Ilustração: Dan Potótski
Ao longo dos últimos meses, a “questão nacional” na Rússia ganhou novamente destaque nos meios de comunicação. Embora problemas de integração ocorram em áreas diversas pelo país, a discussão tem se concentrado, sobretudo, no Cáucaso do Norte, a mais turbulenta e imprevisível região russa.
São inúmeros os casos de conflito que sustentam essa má fama. Da desavença entre os dirigentes da Tchetchênia e da Inguchétia a respeito das fronteiras comuns à morte de um dos líderes espirituais dos muçulmanos russos, o xeque Said Afandi.
Sem contar a declaração do governador da região de Krasnodar, Aleksandr Tkatchiov, sobre a necessidade de criar patrulhas especiais de cossacos para defender o território contra pessoas originárias do Cáucaso. Nesse último caso fica ainda mais evidente a tentativa de contrapor cidadãos do mesmo país, pois o governador local não está se opondo a imigrantes estrangeiros ilegais, mas aos próprios russos que moram em outra região que faz parte da Rússia atual.
Diante de tudo isso, é preciso romper o silêncio ou levantar as barreiras que impendem uma discussão franca sobre a “questão nacional”.
Qualquer sociedade de composição variada, seja um país rico ou em processo de florescimento, corre algum risco potencial diante da ameaça de separatismo e conflitos étnicos. A experiência de países europeus e da América do Norte demonstra isso. No entanto, experiência dos EUA pode ser a mais interessante para a Rússia contemporânea.
Os tumultos raciais de 1968, que se seguiram ao assassinato do líder negro Martin Luther King, colocaram o país à beira do separatismo. Hoje, entretanto, passadas quatro décadas, o problema assumiu uma posição na arena social, deixando de lado seu componente político.
O êxito das iniciativas do governo para integrar essa parcela da população pode ser constatado pelo exemplo do presidente Barack Obama, de dois secretários de Estado da administração anterior, das estrelas da mídia e dos ídolos esportivos da juventude.
Desse modo, os excessos étnicos atuais, que se multiplicam a cada dia na Rússia, não devem levar à conclusão de que a situação está fatalmente predeterminada ou que o país caminha rumo à desintegração. Há possibilidade de um trabalho bem-sucedido orientado para o futuro. Para tanto, é necessária, antes de tudo, a modernização da política nacional e de seus elementos.
Caso contrário, no vácuo que já se formou, surgirão projetos nacionais diversos em que a Rússia como um Estado único para todos os seus habitantes, independentemente de suas origens étnicas, não terá lugar.
Infelizmente, a política nacional foi muito tempo considerada uma questão folclórico-etnográfica. Até mesmo a formação um departamento específico parece emblemática, pois, em sua atividade prática, as autoridades tiveram dificuldade em encontrar uma carga funcional relevante.
A política nacional reduziu-se, em muitos casos, a um sistema de medidas que visava estabelecer prioridades para grupos étnicos, determinar qual povo podia ser considerado “titular” ou “aborígene” de qual região e definir quem devia se adaptar aos mais autóctones em determinado território.
Esse estado de espírito contagiou não só marginais e extremistas, mas também representantes do partido dirigente, propondo o fortalecimento da prática do registro e medidas de contenção dos migrantes, incluindo cidadãos de outras regiões da Rússia.
O resultado é que foram construídas relações com base não em pessoas e cidadãos, mas em etnias que, compreendidas como personalidades coletivas, facilitaram a segmentação da sociedade russa. Para os especialistas, está claro que não é possível trabalhar com essas “cercas”.
Leis objetivas de teor econômico, geográfico e demográfico contradizem essa ideia. Se a população das repúblicas do Cáucaso do Norte aumentar, mas os recursos materiais da Tchetchênia, Daguestão ou Inguchétia não forem insuficientes, será impossível deter o êxodo da população desempregada com cordões de isolamento. Além disso, a migração acaba funcionando como medida preventiva. Sem a migração interna, as chances do caldeirão caucasiano explodirem são muito maiores.
O importante aqui não é defender os “russos bons” ou os “caucasianos bons”, mas pensar em um modo de garantir, qualitativamente, que representantes dos diversos grupos étnicos, dos diferentes regimes sociais e familiares e das diferentes éticas trabalhistas, sejam leais ao Estado e à sociedade russa.
Atualmente, há tímidos sinais de que a situação será modificada. Em agosto deste ano, foi realizada em Saransk a primeira reunião do Conselho para Relações entre Nacionalidades. Subordinado à presidência e composto de representantes conceituados do setor acadêmico, o grupo pretende elaborar novas bases conceituais para a política russa nessa esfera tão delicada.
Na reunião, o acadêmico Valieri Tichkov, diretor do Instituto de Etnologia e Antropologia da Academia de Ciências da Rússia, constatou corretamente que “o direito das minorias e o direito da maioria só podem ser respeitados em um ambiente comum e não de forma isolada para cada comunidade”.
Segundo ele, o isolamento de determinadas nacionalidades não apenas em territórios predefinidos, mas também no sentido cultural, pode exercer uma influência desintegradora sobre o Estado.
Não há outra via de luta contra a xenofobia, contra atos de terrorismo e crimes étnicos e contra o fechamento de unidades da federação, a não ser a formação de uma nação russa político-civil unida. E quanto mais depressa a Rússia elaborar a sua nova política nacional modernizada, baseada não no “princípio do sangue”, mas na lealdade e no pertencimento a uma comunidade político-civil, mais rapidamente o país alcançará uma unidade não apenas declarada, mas verdadeira.
Serguêi Markedonov é pesquisador convidado do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington (EUA)
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