Três manobras militares que contornam a morte

Colisões intencionais por terra, ar e mar da Rússia e URSS provam que o ataque pode ser a melhor defesa.

“O abalroamento é a arma dos heróis” dizia um cartaz soviético do tempo da Grande Guerra Patriótica (como a Segundo Guerra Mundial é conhecida na Rússia) que pretendia elevar a moral do Exército soviético. O poster trazia a figura de um avião com grandes estrelas vermelhas derrubando um Messerschmitt fascista por abalroamento e, no fundo, retratava também a queda de um bombardeio alemão com suas proeminentes suásticas.

O abalroamento (colisão intencional) é, de fato, uma tática militar que representa a maior manifestação de heroísmo e abnegação, afinal, somente um soldado muito corajoso resolve não salvar sua vida, mas acrescentar valor à sua morte, levando consigo o seu inimigo. Apesar de a manobra assustar alguns e inspirar façanhas em outros, é, em geral, uma forma ineficaz de combate – na maioria das vezes, perecem tanto o soldado, como o seu equipamento.

Mas, para comprar também o contrário, a Gazeta Russa selecionou alguns episódios onde os abalroadores russos não morreram – entraram para sempre na história militar mundial.
 

Primeiro abalroamento entre tanques

Os russos não foram somente os primeiros a praticar abalroamento aéreo, conduzido por Piotr Nesterov, mas foram também os primeiros a realizar a manobra entre tanques. Durante a Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939, o soldado russo Simon Osadchi resolveu executar o movimento.

Em outubro de 1936, na pequena cidade de Sesenã, perto de Madri, os tanques soviéticos BT-5 e T-26, sob o comando de Polia Armana, combateram os modelos italianos Fiat-Ansaldo. Nesse conflito, a tripulação do T-26, sob a liderança do jovem comandante de 26 anos Semion Ossadtchevo, empurrou em abalroamento o tanque italiano para um abismo, fazendo com que a tripulação fugisse a pé.

Mas esse tipo de manobra só se tornou uma tática oficial do Exército russo durante a Grande Guerra Patriótica. Os tanques abalroaram peças de artilharia, tombaram tanques inimigos, destruíram caminhões e metralhadoras em seus tripés, esmagando as posições inimigas. Durante os quatro anos de guerra, foram registrados 160 abalroamentos.

Abalroamento a jato

A manobra realizada em 1981 pelo capitão Valentin Kuliapin sobre o Azerbaijão é considerada o último abalroamento aéreo da história. Sua singularidade está no fato de o piloto ter realizado o movimento a bordo de um caça supersônico Su-15 em baixa velocidade – e mesmo assim sobreviveu. 

Kuliapin estava perseguindo o cargueiro Canadair Cl-44 de uma companhia aérea argentina que transportava armas para o Irã. O avião violou o espaço aéreo da União Soviética e não atendeu aos pedidos de pouso.

Vídeo do abalroamento do Bessavétni contra o Yorktown  Fonte: YouTube

A velocidade de um avião de transporte em relação a de um caça é muito menor. Quando um caça supersônico voa em velocidade baixa, a sua manobrabilidade fica comprometida, sendo fácil para o piloto perder o controle do avião. Além disso, o disparo de mísseis requer uma grande distância de segurança. A tripulação do avião intruso sabia disso e direcionava a aeronave para fora da fronteira soviética, sabendo que não seria atacada com mísseis, pois a distância entre os aviões era pequena.

Nesse momento, o piloto soviético decidiu partir para o abalroamento, lançando seu próprio avião contra a fuselagem do cargueiro argentino. A colisão partiu o avião intruso ao meio, bem na junção da asa com a cabine. Kuliapin conseguiu se ejetar e chegar a salvo no chão, mas a tripulação do avião abalroado não teve a mesma sorte.

Polidez na Guerra Fria

O incidente ocorreu entre os navios de guerra da União Soviética e dos Estados Unidos na costa da Crimeia, em 1988. A Marinha dos EUA violou a fronteira marítima da URSS no mar Negro com seu cruzador Yorktown e o destroier Caron perto do Cabo Sarich, no sul da península. Essa fronteira tem um formato curioso em forma de triângulo, e os americanos estavam atravessando a ponta superior dessa formação. Dois navios-patrulha soviéticos, o Bessavetni e o SKR-46, receberam a missão de convidar os americanos a se retirarem das águas territoriais soviéticas o mais rápido possível, mesmo que para isso recorressem à manobra de “forma amigável”.

Os americanos continuaram nas águas territoriais da URSS mesmo depois de várias advertências. Então, a equipe do Bessavetni decidiu partir para o abalroamento. Em um primeiro momento, o navio-patrulha tocou de leve o casco do Yorktown, provocando faíscas entre as placas pintadas de seus cascos. O segundo impacto foi bem mais forte, e o patrulha chegou a destruir alguns elementos da superestrutura do heliporto na parte traseira da embarcação americana. No final, além do hangar, o patrulha danificou a baleeira do comandante e os lançadores de mísseis Harpoon.  

No início, os americanos não levaram a sério as advertências de abalroamento. Conta-se que os marinheiros e oficiais americanos riram, acenaram e ainda fizeram gestos obscenos aos russos. Mas logo depois das colisões, rapidamente saíram das águas territoriais soviéticas.

Os membros da tripulação do Bessavetni, sob o comando de Vladímir Bogdashin, foram processados por violação administrativa – isso aconteceu durante os anos de afrouxamento da Guerra Fria e estragar as relações entre URSS e EUA estava fora de questão). O incidente, conhecido como “abalroamento de Bogdashin”, serviu para mostrar a seriedade com que a Marinha tratava as violações de fronteira do Estado soviético. 

 

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