Anatóli Soloviov é cosmonauta russo, recordista de tempo de permanência no espaço aberto Foto: ITAR-TASS
Você tinha 13 anos quando Iúri Gagárin fez o primeiro voo para o espaço. Já queria ser cosmonauta naquela altura?
Não, de modo algum. Pode parecer paradoxal, mas depois que Gagárin morreu, decidi me tornar piloto militar, como ele, e não astronauta. Naquela altura eu não tinha qualquer ideia sobre o Universo, mas meu sonho de criança acabou se concretizando e eu virei piloto de MiG-21.
Você já tinha acumulada uma imensa bagagem de habilidades práticas antes de entrar no programa espacial. Quais delas o ajudaram mais no seu trabalho no espaço?
Dentro da estação espacial eu tive que executar diferentes trabalhos técnicos. Sorte que eu tinha bastante prática de operário –minha primeira especialização foi de serralheiro. Eu sei trabalhar com qualquer ferramenta e isso foi muito importante. Na estação espacial Mir a gente montava sistemas inteiros. Por exemplo, um sistema de purificação de ar muito sofisticado que eu, juntamente com o Pavel Vinogradov, instalei dentro da unidade base. O nosso colega norte-americano David Wolfe não queria acreditar no que via quando o sistema funcionou logo da primeira vez que o ligamos e não voltou mais a desligar.
E para essas expedições os cosmonautas são selecionados também por sua compatibilidade psicológica?
Não, há muitos outros parâmetros bem mais dominantes. Não vou negar que por vezes surgiam momentos extremamente tensos entre os membros da tripulação. Mas eu, pessoalmente, sempre consegui encontrar uma linguagem comum com todo mundo. Nunca aconteceram excessos em nenhuma das cinco expedições das quais participei.
É importante entender uma coisa que qualquer astronauta vai lhe dizer: o trabalho no espaço e a ausência de gravidade configuram um meio extremamente hostil, que têm um impacto muito negativo sobre o organismo. Além disso, ocorre o “destreinamento” dos movimentos, o enfraquecimento muscular, ao mesmo tempo que a carga física e psicológica é muito grande. O trabalho é praticamente ininterrupto as 24 horas do dia.
Antes de irmos lá para cima, passamos por uma longa maratona de preparação e treinamento. No meu caso, desde o início da minha preparação, em 1976, até o meu primeiro voo para o espaço, se passaram 12 anos.
Quando você saía para o espaço tinha tempo para desfrutar da beleza envolvente ou para divagar sobre os mistérios da criação?
É evidente que temos pouco tempo para essas distrações. Quando a estação se encontra no lado escuro da terra, ou quando, por recomendação do Centro de Controle de Missão, nos era dado tempo para descansar, tínhamos oportunidade de olhar ao nosso redor, de ver a beleza fabulosa do planeta se movendo debaixo da gente. É realmente um espetáculo impressionante.
Lembro-me particularmente bem das primeiras saídas para o espaço aberto, quando ainda havia aquela tensão psicológica e alguns receios naturais quando me segurava à calha com mais força do que o que seria natural ou do que posteriormente seguraria. Quando nos vemos nessa situação, é preciso olhar em volta, se acalmar, se deliciar com a visão envolvente para conseguir colocar os sentidos em ordem.
Você guardou algumas fotos dessas experiências?
Claro, nós tentávamos fotografar toda essa beleza. Restam as fotos para provar. Mas a película, em geral, se estraga com muita facilidade no espaço, acaba por incidir luz nela. Agora, com a técnica digital, já é possível transmitir integralmente as magníficas visões que lá de cima temos da terra. Foi isso que os criadores do filme conseguiram transmitir em “Gravitação”, a imagem da terra tal como ela se vê lá de cima.
Fale-nos sobre algum trabalho que precisava ser regularmente feito no espaço.
Em 1998, eu e um astronauta americano trabalhamos com o espectrômetro para conseguir obter as características da superfície externa da estação, a fim de compreender como se altera o seu desempenho óptico. Para os objetos espaciais essa informação é vital: saber quais os raios que são absorvidos e quais são refletidos, já que tudo isso irá afetar o sistema de controle térmico dentro da estação. A estação varia bastante em diferentes períodos externamente. Os raios cósmicos afetam o funcionamento da estação, tal como os motores das naves que se aproximam e afastam da sua superfície, ou os motores próprios, que são usados no sistema de orientação. Até a poeira acaba afetando.
Poeira no vácuo espacial?
Sim, há poeira lá. Ela se acumula na superfície exterior, especialmente nas vigias da estação, e acaba criando uma camada grossa de poeira. Eventualmente, com o passar do tempo, a visibilidade diminui bastante. Além disso, também os micrometeoritos atuam sobre as “janelas”, por isso é que se você observar de perto o vidro do lado de fora verá que ele fica todo salpicado de pequenas crateras.
E não dá para lavar as janelas?
Quando a poeira assenta uniformemente, acaba formando uma película com uma tonalidade muito específica que se você tenta limpar só vai piorar.
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