As lições da Rússia para o Brasil na distribuição dos recursos do petróleo

Ilustração: Natalia Mikhailenko

Ilustração: Natalia Mikhailenko

Brasil se deparou com o mesmo problema enfrentado pela Rússia ao longo das últimas décadas: os enormes lucros provenientes da exploração de petróleo. Agora, o país tem que decidir como distribuí-los entre os estados produtores e não produtores.

O Brasil está discutindo o problema da repartição dos recursos dos royalties decorrentes da exploração de petróleo e gás entre os Estados e municípios.

Nos últimos anos, o setor de petróleo brasileiro viveu um verdadeiro boom, já designado por muitos bancos internacionais como a "bolha brasileira".

O país liberalizou bastante sua legislação e permitiu a dezenas de empresas internacionais renomadas participarem na exploração de seus campos de petróleo offshore e investir bilhões de dólares na extração de hidrocarbonetos.

Até a russa TNK-BP (leia-se a Rosneft, que vai assumir o controle total sobre a empresa no ano que vem) chegou ao Brasil, limitando-se, porém, à prospeção geológica na bacia do rio Amazonas, para não investir em projetos offshore.

Como resultado, o Brasil se deparou com o mesmo problema enfrentado pela Rússia ao longo das últimas décadas: os enormes lucros provenientes da exploração de petróleo. Agora, o país tem de decidir como distribuí-los entre os Estados produtores e não produtores.

Na Rússia, o sistema de tributação do setor de petróleo e gás foi criado em 2001 e veicula boa parte dos impostos cobrados no setor para o orçamento federal. Isso permite ao governo federal implantar projetos de dimensão nacional em outros setores econômicos e sociais e alimentar o fundo de estabilização, que, segundo as autoridades russas, defendeu, defende e defenderá o país contra qualquer crise financeira.

O elemento principal do sistema tributário russo é um imposto de exportação do petróleo, cujas alíquotas são variáveis dependendo de vários fatores e são estabelecidas através de um decreto especial do governo. Esse imposto recebeu o nome de "tesoura Kudrin" em homenagem ao ex-ministro das Finança da Rússia, Aleksêi Kudrin.

Antes, o imposto de exportação era calculado mensalmente com base em um preço médio do produto vigente no mercado internacional no mês anterior. Depois da crise de 2009, seguida de uma baixa do preço do barril de petróleo, o imposto passou a ser calculado a cada dois meses.

O termo "tesoura" pode ser explicado pelo fato de o imposto ter sido calculado retroativamente e não atender à conjuntura corrente do mercado. Em outras palavras, os exportadores de petróleo se viam obrigados a pagar o imposto, cujo valor estava desatrelado dos preços correntes.

Quando o preço do petróleo começou a cair quase todos os dias, a "tesoura Kudrin" passou a ceifar centenas de milhões de dólares.

Há seis meses, a Rússia adotou um novo  sistema de tributação do setor, mais conhecido como "60-66". Na verdade, trata-se de uma nova redação do sistema de impostos de exportação voltado para a melhoria da qualidade do refino de petróleo.

Outro tributo importante é um imposto sobre a atividade de extração mineral, cobrado com uma alíquota fixa.

Portanto, se o preço de um barril de petróleo for US$100, o exportador terá que pagar ao orçamento federal cerca de US$ 70:  US$ 50 como imposto de exportação e os restantes US$ 20, como imposto sobre a extração mineral.

A região produtora de petróleo fica com cerca de US$ 10. Isso porque a empresa tem que pagar ainda um imposto de lucro no valor de 25% a 30%, dos quais cerca de 2% são canalizados para o orçamento federal e 18%, para o orçamento regional, e um imposto sobre o patrimônio na faixa de 2% do valor contábil de seus ativos, pago ao orçamento regional.

Supõe-se que, no início do próximo ano, o governo altere o esquema existente para conceder incentivos fiscais aos projetos offshore concretizados pela Rosneft e Gazprom em cooperação com parceiros estrangeiros. Dentre as novidades esperadas está a extinção do imposto sobre o patrimônio. Como resultado, as unidades da Federação vão perder uma das principais fontes de sua renda orçamentária.

Os governadores regionais estão resignados, há muito tempo, com o fato de boa parte das rendas decorrentes da implantação de projetos de petróleo e gás ser canalizada para o orçamento federal, esclarece um alto funcionário do governo federal.

"Esse sistema funciona há 20 anos e por isso não gera dúvidas", adianta uma fonte da área.

"As autoridades locais não serão capazes de administrar os impostos, nem chegar a um acordo com as empresas contribuintes. Essa é uma política da liderança do país, por isso não há indignados."

Os produtores de petróleo  também acham melhor entregar parte de suas receitas ao governo federal:

"Assim fica mais fácil chegar a acordos sobre assuntos controversos."

Agora, as autoridades regionais e municipais depositam grandes esperanças no desenvolvimento de indústrias associadas: a extração de petróleo exige uma boa infraestrutura.

A construção dessas infraestruturas compete às empresas locais, que são contratados pelas empresas petrolíferas para quase todos os tipos de atividade relacionados com a produção de petróleo.

Sua contribuição para os orçamentos regionais é bastante grande e pode, com o tempo, chegar ao montante pago pelas próprias empresas de petróleo, dados seus planos ambiciosos de iniciar a exploração de novas jazidas petrolíferas.

As companhias de petróleo, por sua vez, estão conscientes de que devem ter uma imagem positiva nas regiões onde trabalham. Em razão disso, investem, não raro, em projetos sociais, apoiam financeiramente equipes esportivas locais, constroem escolas e jardins de infância. Mas tudo isso são ações episódicas.   

Kirill Mélnikov - colunista do jornal Kommersant

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