Petróleo russo, sorte ou maldição?

Ilustração: Sergêi Iórch

Ilustração: Sergêi Iórch

Dois especialistas apontam caminhos para diversificar a economia e garantir o desenvolvimento estável do país.

1) Tudo gira em torno das instituições


Depender de recursos naturais como principal fonte de riqueza não necessariamente faz de um país refém da “maldição dos recursos naturais”. Durante décadas, Noruega, Canadá e Austrália combinaram uma abundante produção desse tipo de commodity com democracia e prosperidade amplamente compartilhada. Mais recentemente, o Chile também demonstrou como uma economia em desenvolvimento com abundância em recursos naturais pode caminhar rumo a uma democracia estável.

É claro que as economias que dependem de minerais também veem sua fortuna crescer e diminuir com a variação de preço das commodities. Mas os picos e as depressões podem ser suavizados por meio do acúmulo de fundos de ajuda e do desenvolvimento de mercados financeiros elaborados.

O setor petrolífero, em particular, é também uma potencial fonte de desenvolvimento tecnológico, capaz de impulsionar outras indústrias junto consigo. As principais companhias de petróleo dos EUA e da Europa gastam bilhões de dólares anualmente em pesquisa e desenvolvimento, alcançando resultados impressionantes.

Mas se isso pode acontecer no Ocidente, por que não está ocorrendo também na Rússia?

As principais razões são posse e concorrência. A empresa privada russa Novatek é muito mais eficiente do que a estatal Gazprom. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento na gigante russa do gás ficam bem atrás daqueles que em outros indústrias petrolíferas muito mais competitivas.

Além disso, a Rússia não está sozinha ao falarmos de países onde a abundância de recursos minerais desestimula a reforma de mercado e a democratização. No mundo inteiro, “as elites dos recursos naturais” tentam erguer estruturas políticas para proteger o acesso a tais fontes.

No entanto, não se pode negar que a Rússia depende fortemente do petróleo e qualquer estratégia para mudança terá que levar isso em conta. Uma alteração de 10% no preço do petróleo gera variação de aproximadamente 1% no PIB. O orçamento do Estado está ainda mais atrelado aos preços do petróleo. Enquanto cinco anos atrás, o valor de US$ 55 era suficiente para Rússia gerenciar um orçamento não deficitário, uma redução nos preços de petróleo para US$ 55 por barril por dois anos agora resultaria inevitavelmente em turbulência política.

O que podemos fazer para diminuir a dependência da Rússia em relação ao petróleo e ao gás? Acima de tudo, temos que pensar além deste setor. Precisamos facilitar o fluxo de investimentos em outras indústrias. E isso pode ser feito seguindo o decreto do presidente Vladímir Pútin em maio deste ano sobre as políticas econômicas de longo prazo do Estado.

O documento aconselha a privatização de todas as demais indústrias até 2016, uma medida que por si só irá melhorar o clima de negócios na Rússia. Alguns analistas sugeriram que o estímulo dessa medida poderia alavancar a posição do país no ranking “Doing Business” (“Fazendo negócios”, português) do Banco Mundial do atual 120º lugar para o 50º. Até 2018, a Rússia poderia ocupar um lugar entre os 20 primeiros colocados.

A análise comparativa entre países mostra que a expansão dos demais setores também irá acrescentar dois pontos à taxa de crescimento do PIB da Rússia.

E o que falar sobre a outra abordagem para diversificação, isto é, construir uma  “estrutura descendente” não baseada na produção de petróleo e gás? A experiência de outros países sugere que a confiança em tal método pode ser equivocada. Em seu livro, “Boulevard of Broken Dreams” (“Bulevar dos Sonhos Despedaçados”, em tradução livre), o professor da Harvard Business School e um dos principais pesquisadores sobre negócios de risco Joshua Lerner mostra que até mesmo nos Estados Unidos, com seus burocratas profissionais e não corruptos, tais tentativas fracassaram.

Claro que não deveríamos pensar que a “maldição dos recursos naturais” pode ser rompida simplesmente por meio de um programa de privatização. Também temos que combater a corrupção e lutar pelo proteção dos direitos de propriedade, desmantelamento dos monopólios e desregulamentação econômica.

As autoridades devem prestar contas e seus procedimentos precisam ser transparentes. Caso contrário, não há motivo para acreditar que a Rússia irá evitar essa “maldição”. Um país corrupto e enterrado em burocracia não tem um caminho fácil para atingir uma economia democrática e diversificada. Por outro lado, se conseguirmos sair da armadilha de corrupção e do capitalismo de Estado, então podemos esperar crescimento e diversificação, bem como responsabilidade e transparência das autoridades.

