Foto: William Brumfield
Moscou, 13 de Outubro de 2013.
Aguardo no saguão do aeroporto de Domodêdovo o voo para Londres com o coração apertado de ter que ir embora, mas uma sensação muito boa me toma. Ainda há pouco estava tocando “Águas de Março” numa rádio russa e isso me traz uma sensação ainda melhor hoje. Acho que é a primeira vez que começo assimilar tudo o que vivi nesses breves dias aqui na Rússia e um filme passa na minha cabeça: desde a primeira vez que vi uma imagem da catedral de São Basílio dez anos atrás e acabei perdidamente apaixonada por suas formas e cores, a música erudita de Tchaikovsky, passando pela escrita indecifrável do alfabeto cirílico e o fascínio que esse exerce sobre mim, até chegar nas admiráveis obras dos gênios literários russos, principalmente nas ideias de paz e simplicidade trazidas por Tolstói, culminando com a decisão de fazer a viagem há muito desejada.
Foi por tudo isso e mais um pouco que, sem saber nada de russo, resolvi tomar coragem e conferir por mim mesma aquilo pelo qual minha alma ansiava. Sim, sem dúvidas essa visita à Rússia foi uma jornada da alma. Para tudo isso contei com a preciosa ajuda de um russo de Moscou que conheci um mês atrás pela internet, quando o desespero de não saber o idioma local estava batendo à porta. O Gosha me recebeu neste mesmo aeroporto há uma semana com um jeito formal e, ao mesmo tempo bastante gentil, uma garrafa de suco de hippophae e um monte de roupas para me proteger do frio, imaginando que meu guarda-roupa carioca não seria adequado para o clima daqui. Bom, o clima não é parecido, mas o mesmo São Jorge celebrado no Rio de Janeiro em 23 de abril é também o patrono da Rússia e da cidade de Moscou, onde é possível ver uma estátua belíssima em sua homenagem bem em frente à Praça Vermelha. No meu inconsciente me dizia: “Sinta-se em casa”. E assim o fiz.
Meus amigos e familiares não conseguiam esconder o estranhamento quando eu dizia o destino da minha primeira viagem internacional: “Para a Rússia? O que você vai fazer lá?”, “Tem certeza? Por que você não vai para os Estados Unidos visitar Nova Iorque ou a Disney?”, “O que tem demais para ver na Rússia?”. Mal sabiam eles das maravilhas que cada minuto na Rússia proporciona a nossos sentidos: o belo metrô e as construções de Moscou, andar pela Praça Vermelha, a sensação de ter seu coração parando de bater ao ver pela primeira vez a catedral de São Basílio, a acolhedora São Petersburgo, a exuberância de Peterhof, do Hermitage, do rio Neva, o sabor do varêniki, a curiosidade dos russos a respeito do Brasil (e perguntando se as brasileiras se parecem com a Gisele Bündchen e empolgados com o jogador Hulk jogando em um time local), a ajuda desinteressada na rua ao te verem perdida com um mapa, a gentileza inesperada da sisuda funcionária do trem improvisando um banquinho enquanto você carrega o celular no corredor, o cheiro e as cores das árvores dos parques no outono e toda a história que pulsa em cada cantinho da cidade. Tudo isso faz a gente voltar muito rico da Rússia.
Hoje cedo fui a um mercado muito interessante com o Gosha, diferente dos que nós temos no Brasil. Enquanto a vendedora, uma senhora muito solícita, nos dava diferentes tipos de mel para experimentarmos, notando a diferença pela minha aparência ou pelo meu jeito, ela perguntou para o Gosha de onde eu era. Quando ele respondeu, ela deu um enorme sorriso como um sinal de aprovação e continuou sorrindo e olhando para mim por algum tempo enquanto ainda dizia algumas coisas. Eu não estava entendendo nada, uma vez que eles conversavam em russo, mas sorri também devolvendo a gentileza. Assim que saímos, perguntei ao Gosha o que eles conversaram. Segundo ele, a senhora ficou impressionada e muito contente porque nunca havia conhecido alguém vindo de tão longe antes, muito menos sendo do Brasil e, para os russos, quando algo acontece pela primeira vez eles fazem um pedido, é como se tivessem um dia de sorte - ela disse que ia fazer o pedido dela. Espero que coisas boas venham desse pedido. E eu me pego rindo sozinha... É interessante a ideia de trazer sorte ao dia de alguém.
Falando em sorte, assim que cheguei o tempo estava frio, nublado e um pouco chuvoso. O Gosha virou pra mim e disse: "Se você tiver sorte, teremos o Бабьелето [Bábie Léto], que é um tempo bom, incomum para essa época do ano aqui na Rússia, mas eu não tenho muita certeza quanto a isso". Para nossa surpresa, durante toda a semana o tempo esteve bom, principalmente nos últimos dias quando o céu de Moscou esteve pintado de azul bem vivo. Até em São Petersburgo, onde costuma chover muito, o sol foi lá para me receber. E os russos me felicitavam o tempo todo dizendo que escolhi uma boa época para visitar o país. Mas acho que aconteceu o contrário e foi o Bábie Léto que escolheu me visitar.
Eu
não fazia ideia de que os russos eram tão supersticiosos e é claro que "briguei" com o Gosha, porque ele só
me disse hoje a respeito da “simpatia do pedido” e eu tive muitas oportunidades
de fazer vários pedidos... Mas na verdade, eu nem precisaria, Deus é sempre tão
bom pra mim que eu me sinto com "sorte" o tempo todo.
Poder realizar o meu maior sonho - conhecer a
Rússia e ver de perto a Catedral de SãoBasílio - já seria maravilhoso por si
só. Os russos que conheci são todos pessoas muito agradáveis, a comida é muito
boa, tudo tem um ar de identidade, de diferente,é tudo muito bonito e até o
tempo bom veio me agraciar.
Este país, que tantas vezes emprestou suas belas paisagens para ambientar alguns dos episódios mais tristes da história, traz na sua grandiosa identidade as marcas do sofrimento e na generosidade de seu povo, habituados às batalhas diárias, à força daqueles que lutam constantemente contra as condições mais adversas. Então, ao embarcar para a Rússia leve seu coração com você, seus melhores sentimentos, vá de peito e alma abertos para perceber e receber tudo o que ela tem para lhe dar. Não é pouca coisa, acredite!
Em um dia lindo como esse que tivemos hoje aqui parei para pensar em tudo o que tenho em minha vida. Meus pais (a quem eu não tenho nem como agradecer), meus irmãos, minha família e meus amigos, minha saúde, meus estudos, meu trabalho, todas as oportunidades que tive, que tenho e que terei um dia, a esperança que carrego, a fé que abraço... Isso não é ter sorte. Isso é ser abençoada. E com esses pensamentos me despeço, por hora, da “Mãe Rússia”, já aguardando ansiosamente o momento de voltar.
Taiane Alcantara
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: