Conhecendo o rock russo

A banda "Mumiy Trol" Foto: AP

A banda "Mumiy Trol" Foto: AP

Sou muito fã de rock, principalmente de rock russo que na minha opinião, é muito bonito e melancólico. Hoje, gostaria de compartilhar com vocês alguns clássicos que escutava quando morava na Rússia e que sempre ouço quando bate aquela nostalgia.

KINO, Viktor Tsoi (Pesnya bez slov – A canção sem palavras)

1882-1990, São Petersburgo

“Снова за окнами белый день,
День вызывает меня на бой.
Я чувствую, закрывая глаза,
Весь мир идет на меня войной.”

 

“De novo o dia chegou,
Esse dia me leva para uma luta,
Fechando os olhos,
Estou sentindo que o mundo inteiro está lutando contra mim.”

Sem dúvida, KINO é uma banda que marcou época. O vocalista Viktor Tsoi era cheio de atitude. Sua morte precoce o tornou uma espécie de mártir para os jovens russos, que até hoje o cultuam. Parece que ele tem letra para cada estado de humor. E engraçado que os brasileiros, também como os russos, se identificam com o estilo dele. A Canção Sem Palavras como quase todas as músicas da banda, é bem revolucionária.

 

Agata Kristi (Moryak – Marinheiro)

1988–2010, Ekaterimburgo

“Вино и гашиш, Истамбул и Париж,
Моряк, моряк, почему ты грустишь?”

 

“Vinho e haxixe, Istanbul e Paris,
Marinheiro, marinheiro, por que você está triste?”

Agata Kristi é uma das bandas mais dark da Rússia. Eu sempre a ouvia, naquelas famosas clássicas e filosóficas conversas sobre a vida, na cozinha russa 2mx3m, com muito cigarro e vodca, chá. Se você ainda não conhece a banda, ouça qualquer CD que tenha sido lançado entre 1988-1998. Provavelmente você começará a entender que a vida não vai melhorar, mas pode ficar menos pior com ajuda de ópio e haxixe. Aliás, é a única banda rock russa que ganhou o prêmio «World Music Awards» em 1997.

 

Nautilus Pompilius (Ya hochu byt’ s toboi – Eu quero estar com você)

1982—1997, Ekaterimburgo

“Твое имя давно стало другим
Глаза навсегда потеряли свой цвет
Пьяный врач мне сказал тебя больше нет
Пожарный выдал мне справку что дом твой сгорел.”

 

“Seu nome já mudou
E os olhos perderam a cor
O médico bêbado me falou que você não existe mais
O bombeiro me passou um papel falando que a sua casa foi queimada.”

Os russos é um povo bem sofrido, isso todo mundo já sabe, correto? E a banda Nautilus é uma prova perfeita disso. Suas músicas lentas são o puro sofrimento. Mas aquele lindo e poético. Até hoje muitos russos ouvem essa banda e, no YouTube, deixam comentários nostálgicos: “Os talentos que tivemos no passado foram os melhores!”.

 

DDT (Dojd’ – A chuva)

1980—1999, São Petersburgo

“Капли на лице, это просто дождь,
А может, плачу это я.
Дождь очистил всё, и душа, захлюпав,
Вдруг размокла у меня.”

 

“Gotas na cara, é a chuva,
Ou talvez, estou chorando.
A chuva limpou tudo, e a minha alma, soluçando,
De repente ficou toda encharcada.”

Quase todas as melhores bandas de rock russo são de São Petersburgo ou de Ekaterimburgo, as metrópoles melancólicas, cheias de gente que adora pensar e compor músicas tristes e profundas. O DDT não é a exceção. Fui no show dessa banda em Londres, na Trafalgar Square, durante a comemoração da Maslenitsa (festa pagã russa), e foi o melhor que eu já assisti em anos. Era um tumulto de imigrantes russos pulando e chorando de alegria ao ouvir canções que raspam os corações mais forte que qualquer gilete.

Mumiy Trol’ (Vladivostok 2000)

Desde 1983, Vladivostok

“Вода отравится, погаснет свет, утихнет звук.
К тебе я больше не вернусь – такой теперь я друг.”

 

“A água se envenenará, a luz apagará e o som abaixará.
Eu não vou voltar mais pra você – sou esse tipo de amigo agora.”

Gosto bastante do Mumiy, com suas músicas alegres e energéticas e suas letras totalmente alucinadas. Como o vocalista Ilya Lagutenko tem uma voz meio manhosa, lembro que quando saiu o primeiro video da banda, muitos dos meus amigos acharam que ele era gringo e a “manha” era o sotaque de um país misterioso, rs.
P.S. Eles foram a primeira banda russa que se envolveu em campanha na luta contra AIDS.

Zemfira (SPID – AIDS)

Desde 1998, Ufa

“Я сняла наушники, слушала ветер
В открытые двери пустой маршрутки.
Ветер рассказал мне о страшном секрете,
Но нам остаются последние сутки…”

“Eu tirei o fone de ouvido, estava ouvindo o vento
que entrava pela porta de um ônibus vazio.
O vento me contou um segredo terrível,
Mas temos juntos o último dia…”

 

 

Essa música da cantora Zemfira fez muito sucesso nos anos 90. Eu lembro até de crianças na minha escola cantando, chamando alguém, sem entender absolutamente nada do contexto: “Ei, você tem AIDS, então eu e você, vamos morrer juntos!”. Antes da Zemfira, o rock russo era muito brusco e feito somente por homens. Ela foi a primeira que o deixou mais feminino, com cara daquela mulher forte, que sofre, mas consegue superar tudo que a vida joga nela.

 

Splin (Ostayomsya zimovat’ – Ficaremos para o inverno)

Desde 1994, São Petersburgo

“Очень скоро мы исчезнем с экранов цветных мониторов
Из подъезда увозят кого-то на скорой…”

 

“Em breve, vamos desaparecer das telas coloridas
 A ambulância está levando alguém do meu prédio embora…”

Como já falei algumas vezes, o russo adora sofrer, porque isso faz a vida mais interessante e cheia de sentido. Sim, a filosofia de vida no meu país é muito longe de ser zen. A Splin, como a maioria das bandas de rock russo, é extremamente depressiva e melancólica e, justamente por isso, suas músicas são tão bonitas e poéticas. O nome da banda foi emprestado da palavra em inglês spleen que significa um estado de melancolia profunda, ou como falamos na Rússia – khandra.

 

Vyacheslav Butusov (Nastas’ya)

Desde 1978, Krai de Krasnoiarsk

“Горевала в тоске Настасья,
Обливала себя слезами,
Посрывала все покрывала,
Отчего же в ней эти страсти?”

 

“Nastas’ya estava angustiada e magoada,
Se encharcou de lágrimas,
Rasgou todas as colchas,
De onde vêm todas essas suas loucuras?”

Butusov é o ex-vocalista da banda Nautilius Pompilus e é um cara muito talentoso. Quase todas as músicas da sua carreira solo viraram hits. Nastas’ya é uma delas. É uma canção depressiva com uma influência dechastushki (canções folclóricas russas). A letra fala sobre a história de uma mulher que cansou de homens que não prestam e apaixonou-se por si mesma. Fato interessante: a Nastas’ya no vídeo de Butusov é um travesti.

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