 

Serguêi Guriev é um renomado economista russo e reitor da Nova Escola de Economia de Moscou

 

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2) Reinvestindo riqueza em tecnologia

A demanda global pelos recursos minerais da Rússia é enorme. As exportações de petróleo e seus derivados duplicaram de 120 para 240 milhões de toneladas ao longo da última década – de US$ 50 bilhões a US$ 390 bilhões em termos financeiros. Mas, paralelamente, a demanda por produtos manufaturados russos e outros setores que utilizam o know-how nacional enfraqueceu. 

De certo modo, isso não é novidade alguma: como as exportações de commodities cresceram, seu papel na economia do país também aumentou. Mas aceitar isso como o curso natural das coisas é perigoso. O orçamento federal da Rússia é extremamente dependente das receitas geradas por commodities. De acordo com dados oficiais, o setor de commodities contribuir com cerca de 60% do orçamento federal. Na realidade, esse índice chega entre 75 e 80% se considerarmos que grande parte do setor de serviços recebe apoio financeiro do setor de petróleo e gás.

Enquanto a “maldição dos recursos naturais” parecer inevitável, precisamos usar ativamente a riqueza que nossas commodities nos trazem. O problema é que estamos desperdiçando o capital que ganhamos com a venda de nossos recursos naturais, gastando de forma imprudente em investimentos de serviços não produtivos, por exemplo, em vez de aplicá-los no desenvolvimento de setores “reais” da economia.

Isso porque o poder na Rússia é controlado por uma burocracia fundamentada em commodity que tornou-se altamente dependente das receitas e cortes dos preços de petróleo e gás. Alguns observadores argumentam que o desenvolvimento da indústria de petróleo e gás pode automaticamente elevar os outros setores da economia. Esse é um exagero grosseiro.

Como acontece em todos os lugares, o setor de petróleo e gás na Rússia requer alta tecnologia. Porém, uma vez que as necessidades da indústria foram há muito tempo definidas e mudam pouquíssimo de ano para ano, nunca servirão como força motriz para uma revolução científica e tecnológica. As grandes companhias russas como Gazprom e Rosneft gastam quantias moderadas em pesquisa e desenvolvimento – somente em torno de 1% de seus receitas anuais. Esse não é o tipo de capital que pode estimular o desenvolvimento dos setores correlacionados.

Pior ainda, frequentemente nos culpamos de não tentar criar algo novo para nós mesmos. Ao invés disso, preferimos comprar tecnologia de fora (em geral, não a mais avançada) e tentar dar a ela um toque de inovação. A indústria de nanotecnologia seguiu esse padrão, tentando fazer com que a tecnologia ultrapassada de Taiwan parecesse fruto de um talento próprio em termos de alta tecnologia.

A conivência oficial é também raiz do problema. Um governo que verdadeiramente almeja desenvolvimento saberia que a mudança não acontecerá por si só. Se queremos reduzir o papel dominante que as commodities desempenham na economia russa, é preciso adotar novas políticas e direcionar investimento para os setores com maior potencial. Na minha opinião, a Rússia tem quatro áreas onde poderíamos potencialmente nos tornar líderes globais.

A primeira delas é a energia, mas usando esse recurso de maneira sábia. Em vez de simplesmente mandar nosso petróleo para o exterior, precisamos comercializar seus derivados. O segundo campo é o da matemática aplicada, onde temos um histórico e cultura de longa data. Na sequência, podemos destacar o setor aeroespacial e, por último, a biotecnologia. O passo essencial para avançar nesses setores é a introdução de incentivos fiscais às empresas de inovação .

As companhias no centro de inovação Skôlkovo, nos arredores de Moscou, já estão se beneficiando desse tipo de iniciativa. Todo empreendedor na Rússia cujas atividades se inserem no âmbito da lei de inovação devem receber as mesmas oportunidades das quais gozam os residentes do Skôlkovo. Se isso acontecer, em cinco anos, uma grande quantidade de pequenos negócios cresceria até atingir médio porte, e nós teríamos um forte ingresso de capital estrangeiro. Atualmente, as pequenas empresas são responsáveis por apenas 10% do PIB. Ao adotar as medidas certas agora, daqui a dez anos nossa economia baseada no conhecimento poderia responder por até 50% das receitas do orçamento federal. Isso não significa que o setor de petróleo e gás vai diminuir – apenas que as receitas de outros setores vão aumentar, ampliando as chances de prosperidade do nosso país.

Ivan Gratchov é presidente da Comissão de Energia na Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo)

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