações sírios destreinadas preferissem avistar a arma visualmente, o Shilka foi responsável pelo abate de 16 dos 117 aviões derrubados pelas forças defesa aérea da Síria em 1973 e 1974.

Mesmo já obsoleto em 1990, o Shilka também causou a perda de aeronaves da coalizão ocidental durante a Primeira Guerra do Golfo, forçando os pilotos a agir com cautela em baixas altitudes e a cometer erros.

Mas essa máquina não deixou sua marca apenas contra alvos aéreos. A intensidade de disparo produzida pela versão rebocada da arma foi avaliada pelas forças de guerrilha em todo o mundo. Em 1975, a arma entrou em ação em Angola, quando um punhado de cubanos a usaram para deter o avanço combinado de combatentes da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda) e unidades regulares do Exército Zaire. Após colocar minas pela estrada, eles abriram fogo a partir de posições pré-preparados e exterminaram o comboio inimigo inteiro.

Os soviéticos usaram uma arma semelhante para lidar com emboscadas no Afeganistão. Ao contrário das armas de tanques e veículos blindados, os barris do Shilka podiam ser elevados verticalmente para atingir os combatentes mujahedin no alto de penhascos. Isso originou uma "variante afegã" especial do ZSU-23-4 que não tinha equipamento de radar, de modo a aumentar o armazenamento de munições e a capacidade de disparo para 4.000 rotações por minuto. O Shilka também lutou com efeito devastador nas guerras da Tchetchênia. O ex-chefe do Distrito Militar do Cáucaso do Norte, o tenente-general Vladímir Potapov, observou sua grande eficiência contra fortalezas inimigas e postos de tiro.

“Aperfeiçoada nos conflitos, a tática de usar o Shilka ao enfrentar forte resistência inimiga é destacar o veículo a partir da cobertura traseira, disparar longas rajadas de fogo e imediatamente recuar”, escreveu Potapov, em uma avaliação dos resultados de combate.

Enquanto isso, fraquezas inerentes, como o campo de tiro limitado contra alvos aéreos, poder de munição insuficiente e deficiências do radar foram eliminados em três atualizações ao longo de meio século. Hoje, o Shilka ainda está em serviço em 39 países.

Também foi usado na década de 1980 para desenvolver o sistema de defesa aérea Tunguska, o precursor do contemporâneo Pantsir-S1, que é equipado com mísseis superfície-ar de curto a médio alcance e um sistema de artilharia antiaérea.

 

Aleksandr Korolkov é doutor em Ciências Históricas.

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