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Os eventos daPrimavera Árabesão vistos pela diplomacia e analistas políticos russos como uma consequência dos conflitos sociais no Oriente Médio. Na terceira ou quarta década de sua existência, os regimes autoritários criados no lugar das monarquias depostas do Egito, Síria e Líbia não conseguiram mais garantir os progressos sociais de seus respectivos países, e muito menos a justiça ou oportunidades de ascensão social.
“Os acontecimentos no Oriente Médio têm uma conotação sociopolítica”, afirma o chefe do departamento de Oriente Médio e Norte da África do ministério das Relações Exteriores da Rússia, Serguêi Verchiínin.
Os militares à frente desses regimes se davam bem tanto com a administração norte-americana quanto com o governo de Moscou. Em sua época de comunismo, o Kremlin proibia a imprensa soviética de escrever sobre a repressão contra os comunistas nos países árabes aliados e fornecia armas em troca da possibilidade de influência na região.
Os EUA, por sua vez, preocupados em manter a estabilidade na maior região petrolífera do mundo continuam ignorando, ainda hoje, a ausência de uma das bandeiras mais levantadas pelo país no mundo inteiro, os direitos humanos.
Voltemos ao cerne da questão. A revolução islâmica no Irã em 1978 levou ao poder o regime de aiatolás e mostrou que organizações políticas islâmicas constituíam uma alternativa real aos líderes militares dos regimes autoritários, além de absolutamente viáveis. Essa era uma das razões pelas quais os líderes militares dos regimes autoritários eram tão implacáveis com os islamistas.
Hoje, a situação é diametralmente oposta. No Egito, o maior país árabe, os islamistas moderados cederam seu lugar na prisão ao ex-presidente Hosni Mubarak. O líder líbio Muammar Gaddafi foi assassinado por rebeldes, enquanto o presidente tunisino Ben Ali foi condenado à revelia. Por fim, o líder iemenita Ali Abdullah Saleh sobreviveu milagrosamente a um atentado e se mudou para os EUA. Esses países, assim como outras nações com grandes comunidades islâmicas do Atlântico ao Pacífico, foram assolados por uma onda de protestos antiamericanos.
Ainda assim, a Rússia não tem a menor intenção de se aproveitar da presente situação no mundo árabe. “Sempre mantivemos bons contatos com os representantes do Islã moderado, cuja crença religiosa se aproxima da tradição religiosa dos muçulmanos russos. A Rússia tem interesse de intensificar suas relações políticas, econômicas e comerciais com os países árabes, inclusive aqueles abalados por comoções internas”, já havia declarado, em seu artigo de campanha presidencial, o atual chefe de Estado, Vladímir Pútin.
Após se livrar de questões ideológicas e ambições geopolíticas da época soviética, Moscou assume uma nova postura pragmática, já que as boas relações com o mundo islâmico têm um grande impacto nas comunidades muçulmanas espalhadas pelo interior do país.
E, ao que tudo indica, essa abordagem encontra eco no mundo árabe. Em setembro de 2011, o futuro presidente egípcio, Mohammed Mursi, disse à agência de notícias Ria Nóvosti que desejava ampliar a cooperação com a Rússia, dado seu potencial econômico e peso político no cenário internacional.
Apesar da vontade de estabelecer laços mais próximos, os contatos reais ainda não são numerosos. Talvez a cooperação russo-egípcia tome forme após a estabilização da situação interna no país árabe.
Paralelamente, as relações da Rússia com as monarquias do Golfo Pérsico se tornaram mais complicadas ultimamente. Esses países não passaram pelo período de colapso de monarquias e golpes militares. Pelo contrário, as características nacionais e históricas dos Estados beduínos do Golfo e sua atual prosperidade econômica baseada na venda de petróleo contribuíram para a consolidação de suas monarquias absolutas.
Por isso, o Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo (composto por Bahrein, Kuwait, Catar, Emirados Árabes Unidos, Omã, Arábia Saudita) interveio para reprimir a revolução em Bahrein e apoiar Ali Abdullah Saleh no Iêmen e Mubarak no Egito, concedendo ainda asilo a Ben Ali na Tunísia.
No caso da Síria, os países do Golfo estão ao lado da oposição, apoiando-a financeiramente. A razão é que o presidente Bashar Assad é um aliado-chave do Irã, que reivindica liderança da região. O conflito assume, assim, a forma de confronto entre os dois ramos do Islã: os sunitas, corrente dominante nos países do Golfo, e os xiitas que estão no comando no Irã, Síria e agora no Iraque.
Nesse cenário, a Rússia enfrenta a Arábia Saudita, Catar e outras monarquias sunitas, rejeitando todas e quaisquer formas de pressão externa sobre a Síria com base em resoluções da ONU.
Mas Moscou é contra as resoluções do Conselho de Segurança da ONU para instituir a mudança de regime na Síria, como aconteceu na Líbia, e é pouco provável que o país reconsidere sua posição. As chances de alguém se atrever a promover quais intervenções militares na Síria sem a aprovação das Nações Unidas também são mínimas.
“Temos relações muito boas com o mundo árabe em geral e não queremos intervir em confrontos internos. Temos igual respeito por todos os grupos conflitantes”, disse Pútin em uma entrevista na televisão no início de setembro. “Nossa posição é ditada por uma única coisa: o desejo de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento positivo da situação nos próximos muitos anos”, continuou o presidente russo.
Enquanto isso, o atual contexto é motivo de preocupação. Após a morte do embaixador norte-americano na Líbia, o chefe de Estado da Rússia fez um pronunciamento especial a esse respeito. “Tememos que a região possa mergulhar no caos, o que, na verdade, já está acontecendo”, afirmou Pútin. Diante da situação, a cooperação russo-americana na região poderia ser especialmente relevante.
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