Segurança por trás dos muros do Kremlin

Fortificações dos antigos arquitetos russos ainda são testemunho das grandes guerras do passado Foto: Lori / Legion Media

Fortificações dos antigos arquitetos russos ainda são testemunho das grandes guerras do passado Foto: Lori / Legion Media

Nos tempos medievais, a única forma de manter a segurança nas planícies abertas da Rússia era construindo cidadelas muradas e fortalezas em locais estratégicos. Não só essas fortalezas, ou kremlins, serviam para repelir os inimigos invasores, mas também se tornaram centros comerciais e religiosos.

Desde os tempos remotos, os russos ficaram conhecidos por sua capacidade de construir fortalezas. Como não havia barreiras naturais ao redor da planície russa, seus habitantes tinham que buscar proteção contra um mundo hostil atrás de muros altos. Naquela época, as cidades russas não eram apenas uma concentração de casas como em alguns países europeus.

Eram, contudo, fortalezas, conhecidas como “gorod”, palavra que originalmente significava “terreno cercado”. Os viajantes medievais da Escandinávia ficaram tão impressionados com a abundância de cidades fortificadas na Rússia que eles passaram a chamá-la de Gardariki, isto é, “o país dos castelos”. Antes da invasão mongol no século 13, mais de 400 fortalezas ou kremlins foram construídos na Rússia. A própria palavra Kremlin vem de krepki, que significa “forte”.

A maioria delas eram baluartes de terra com muralhas de madeira de até seis metros de espessura, de onde dezenas de arqueiros podiam disparar contra os inimigos. As torres de controle possuíam catapultas, e outras fortificações incluíam fossos circulares com lanças de madeira para evitar a passagem do inimigo.

 

Na época medieval, proteção era garantida com muros altos Foto: Lori / Legion Media 

A cerca ou paliçada ficava entre o fosso e a parede. As maiores cidades, como Kiev e Vladímir, tinham portarias de pedra, geralmente coroadas com uma pequena igreja, que, além de possuir um significado simbólico, funcionavam também como torre de observação. As principais fortalezas tinham muralhas de pedra.

No século 9, as fortalezas de pedra cercavam Izborsk e Staraia Ladoga, cidades nas fronteiras do noroeste do país que estavam constantemente sob ataque. A mais poderosa de todas era o Kremlin de Pskov (Krom), que, depois de um ataque dos cruzados, tornou-se a primeira fortaleza na Rússia a receber muralhas de pedra em torno de todo o seu perímetro.

No entanto, a maioria das fortalezas eram feitas de madeira e acabaram sendo queimadas pelos mongóis em meados do século 13. A geração seguinte de fortalezas, construídas no século 14, eram de pedra – a primeira delas foi o Kremlin de Moscou, construído com pedra branca em 1360.

Moscou sitiada

Trabalhadores de toda a Rússia foram a Moscou para moldar os blocos de pedra branca das  pedreiras abertas perto da cidade especialmente para a missão. Muralhas com altura de seis metros cercavam uma área de 10 hectares que abrigava toda a cidade, desde torres para os príncipes e igrejas até oficinas, armazéns e casas de cidadãos comuns. A fortaleza possuía seis portões, e dez torres de observação controlavam uma larga faixa do território circundante. Um poço havia sido escavado no porão de uma torre para garantir água durante um possível cerco prolongado.

O poder das novas muralhas foi testado por invasores um ano após a sua conclusão. Em 1370, o Exército lituano do Grão-Duque Algirdas tentou invadir a cidade durante oito dias, mas recuou depois de sofrer enormes perdas. Em 1382, os tártaros tentaram ultrapassar a fortaleza de pedra branca do Kremlin com o auxílio da mais recente inovação no campo de batalha: o canhão. Mas os nômades não conseguiram tomar a fortaleza e estavam prestes a recuar até que traidores convenceram os moscovitas a abrir o portão. O Kremlin ruiu e ficou completamente em chamas, mas foi totalmente restaurado dentro de alguns anos. No século 15, o complexo resistiu a dois longos cercos, mas começou a se deteriorar antes do final do século. 

A primeira fortaleza russa construída com pedra foi o Kremlin de Moscou Foto: Lori / Legion Media

Em 1485, por ordem do Grão-Príncipe de Moscou, Ivan III, deram início à construção de um sistema de novos muros de tijolo vermelho no lugar das antigas muralhas de pedra branca. A construção foi supervisionada pelos melhores arquitetos militares da Europa – os italianos. A sua criação incorporou técnicas arquitetônicas amplamente usadas por especialistas europeus.

As ameias das muralhas do Kremlin eram as mesmas que as do palácio de Doge, em Veneza, e os contornos pontiagudos das torres e muralhas lembravam o castelo Scaliger, à margem do lago de Garda, e do Castelo Sforzesco, em Milão. O Kremlin também expandiu significativamente seu território, bem como o número de torres subiu para 20, tornando a fortaleza dos príncipes russos a maior da Europa para os padrões da época.

Símbolos nacionais

Nesse mesmo período, fortalezas de pedra eram erguidas nas fronteiras do sudeste e noroeste, onde a Rússia estava sob constante ameaça. Os Kremlins em Tula, Kolomna e Nijni Novgorod protegiam o centro do país das incursões tártaras, enquanto as fortalezas de Orechek e Ivangorod, perto do Báltico, representavam um grande obstáculo no caminho dos suecos, dinamarqueses e alemães. Mais fortalezas foram construídas ao longo do século 16, incluindo dois cinturões de pedra adicionais e um aterro circular ao redor do Kremlin de Moscou.

Entre 1595 e 1602, a fortaleza de Smolensk foi erguida nas margens do rio Dnieper, e logo foi apelidada de “colar do território russo” pelos moradores locais. Suas muralhas se estendiam por 7,5 quilômetros, três vezes o comprimento dos muros de Moscou, e o seu perímetro compreendia 39 torres.

A exclusividade da construção também estava em seus três (em vez dos habituais dois) níveis de defesa, tornando cada torre e parte da muralha uma fortaleza em miniatura. Os muros eram tão amplos que três cavalos poderiam confortavelmente descê-los. Além de artística, tratava-se de uma construção funcional.

Cada ponto de escape contava com vigas, como janelas decorativas. Entre 1609 e 1611, Smolensk resistiu a um longo cerco das forças polonesas. Até o final do segundo ano do cerco, no entanto, quase todos os defensores haviam morrido e os poloneses romperam uma seção desprotegida da muralha.

Fortalezas eram construídas em áreas onde a Rússia estava sob constante ameaça Foto: Lori / Legion Media

O século 16 foi a era de ouro da monumental arquitetura militar russa, que, com o advento da artilharia, recuou para o passado durante os cem anos seguintes. Em vez de grandes kremlins, os planejadores criaram linhas defensivas que consistiam em pequenas cadeias de fortaleza.

No século 18, os muros espessos finalmente deram lugar a baluartes conectados a revelim – obra exterior de uma fortificação abaluartada, de planta triangular, localizada a uma certa distância dos edifícios das fortalezas. O objetivo era romper as forças inimigas e deixá-las vulneráveis ao ataque por cima.

No entanto, as fortificações dos antigos arquitetos russos ainda são testemunho das grandes guerras do passado. O Kremlin de Kolomna, por exemplo, recebeu no ano passado o estatuto de símbolo da Rússia.

 

Aleksandr Verchínin é doutor em Ciências Históricas e pesquisador sênior do Centro de Análise de Problemas.

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