Ilustração: Aleksêi Iosch
As manifestações em massa antiamericanas provocadas em setembro passado pela divulgação do filme “A Inocência dos Muçulmanos” na internet levaram a administração Obama a rever sua estratégia em relação ao Oriente Médio. Outro motivo foi o fato dos eventos acontecerem durante a campanha eleitoral no país.
Em consequência do fracasso de sua política de pacificação dos islamistas no âmbito de uma “aliança estratégica” com os governos do Qatar e Arábia Saudita, empenhados em levar a Irmandade Muçulmana ao poder nos países árabes situados fora da Península Arábica, os EUA não romperam suas relações com esses países, tornando-as, contudo, menos intensas.
O assassinato do embaixador e três diplomatas norte-americanos na Líbia cometido pelos ex-rebeldes é um de muitos exemplos do gênero observados no mundo islâmico. Eles estavam perfeitamente familiarizados com a rotina diária e a disposição interna do prédio do consulado americano em Benghazi por tê-lo visitado com frequência para encontros com altos diplomatas americanos.
Outra tendência semelhante foi observada durante os recentes confrontos em massa entre soldados afegãos e seus “irmãos de armas” ocidentais em que as tropas da coalizão ocidental no Afeganistão sofreram perdas humanas mais numerosas do que em combates diretos com os talibãs. Diante disso, o comando da Otan proibiu que as unidades militares inferiores a um batalhão realizem quaisquer operações conjuntas com os militares e policiais afegãos.
Podemos
afirmar que os EUA e a Otan enfrentam no Oriente Médio problemas semelhantes
aos sofridos pela União Soviética no período de expansão do bloco socialista
pela região, com a única diferença de que
agora os EUA e seus aliados estão tentando implantar a democracia, e não o
socialismo.
Os investimentos ocidentais no processo
são feitos em moeda livremente conversível, o que facilita seu desvio em
detrimento de grandes projetos na agricultura, indústria e infraestrutura.
Os diplomatas e conselheiros militares americanos e europeus, como outrora soviéticos, viram alvo de ataques por parte de grupos paramilitares e políticos locais assim que se tornam desnecessários a seus chefes políticos ou militares.
A análise dos protestos que seguiram o filme polêmico feita pelo Instituto de Estudos sobre o Oriente Médio (IEOM) permite dividir os países onde houve manifestações em diversas categorias.
A primeira categoria inclui os países da Primavera Árabe, onde o poder está sendo disputado entre os grupos próximos do Qatar (“islamistas moderados”) e aqueles apoiados pela Arábia Saudita (salafistas). Afastados do governo, os salafistas estão tentando tirar o controle da situação dos “islamistas moderados” que ocuparam posições-chave nos setores executivo e legislativo do governo.
O segundo conjunto inclui os países e as monarquias árabes, onde a situação política interna é controlada pelos governos locais. Nesses países, as manifestações antiamericanas ainda não resultaram em agressões contra as instalações americanas e são utilizadas pelos governos locais como instrumento de pressão sobre os EUA ou como válvula de escape que redireciona com êxito a energia destrutiva das manifestações de rua para fora.
No terceiro e último grupo estão os países estranhos ao mundo islâmico, como a Rússia e os integrantes da União Europeia. Nesses locais, as manifestações dos seguidores locais do profeta Maomé não passam de uma demonstração do potencial combativo das comunidades islâmicas locais financiadas externamente e de sua disponibilidade para assimilar as ideias do pan-islamismo e servir de alicerce para ações globais. Paralelamente, não deixam de ser um teste de resistência para os governos em questão.
Desdobramentos
O confronto entre o Irã e as monarquias árabes no “crescente xiita” (território formado pelo Líbano, Irã, Iraque, Síria) envolvendo grupos hostis locais pode provocar um conflito armado de dimensão regional no Golfo Pérsico, independente de onde eclodir – seja na Síria, Líbano, Iêmen, Iraque, província oriental da Arábia Saudita ou no Bahrein.
Os especialistas do IEOM consideram que a guerra poderia começar em março ou abril de 2013, ou até mesmo antes, caso aconteça algum incidente em qualquer um dos países acima citados. Israel também está pronto para uma guerra com o Irã, inclusive sem o apoio dos EUA.
Nesse contexto, os resultados das próximas eleições presidenciais nos EUA têm grande importância. A vitória de Romney e, como resultado, a chegada dos republicanos ao poder, irá reforçar as relações militares entre os EUA e Israel em muitos aspectos, inclusive aquele referente à questão iraniana.
A
vitória de Obama, pelo contrário, irá enfraquecê-las, embora seu interesse em
manter boas relações com o Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos seja
por si só um argumento importante para que os EUA comecem uma guerra contra o
Irã.
Enquanto isso, na Rússia, o lobby iraniano e os grupos islamistas financiados
pelas monarquias árabes são revigorados diante da estagnação da guerra civil na
Síria e do próximo (e praticamente inevitável) conflito militar no Golfo
Pérsico com a participação do Irã.
Na imprensa iraniana, os artigos que pedem ajuda de Moscou para fazer frente ao Ocidente, redigidos em um estilo muito parecido com o estilo agressivo da propaganda soviética dos anos 50, aparecem ao lado dos materiais contendo fortes críticas aos especialistas russos e organismos internacionais que abordam o programa nuclear do Irã.
Os grupos sunitas radicais, sobretudo salafistas, intensificaram suas atividades nas regiões islâmicas da Rússia. Os atentados terroristas contra os líderes religiosos do islã tradicional e as campanhas de ocupação de mesquitas no território russo têm como pano de fundo uma retórica agressiva e acusações contra a Rússia, justificando o apoio do país aos xiitas e à oposição aos sunitas.
Apesar de tudo, isso evidencia o sucesso da política russa de neutralidade e não adesão a nenhuma das partes no conflito árabe-persa que está se desenrolando no mundo islâmico.
Evguêni Satanóvski é presidente do Instituto de Estudos sobre o Oriente Médio
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