As reações ao discurso de Pútin ao Parlamento russo

Foto: Reuters / Vostock Photo

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Analistas políticos consideram o primeiro discurso presidencial anual de Vladímir Pútin ao parlamento russo depois de quatro anos afastado do Kremlin como rico de conteúdo e dizem que Pútin explicou por que voltou à Presidência do país. Já os críticos da política putinista dizem que a fala do presidente não traz ideias novas.

Em entrevista à Gazeta Russa, políticos e cientistas comentaram o primeiro discurso de Vladímir Pútin ao Parlamento russo depois de voltar à presidência do país neste ano. Em primeiro lugar, os entrevistados chamaram a atenção para a tese de preservação da identidade nacional e ideológica da nação russa e as próximas reformas do sistema político do país. Já os críticos da política de Pútin dizem que sua fala não traz nada de novo.

O diretor científico do Centro de Política Atual, Aleksêi Chesnakov, afirma que o discurso presidencial foi "bom e orgânico" e determinou, em muitos aspectos, a agenda do mandato de seis anos do atual presidente do país.

"Uma das coisas mais importantes foi o discurso ter dado sinais específicos tanto a diferentes públicos-alvo (médicos, professores do ensino médio, militares), quanto a diferentes grupos ideológicos. Tanto liberais quanto ‘socialistas’ ouviram coisas importantes", disse o analista.

Segundo ele, o discurso presidencial foi dedicado também aos valores ideológicos e morais e fixou determinados padrões morais necessários ao desenvolvimento do país.  

"A fala foi muito clara quanto à necessidade de preservar o povo, mencionada, em outros tempos, por Aleksandr Soljenistin", salientou Chesnakov.

O diretor-geral da Agência de Comunicações Políticas e Econômicas e membro da Câmara Pública, Dmítri Orlov, concorda plenamente com essa avaliação.

"A ideia-mestra do discurso presidencial é preservar o povo", disse Orlov, citando como prova os apelos do presidente para a classe criativa e suas teses sobre a necessidade de desenvolver a classe média e o papel dos intelectuais provinciais.

"Pútin atendeu à demanda da sociedade pelo ressurgimento dos valores morais e a consolidação da ideologia patriótica. O discurso presidencial foi pautado pelas teses sobre os valores morais e patrióticos", afirma Orlov.

Reformas políticas

Os analistas destacam ainda os itens referentes às próximas reformas políticas, especificamente à volta da adoção do sistema misto de eleições, segundo o qual os deputados federais serão eleitos por círculos uninominais e por listas dos partidos.

Chesnakov lembra que a tese de retomada do sistema misto foi discutida há muito tempo.

"A necessidade de tais reformas é condicionada à mudança do número de partidos políticos e à readoção das eleições diretas para governador regional", esclarece o especialista.

Já o diretor do Instituto de Estudos Socioeconômicos e Políticos, Dmítri Badovski, acredita que a retomada de eleições por círculos uninominais completa a lógica da reforma política que está em andamento no país há dois anos. O novo sistema de eleições para deputado federal dará continuidade à política de readoção das eleições diretas para governador regional, implantação de um novo esquema de formação do Conselho da Federação (câmara alta do parlamento russo) e liberalização das leis sobre os partidos políticos.

"As pessoas querem eleger seus próprios deputados e precisam de um parlamento que lhes seja próximo. Isso permitirá melhorar a qualidade do trabalho da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo), tornar os partidos mais ativos e renovar o corpo de deputados porque, atualmente, pessoas novas têm poucas chances de ser incluídas nas listas partidárias", disse Badovski.

Orlov acredita que, com a adoção do novo sistema eleitoral, poderá surgir uma ampla coalizão de interesses. Isso será do interesse de muitos políticos carismáticos e da parte ativa do movimento de protesto.

"Ninguém é proibido de criticar o governo, de não fazer parte de nenhum grupo político, nem de ser ator autônomo", disse o analista.

Chesnakov aponta ainda que o presidente propôs iniciar uma discussão sobre a possibilidade de readoção da prática de сoalizões e alianças eleitorais.

"Nesse caso, seria bom saber quais regras serão estabelecidas para a criação de alianças, quantos partidos poderão se aliar e se as alianças eleitorais terão a mesma cláusula de barreira estabelecida para um único partido. As próximas eleições legislativas acontecerão em 2016, portanto, essa discussão é de longo prazo", disse o cientista político.

No entanto, nem todos os políticos ficaram entusiasmados com o discurso presidencial. O vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Comunista da Federação Russa (KPRF, na sigla em russo), Sergêi Rechulski, diz que não ouviu nada de novo.

"O discurso reproduziu as ideias contidas nos pronunciamentos anteriores de Pútin e Medvedev. Não ouvi nada de novo que me levasse a crer que o país começaria a se desenvolver", afirmou o deputado.

O deputado disse estar surpreso com o desejo do presidente de alterar novamente a lei eleitoral.

"Temos que admitir que a reforma do sistema partidário fracassou. O discurso foi mais ambicioso do que factível", disse o deputado comunista.

"Esse foi o discurso mais forte na história do gênero", discorda Badovski.

“O discurso presidencial tem um alcance maior do que o próprio mandato de seis anos de Pútin porque o presidente falou sobre o futuro do país após as próximas reformas substancias. O fundamental é saber se a Rússia será capaz de preservar, após anos de turbulência, sua identidade nacional e continuar a ser ela mesma. O futuro do país depende da coesão que o governo e a sociedade conseguirem alcançar nas próximas décadas", diz o analista.

Falando dos valores, Pútin evitou usar uma linguagem de decretos e indicações.

"De fato, ele respondeu à pergunta que lhe fizeram durante todo o ano: por que voltou à Presidência do país. E ele explicou: para que a Rússia continue a ser Rússia", concluiu o analista. 

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