A verdadeira história do primeiro fuzil de assalto do mundo

O rifle de Fiodorov rapidamente ganhou elogios por suas inovações Foto: divulgação

O rifle de Fiodorov rapidamente ganhou elogios por suas inovações Foto: divulgação

Apesar de a Rússia ser conhecida mundo afora como o berço do Kalashnikov, pode ser uma surpresa descobrir que o primeiro rifle de assalto foi desenvolvido muitos anos antes.

Se a lenda da era soviética deve ser mantida, foi o tsar Nikolai II que teria impedido a produção russa do rifle automático desde o início. "Nós não temos munição suficiente", ele supostamente disse ao projetista enquanto os projetos da nova arma eram apresentados. Mas essa história está longe de ser realidade - o rifle automático ou de assalto foi, de fato, desenvolvido na Rússia quase que inteiramente por entusiastas de armas independentes antes da Revolução Russa de 1917.

A vanguarda neste campo estava com Vladímir Grigorievitch Fiodorov, que escreveu seu nome nos anais da fabricação de armas como o projetista do primeiro fuzil de assalto do mundo. 

Em princípio, qualquer tentativa de adaptá-lo ao carregamento automático dependia, em última instância, do calibre. O Exército russo usava munição 7,62 milímetros, mas a guerra russo-japonesa tinha mostrado como a vantagem de um calibre maior era praticamente anulada em condições modernas de batalha.

Do ponto de vista de design, isso significava que o calibre poderia ser sacrificado para aumentar a velocidade do ciclo inicial e consequente redução do peso do cano, uma característica explorada por Fiodorov.

Em 1913, ele produziu um protótipo de desenvolvimento do rifle com calibre 6,5 milímetros e seu projeto de cartucho próprio. O novo rifle tinha muito em comum com o seu antecessor, mas, em campo, apresentava uma vantagem crucial: cano mais curto.

Esses avanços em tecnologia de arma levaram paulatinamente à criação do fuzil automático moderno. No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial obrigou os armeiros a alterar os seus planos, e muitos tiveram que deixar suas pesquisas para enfrentar os desafios de natureza mais prática. As trincheiras de guerra exigiam a adaptação de fuzis de cano longo por combates a curta distância. 

Isso deu a Fiodorov inspiração para cortar o cano de seu rifle de 1913 e adaptá-lo com um punho para disparo. E assim nasceu o que hoje chamamos de fuzil de assalto, a principal arma de qualquer exército contemporâneo.

Sua cadência de tiro de 100 disparos por minuto a uma distância de 300 metros tornou o projeto incomparável a qualquer outra arma de qualquer exército daquele tempo. Fiodorov adaptou o rifle para disparar os cartuchos de rifle japonês Arisaka 6,5 milímetros, que o governo tsarista comprara em grandes quantidades durante os anos de guerra.

Lenda nova

A ideia de infantaria com armas automáticas de disparo rápido nasceu na reviravolta da Guerra Russo-Japonesa, nos anos de 1904-1905. Metralhadoras leves tinham começado a aparecer nas linhas de frente e rapidamente demonstraram a sua eficácia. Se fosse possível equipar todos os homens com tal arma, o seu valor como unidade de combate seria imensamente multiplicado.

Logo depois da derrota para o Japão, o armeiro russo Fiodorov começou a redesenhar o honroso rifle de "três linhas" Mosin, de 1891, com o objetivo de automatizar e transformá-lo em uma temível arma de infantaria. Depois de meses de experimentação, o primeiro rifle automático calibre 7,62 milímetros entrou em produção.

Mesmo assim, possuía as qualidades integrais que ainda distinguem as armas russas de seus equivalentes estrangeiros mais elaborados e pouco confiáveis: simplicidade e facilidade de uso. Nos testes, o rifle foi submerso em um lago e untado em lama antes dos disparos.

O projeto de Fiodorov deu conta do recado, foi agraciado com um título estatal, e o primeiro lote de fuzis começou a ser produzido na fábrica Sestroretsk, nos arredores de Petrogrado (atual São Petersburgo).

Fiodorov ainda não estava satisfeito, entretanto. Tendo estudado todos os detalhes e características do rifle de três linhas, o designer acreditava que a máxima eficiência em armas automáticas modernas só poderia ser alcançada ao reformar completamente a estrutura do cano existente. O principal problema era o fato de o rifle de três linhas ser simplesmente pesado demais. 

Último suspiro

O rifle de Fiodorov rapidamente ganhou elogios por suas inovações, e, no final de 1916, uma companhia do Exército Russo disposta no fronte romeno estava inteiramente equipada com a nova arma. A decisão também foi tomada para iniciar a produção em massa da arma, embora isso só tenha acontecido mesmo no final da Guerra Civil Russa. Em 1925, uma metralhadora compatível também foi colocada em produção.

No entanto, a história do primeiro fuzil de assalto teve, na sequência, um fim abrupto e em grande parte inexplicável. Foi quase como se alguém nos corredores do poder de Moscou não gostasse da arma, mas ninguém pudesse dizer exatamente o motivo. Alguns acreditam que isso aconteceu porque era incapaz de penetrar estruturas blindadas, enquanto outros alegam que os estoques de munição japoneses tinham se esgotado. 

Seja qual for a verdade, a despedida do rifle de Fiodorov aconteceu nas florestas da Carélia, em 1940, durante a Guerra de Inverno contra os finlandeses. Mas o legado de Fiodorov encontrou continuidade no trabalho de outros armeiros, fazendo, assim, com que seu projeto assumisse a posição de “precursor" das armas russas modernas.

 

Aleksandr Verchínin é doutor em Ciências Históricas e pesquisador sênior do Centro de Análise de Problemas.

 

Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies