É difícil de acreditar hoje que na URSS os geneticistas eram perseguidos desde a década de 1930 Foto: Reuters
O mercado de pesquisa genômica está se desenvolvendo em ritmo acelerado na Rússia. De acordo com dados do laboratório Genotek, o número de pessoas que recorrem aos testes de DNA está crescendo de forma constante, de 10 a 12% por mês. "O mercado está muito aquecido e atualmente uma enorme quantidade de pessoas está trabalhando na obtenção de informação genômica na Rússia", informou à Gazeta Russa Marianna Ivanova, fundadora da empresa de diagnóstico genético Oftalmik.
Para suprir a demanda, uma quantidade cada vez maior de empresas pesquisadoras de DNA está entrando nessa área. No final de setembro, o grupo Atlas Biomed, semelhante à empresa americana de genômica pessoal e biotecnologia 23andMe, irá lançar um novo projeto.
As empresas que oferecem testes de DNA para a pesquisa de predisposição a doenças e genealogia surgiram na Rússia há muito pouco tempo. A Moi Guen (Meu Gene), por exemplo, começou a operar em 2007, dentro da Universidade Estatal de Moscou, oferecendo diagnóstico pré-natal não invasivo de patologia cromossômica fetal. Os representantes da Moi Guen afirmam que a técnica que utilizam foi desenvolvida há apenas dois anos e é usada somente em outros seis laboratórios do mundo, um deles na China e os restantes nos EUA.
Também têm tido sucesso as empresas que oferecem pesquisas especializadas. Por exemplo, em São Petersburgo, a empresa Sequoia Genetics recolheu mais de 1.500 amostras de DNA de pacientes com fibrose cística (doença hereditária caracterizada pelo acúmulo de secreção densa e pegajosa nos pulmões, no trato digestivo e outras áreas do corpo, que pode causar obstrução dos órgãos afetados). Já a Oftalmik, de Moscou, é especializada na realização de testes genéticos em pessoas que sofrem de doenças oculares. Recentemente o grupo farmacêutico internacional Roche também iniciou atividades de pesquisa genômica na Rússia.
Outra empresa que surgiu no mercado russo há alguns anos é a Genotek, que presta serviços de decodificação do genoma. A start-up se inspirou no modelo de negócio da empresa americana 23andMe, criada em 2008 por Linda Avey e Anne Wojcicki, ex-mulher do cofundador do Google Serguêi Brin.
Em 2013, a FDA (Food and Drug Administration), agência que controla a venda de alimentos e remédios nos Estados Unidos, proibiu a venda de kits de testes genéticos pessoais produzidos pela 23andMe.
A FDA ficou preocupada com possíveis erros nos testes, que poderiam prejudicar a saúde dos clientes da empresa. Por isso, a 23andMe deixou de oferecer testes para pesquisar a predisposição a doenças e se concentrou no campo da genealogia.
Anne Wojcicki, naturalmente, não está muito satisfeita com as ações da FDA. “Vejam o que o Genomics Institute está fazendo em Pequim... A Arábia Saudita anunciou a sua intenção de genotipar 100 mil pessoas... O mundo inteiro está se movendo ativamente e nós permanecemos encalhados no mesmo lugar", afirmou em entrevista ao portal de saúde Medscape.
Procura por testes no exterior
Devido ao alto custo dos testes genéticos, na Rússia são mais procuradas as pesquisas direcionadas à predisposição a doenças, mas existem clientes interessados em testes para pesquisas genealógicas. Recentemente, um político russo que não teve o nome revelado fez um teste para saber seu haplogrupo (grupo de haplótipos, que são séries de alelos em lugares específicos de um cromossomo, característicos a um grupo de pessoas com um ancestral comum). "Foi determinado que ele possui ancestrais em comum com Napoleão, Einstein e Hitler. Ele estava orgulhoso disso e declarou aos outros políticos que Napoleão era seu parente”, contou à Gazeta Russa Valeri Ilinski, diretor da empresa Genotek.
De acordo com Marianna Ivanova, da Oftalmik, na Rússia existe todo o equipamento necessário para a correta decodificação do genoma. No centro de biotecnologia da Universidade Estatal de Moscou, por exemplo, opera o supercomputador Lomonosov, que integra a lista dos cem computadores mais potentes do mundo.
Entretanto, os clientes das empresas russas são obrigados a pagar um preço mais alto do que o praticado em outros países por uma pesquisa do genoma. Enquanto nos EUA é possível fazer o teste por US$ 100 a US$ 200 (R$ 229 a R$ 459), na Rússia é necessário desembolsar de US$ 600 a US$ 800 (R$ 1.378 a R$ 1.837). Não surpreende, portanto, o fato de que muitos clientes buscam uma oportunidade de fazer os testes no exterior, mesmo sendo legalmente proibido retirar biomaterial do território da Rússia. As pessoas são obrigadas a inventar diversos truques, e tubos de ensaio com saliva frequentemente são enviados através de amigos e conhecidos que vivem nos EUA ou na Europa.
Ciência proibida
É difícil de acreditar hoje que na URSS os geneticistas eram perseguidos desde a década de 1930. A propaganda oficial afirmava que cidadãos de um país socialista não poderiam ter doenças hereditárias e que as conversas sobre os genes humanos eram a base do racismo e do fascismo. O cientista americano Hermann Muller, vencedor do Prêmio Nobel, escreveu que os geneticistas eram tratados na URSS do mesmo modo que a Inquisição tratou Galileu. O próprio diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS, Trofim Lisenko, liderava a campanha de perseguição dos cientistas.
Muitos geneticistas talentosos foram detidos e morreram na prisão. Nikolai Vavilov, por exemplo, foi acusado de ser um espião inglês e mais tarde morreu de desnutrição na prisão de Saratov. Em 1948, exigiram que Iosif Rappoport, que havia descoberto a mutagênese química, renegasse a teoria cromossômica. Ele se recusou a fazer isso e foi demitido do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS, onde trabalhava. Estudantes de genética que visitavam seus mestres na prisão também eram perseguidos e presos.
Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: