Tenho pensado muito no frio... E a ambiguidade da frase se justifica. Inverno em Porto Alegre. Não há como fugir do tema: desde resfriados e gripes até a beleza dos dias claros, de céu bem azul e sol com um brilho especial, levemente dourado. Por isso, no frio, tenho pensado muito no frio.
Para quem nasceu em Belo Horizonte e gosta mais do verão, é difícil enfrentar as temperaturas de meio de ano no sul do Brasil. Enquanto isso, traduzo Contos de Kolimá, de Varlam Chalámov. Relatos dos anos vividos pelo escritor nos campos de trabalhos forçados do Extremo Norte da Rússia, região em que já foram registradas temperaturas inferiores a -60 graus. Realmente, nenhum outro assunto parece tão inevitável neste momento.
Como explicar as peculiaridades dos vários casacos e gorros próprios para cada uma das fases do frio, próprios de cada região, próprios de cada etnia do imenso território russo? E não só explicar como eles são ou como aparecem em registros atuais, como nos links abaixo, mas as condições e os tipos destinados aos prisioneiros na época de Chalámov.
Chapka-uсhanka: gorro de inverno, geralmente de pele, com abas para proteger as orelhas.
Foto: RIA Nóvosti
Buchlat: casaco de inverno pesado, tradicionalmente usado por marinheiros, com tecido duplo para proteger das rajadas de vento.
Foto: RIA Nóvosti
Torbassi: botas de cano alto macias, de pele de cervo, com os pelos para fora, muito comum entre os povos do norte da Rússia e da Sibéria.
Foto: RIA Nóvosti
Telogreika: literalmente, “esquentador de corpo”. Agasalho acolchoado, especialmente confeccionado para proteger contra o clima rigoroso do inverno russo. De fácil fabricação e baixo custo, popularizou-se no período soviético como símbolo de roupa funcional, em que a estética cedia lugar à praticidade. Fazia parte do uniforme de inverno do Exército Vermelho.
Foto: RIA Nóvosti
Como transmitir os extremos da sensação de frio a quem vive num país tropical? Nesse aspecto, os leitores gaúchos levam vantagem, embora a neve esporádica, que encanta os brasileiros nos noticiários de TV, seja uma amostra tímida e fugaz.
“[...] mesmo sem termômetro, os prisioneiros antigos mediam o frio quase com exatidão: nevoeiro gelado, na rua faz quarenta graus abaixo de zero; ar expirado com ruído, mas respiração não muito difícil, quarenta e cinco graus; respiração barulhenta e visivelmente ofegante, cinquenta graus. Abaixo de cinquenta e cinco graus, o cuspe congela no ar. O cuspe congelava no ar há duas semanas.” [Trecho do conto “Os carpinteiros”, de Varlam Chalámov].
Como deixar clara a diferença entre kholod e moroz na tradução?
Oi, moroz, moroz, nie moroz meniá https://www.youtube.com/watch?v=yujdRd-0LG8, Ei, frio, frio, não me congele, são os primeiros versos de uma canção popular na Rússia. Mas o moroz da música é bem mais, ou menos, se pensarmos na temperatura, do que o frio das terras brasileiras. Em geral, o nosso frio equivale ao kholod, que significa: “temperatura baixa; o ar nessa temperatura; local em que a temperatura é baixa; estação do ano em que se registram as temperaturas mais baixas”.
Já moroz é o frio com temperatura abaixo de zero, é um kholod mais frio. Nos versos da canção, os dois primeiros moroz [мороз] são substantivos; o terceiro é o verbo no imperativo [морозь].
Curiosidades: geladeira é kholodílnik [холодильник]; congelador, morozílka [морозилка]; e sorvete, ou gelado, моrojenoe [мороженое].
Mais frio na Gazeta Russa:
http://br.rbth.com/arte/2014/06/27/as_dez_marcas_culturais_russas_mais_famosas_26205.html
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