“Rússia é fator de estabilidade no Oriente Médio”

Foto: Serguêi Kúksin / Rossiyskaya Gazeta

Foto: Serguêi Kúksin / Rossiyskaya Gazeta

O Oriente Médio continua a ser uma das regiões de importância crucial para a Rússia e o país não tem a intenção de diminuir sua presença nessa região. Na última parte da entrevista com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguêi Lavrov, na sede do jornal “Rossiyskaya Gazeta”, o chanceler comentou que os russos farão o possível para evitar a evolução dos acontecimentos diante da possibilidade de uma intervenção militar no Irã.

Rossiyskaya Gazeta:Nossos parceiros ocidentais costumam dizer que, em consequência da Primavera Árabe, a Rússia perdeu sua influência no Oriente Médio. O senhor concorda com essa afirmação?

Serguêi Lavrov: Não concordamos com isso, até porque nossos contatos com os principais países da região não se tornaram menos intensos e, em alguns casos, ficaram ainda mais ativos. Os representantes desses países têm o prazer de vir à Rússia, nós mantemos contatos com todos os grupos de oposição, inclusive aqueles da Síria. Nenhum deles, nem mesmo a oposição mais radical, diz coisas que ouvimos de nossos colegas ocidentais e alguns políticos da região.

No entanto, existem outros exemplos como, Yusuf al Qaradawi, um religioso famoso por lançar regularmente invectivas a nosso país através da rede de televisão Al Jazeera. Mas isso é uma anomalia. A grande maioria dos oposicionistas sírios, os países árabes e outros com os quais mantemos contatos começam sempre qualquer conversa conosco por dizer que, para eles, é muito importante que a Rússia mantenha sua presença na região. Aconteça o que acontecer, a Rússia continuará a ser considerada como parceiro confiável e fator importante, capaz de garantir um equilíbrio geopolítico nessa área.

Entre 8 e 10 de outubro deste ano, Moscou foi visitada pelo primeiro-ministro do Iraque, Nuri al Maliki. Recentemente, alguns políticos haviam dito que a Rússia ficaria do “lado errado da história”, referindo-se aos acontecimentos no Iraque. Mas a Rússia seguia firmemente seus princípios, tentando fazer com que as decisões fossem tomadas em conformidade com o direito internacional, e não pela simples razão de Colin Powell ter mostrado no Conselho de Segurança uma proveta com um pó branco, apresentado como antraz, para persuadir os membros do Conselho a aprovar uma operação militar contra Saddam Hussein.

Naquela época conseguimos defender os princípios do direito internacional precisamente porque não demos o consentimento para que a guerra no Iraque fosse aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. Estamos usando a mesma tática em relação à Síria e temos sempre presente a lição da Líbia, que é lembrada por todo o mundo. Naquele momento, o direito internacional foi submetido a uma dura prova e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU acabaram sendo deturpadas. E vejam o que está acontecendo na Líbia. Da tragédia de Benghazi e do violento combate de Bani Walid, nem falo.

Nossos colegas ocidentais do Conselho de Segurança da ONU não têm muita vontade de falar sobre a situação na Líbia, tentando, ao mesmo tempo, nos persuadir a aprovar a resolução sobre a Síria. Nossa posição é a seguinte: primeiro, devemos tirar lições da experiência na Líbia para não repetir esse erro colossal. Para nós, é um axioma absoluto.

No que diz respeito às declarações de que estamos do lado errado da história ou de que perdemos o Oriente Médio, todas elas não passam de um mero engano, uma tentativa de fazer passar o desejo por realidade e colocar determinadas forças políticas contra nós. Mas só grupos regionais marginais podem fazer parte desse jogo. Os países sérios e líderes da oposição maduros entendem bem como as coisas deveriam correr e encaram a Rússia como fator estabilizador na região.

R.G.:O senhor acredita que Israel e os EUA irão bombardear as instalações nucleares do Irã? Há possibilidade real de uma nova guerra?

S.L.: Como mostrou a experiência na Líbia, o roteiro militar é infelizmente possível. Por isso, vamos ser muito exigentes com todos os projetos de resolução apresentados ao exame do Conselho de Segurança da ONU e não permitiremos mais que seus textos sejam interpretados de forma tão  astuciosa.

Quanto ao Irã, sabemos o que Israel e os EUA dizem a esse respeito. No entanto, não há nenhuma evidência de que o Irã tenha decidido desenvolver um componente militar de seu programa nuclear. Todo o programa nuclear da República Islâmica do Irã está sendo concretizado sob o controle da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).

O Irã enriquece urânio a 4,5 % para produzir combustível. Alguns de nossos colegas dizem não entenderem por que o Irã precisa produzir combustível nuclear em um momento em que o combustível para a usina atômica de Busher é fornecido pelos russos. Mas, segundo afirma o governo iraniano, o país precisa de combustível para seu reator de pesquisa em Teerã, o que não é proibido pelo TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares), e enriquece urânio a 20 %.

Esse reator utiliza um combustível de uma taxa de enriquecimento mais alta.

Infelizmente, a AIEA não conseguiu acordar com o Irã um esquema para fornecer externamente combustível para seu reator de Teerã. A culpa não foi nossa por terem surgido dificuldades nesse caminho. Por outro lado, o reator de Teerã não está sob embargo e o desejo do Irã de obter combustível para ele é completamente legítimo.

É importante saber que aquilo que o Irã está fazendo não é proibido pelo Tratado TNP nem pelo regulamento da AIEA. Os problemas surgiram quando se soube que, há muitos anos, o Irã havia tido um programa nuclear secreto. Desde então, a AIEA tem se esforçado por entender a natureza desse programa nuclear. Em termos práticos, nada daquilo que é proibido foi descoberto no Irã. Só foram encontrados documentos, cuja origem é o objeto de esclarecimentos solicitados pela AIEA ao governo de Teerã.

É claro que nós apoiamos essa posição porque qualquer violação do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares é inadmissível. Mas todas as unidades nucleares declaradas pelo Irã ao longos dos últimos anos estão sob monitoramento da AIEA. As instalações nucleares iranianas estão equipadas com câmeras que monitoram em tempo real as centrífugas e outras unidades e são visitadas regularmente por inspetores da AIEA.

Certamente queremos que a cooperação entre o Irã  e a AIEA seja mais estreita e que o governo de Teerã comece a cumprir o Protocolo anexo ao Acordo de Salvaguardas. Apesar de esse documento ser opcional, seria importante que o Irã cumprisse as exigências adicionais decorrentes desse protocolo, atendendo ao histórico de seu programa nuclear.

Mas repito: atualmente, todas as instalações nucleares declaradas pelo Irã estão sob o controle da AIEA. Estou seguro de que, no caso de um bombardeio ao Irã, surgirá um forte movimento no país a favor de romper as relações com a comunidade internacional e expulsar os inspetores internacionais e nos restará apenas supor sobre o que está acontecendo nas  instalações nucleares iranianas.

Qualquer ameaça militar seria a maneira mais rápida de provocar os políticos radicais do Irã a começar a desenvolver ativamente um componente militar de seu programa nuclear. Atualmente, no Irã, no Oriente Médio e em muitos países árabes cresce o número daqueles que afirmam que a única maneira de se defender contra as revoluções de toda a espécie e mudanças do regime é possuir armas nucleares. Essa é a consequência mais perigosa, em termos de segurança internacional, da chamada política de “democratização do Grande Oriente Médio” e da Primavera Árabe, que deu vigor às forças que hoje promovem caos na região. 

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