“EUA devem tirar lições da recente fatalidade”

Presidente norte-americano Barack Obama (à dir.) e a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton (à esq.). Foto: AP

Presidente norte-americano Barack Obama (à dir.) e a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton (à esq.). Foto: AP

Ex-embaixador da Rússia em Trípoli atribui morte de diplomata americano na Líbia a falhas da política externa dos EUA.

O embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens, e três outros funcionários da missão diplomática norte-americana foram mortos em um ataque na última terça-feira (11) na cidade de Benghazi.

O atentado foi cometido pelos militantes do grupo Ansar al-Sharia em represália ao filme “A inocência dos muçulmanos”, rodado nos EUA e veiculado na internet. Segundo alguns grupos muçulmanos, o vídeo trata-se de um desrespeito à imagem do profeta Maomé.

Outros embaixadores já foram alvo de atentados terroristas:


Julho de 2012

Olga Fonseca, chefe da missão diplomática da Venezuela no Quênia, foi encontrada estrangulada em sua casa em Nairóbi

Setembro de 2008

O embaixador tcheco no Paquistão, Ivo Jdiarek, morreu em um ataque terrorista em Islamabad

Julho de 2005

Os chefes de duas missões diplomáticas em Bagdá: o embaixador da Argélia, Ali Belarussi, e o embaixador egípcio, Ihab al-Sherif

Março de 2003

O embaixador da Arábia Saudita, Mohammed Ahmed Rashid, foi assassinado em Abidjan, capital da Costa do Marfim

A tragédia coincidiu com um atentado contra a missão diplomática dos EUA no Egito.

A última vez que uma situação semelhante ocorreu com um diplomata dos EUA foi em 1979, quando o embaixador dos EUA, Adolph Dubs, foi sequestrado e assassinado no Afeganistão. Sua morte levou Washington a endurecer sua política em relação ao país e foi uma das causas da guerra eclodida mais tarde na região.

Em entrevista ao jornal Vzgliad, o ex-embaixador da Rússia na Líbia e diretor de relações internacionais da Fundação de Apoio à Cultura, Ciência e Educação Islâmica, Veniamin Popov, fala sobre a postura da administração americana em relação ao governo líbio, as causas da tragédia com e as lições que os EUA devem tirar do ocorrido.

Vzgliad: O senhor acredita que os EUA vão romper relações diplomáticas com a Líbia?

 

Veniamin Popov: Não acho que isso vá acontecer. A Líbia é um país muito rico, com grandes reservas de petróleo. Por isso, os EUA não vão abandoná-lo. Eles devem tentar minimizar o impacto dessa tragédia e acentuar a importância da cooperação com a Líbia.

 

Vzgliad: Poderia haver suspensão dos programas de ajuda à Líbia?

 

V.P.: Eles vão agir com mais cautela durante algum tempo, mesmo porque devem reagir de qualquer forma. Se não se posicionarem, amanhã serão novamente atacados. Afinal, isso é inadmissível. Quando se atira contra os diplomatas, como é possível estabelecer um diálogo?

O embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens. Foto: AP

Vzgliad: Quais são as chances de o governo líbio encontrar os autores do atentado?

 

V.P: Benghazi não é uma cidade tão grande. Acho que as autoridades líbias têm capacidade de encontrar os autores do atentado, mas não estou certo de que consigam prendê-los. A Líbia tinha enormes estoques de armas, que, hoje em dia, estão espalhadas por todo o país. Como resultado, todos têm armas.

 

Vzgliad:O senhor acredita que agora os americanos se arrependem de ter ajudado os rebeldes líbios no ano passado, reforçando assim a Al Qaeda no país?

 

V.P.: Os EUA e a Otan bombardearam a Líbia e agora estão colhendo os frutos de tal iniciativa. O país está dividido e não se sabe se será possível preservá-lo como um Estado único. Em várias regiões da Líbia, as tribos locais já reivindicam a independência.

Esse é um bom motivo para nossos parceiros americanos e europeus pensarem sobre o que eles estão fazendo na Síria, apoiando a Al Qaeda e os mais diversos grupos extremistas. Segundo a agência de notícia AFP, já existem pelo menos seis mil seguidores da Al-Qaeda no país. Essa é uma política míope. Eles devem entender que uma intervenção militar na Síria é inadmissível.

 

Vzgliad: O que a comunidade internacional poderia ter feito no ano passado diante das revoluções?

 

V.P.: No século 21, não podemos contar com uma solução militar para as questões religiosas nem étnicas. A superioridade militar não significa mais nada. Se a comunidade internacional tivesse tido bom senso, deveria ter convencido as partes envolvidas no conflito sírio a se sentar à mesa de negociações. As guerras civis nunca acabaram bem. Sinto muito pela morte dos diplomatas americanos, pois eles morreram por nada. Essa tragédia é consequência dos erros da política externa dos EUA.

Também devemos entender por que isso aconteceu: o país inteiro está destruído. É difícil dizer como construí-lo de novo. O problema é que os americanos querem repetir a experiência na Síria e isso é extremamente perigoso. Eles devem tirar algumas lições da recente fatalidade. 

Entrevista originalmente publicada pelo jornalVzgliad

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies