O que o Brics tem a ensinar

Ilustração: Niiaz Karim

Ilustração: Niiaz Karim

Ao conhecermos melhor o que pensam economistas e pensadores da área de negócios dos Brics, bem como de outros países emergentes, estaremos ampliando os limites de nosso pensamento e, portanto, de nossa esfera de atuação.

O compositor e cantor Caetano Veloso lançou em 1984 uma canção intitulada "Língua", em que ele elogia próceres da língua portuguesa, ao mesmo tempo que, numa estrofe polêmica, diz: "Se você tem uma ideia incrível/É melhor fazer uma canção/Está provado que só é possível/Filosofar em alemão". Naquela época, a estrofe gerou uma certa indignação na imprensa, por parte de intelectuais brasileiros que se sentiram menosprezados em seu ofício de pensar utilizando a língua portuguesa.

Não concordo com a frase de Caetano Veloso, acho que nem ele concorda, pois certamente conhece Platão, Aristóteles e as origens da filosofia na Grécia Antiga; e deve saber que há filósofos maravilhosos em qualquer idioma: franceses, britânicos, chineses, árabes, russos, japoneses etc. Hoje em dia, trinta anos depois, uma afirmação igualmente irônica poderia ser: "se você tem uma ideia empresarial incrível, só lhe resta fundar um startup e não perder tempo falando ou escrevendo, está provado que só é possível refletir sobre negócios em inglês."

Lembrei daquela estrofe do Caetano Veloso ao ler recentemente, no jornal russo de negócios “Vedomosti”, artigo de Helen Edwards, diretora da biblioteca da escola moscovita de negócios Skolkovo Business School, indicando os cinco melhores blogs estrangeiros sobre negócios na sua opinião: três americanos e dois ingleses. Ela devia ter dito "os cinco melhores blogs em língua inglesa sobre negócios". Por que não há ali autores alemães, franceses, chineses ou coreanos? Ninguém é obrigado a ser poliglota, mas ao menos deveria saber que há vida inteligente no universo dos negócios, bem como em qualquer outra esfera de atividade (exceto talvez beisebol), para além dos limites da língua inglesa.

Não estou negando a preeminência do pensamento econômico-empresarial americano e anglo-saxão no mundo contemporâneo. Eu mesmo comecei a ler sobre negócios via Peter Drucker, pensador austríaco que migrou para os Estados Unidos, adotou a língua inglesa e foi, de certa forma, o fundador da moderna Administração de Empresas. Depois virei fã de Michael Porter, na área de estratégia empresarial; da trinca Myers, Brealey e Allen em finanças corporativas; de Alfred Sloan, que dirigiu por décadas a General Motors e escreveu o imperdível "Meus Anos na General Motors", talvez o melhor livro de negócios de todos os tempos; de Roberto C. Merton, um dos pais das finanças modernas; de Paul Krugman, economista com uma verve didática impressionante; de Warren Buffett, bilionário cujas cartas aos investidores da Berkshire Hathaway formam, em seu conjunto, uma obra de primeira grandeza.

Fiz um MBA na École Nationale des Ponts et Chaussées, uma das mais tradicionais escolas da Europa. Há toda uma cultura empresarial na França que vale a pena ser conhecida e estudada, bem como no norte da Itália, na Áustria, na Alemanha e assim por diante. No meu MBA, a bibliografia foi majoritariamente americana, mas ficava sempre claro que havia outros países, autores e estudos de caso a explorar. A palavra "estrangeiro" não era sinônimo de anglo-americano.

No Brasil também, quando nos referimos a autores estrangeiros na área de economia e negócios, em geral pensamos em nomes anglo-americanos. Na Rússia, idem. Na maioria dos países que conheço e cujo idioma domino, a situação é mais ou menos semelhante. Ironicamente, o universo cultural mais cosmopolita na área de economia e negócios que já vi é justamente o dos Estados Unidos e, em segundo lugar, o do Reino Unido. Em publicações anglo-americanas, vejo com frequência referências a autores estrangeiros de diferentes países.

Praticamente tudo que leio na imprensa russa de economia e negócios de autoria russa é desconhecido no Brasil e vice-versa. É como se fôssemos invisíveis uns para os outros nesses dois domínios do conhecimento, apensar de ambos os países estarem –há mais de uma década– entre as dez maiores economias do planeta. Na Skolkovo Business School, em Moscou, há diversas referências ao Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como por exemplo um belo auditório chamado Belo Horizonte. No Brasil, o Brics começou a ser conhecido e valorizado enquanto grupo de países onde está e estará se dando boa parte do crescimento econômico global.  

Por que não começarmos a estudar a cultura de negócios, bem como o pensamento econômico, de cada um dos países que compõem o Brics? Nunca entendi, por exemplo, porque nenhum chinês, japonês ou coreano tenha ganho ainda o Prêmio Nobel de Economia, diante do prodígio econômico-empresarial que têm sido esses países nas últimas quatro décadas. Os pais do Plano Real, no Brasil, também merecem ser reconhecidos mundialmente, porque debelaram, sem grandes traumas econômicos e num contexto politicamente democrático, um dos piores processos inflacionários da História.

Ao conhecermos melhor o que pensam economistas e pensadores da área de negócios dos Brics, bem como de outros países emergentes, estaremos ampliando os limites de nosso pensamento e, portanto, de nossa esfera de atuação. 

 

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