Conferência dos representantes da Agência Federal para Cooperação com Estados Independentes, Compatriotas que Vivem no Exterior e Ajuda Humanitária Internacional (Rossotrudnitchestvo) (esq. à dir.: Serguêi Lavrov, Dmítri Medvedev, Konstantin Kossatch
Kommersant: Um dos temas da conferência é a renovação dos métodos de trabalho da agência russa. Quais são os principais objetivos dessa iniciativa?
Konstantin Kossatchov: Ao falar de nossos objetivos e métodos é importante lembrar que a Rossotrudnitchestvo não surgiu do nada. A agência se baseia em tradições e procedimentos formados ainda na época soviética.
Em minha opinião, a URSS utilizou a “força branda” [soft power], embora não desse esse nome à sua postura diplomática, muito ativamente e não menos do que seus adversários na geopolítica da época. A reputação da União Soviética em todo o mundo, no mínimo, não era pior do aquilo que realmente ocorria em nosso país; em alguns aspetos, era até melhor.
A Rússia é a décima do mundo na classificação pelo índice de “soft power”. Assim anunciou o primeiro-ministro Dmítri Medvedev durante a conferência da Rossotrudnitchestvo, realizada no Ministério das Relações Exteriores da Rússia.
“É evidente também que a presença humanitária do país no mundo não corresponde às nossas possibilidades. De modo geral, estamos recuperando as posições que perdemos na década de 1990 por motivos bem conhecidos; perdemos significativo espaço para atores importantes do cenário internacional nesse campo, por exemplo, para os institutos Goethe, Cervantes e Confúcio”, disse Medvedev.
“No que se refere à força militar, sabemos muito bem que não estamos em décimo lugar, mas no grupo dos três primeiros: EUA, França e Alemanha”, declarou o premiê russo.
É claro que o sistema era inteiramente ideologizado e, portanto, não convém copiar a experiência anterior.
Kommersant: E agora?
K.K.: A Rússia tem mantido relativa paridade com os adversários da geopolítica no campo da “força bruta” – nós temos poderio militar e econômico, fora recursos. Mas, no que diz respeito à “força branda”, a meu ver, infelizmente, a essência dessa paridade foi perdida. A reputação e a imagem da Rússia no mundo, infelizmente, são muito piores do que a situação real de nosso país.
O mundo presume a culpa da Rússia, pois, quando acontece determinado fato interno, a questão é imediatamente voltada contra nós por simples inércia do pensamento social estrangeiro. Vamos supor que aconteça uma tragédia – um jornalista foi morto. Logo disparam: “Na Rússia, matam jornalistas porque não há liberdade de expressão”. Se acontece algum conflito com um empresário importante, então dizem que “o poder está privando esse empresário de seus bens, está redistribuindo a renda”.
A agência federal Rossotrudnitchestvo foi criada em setembro de 2008. A tarefa da instituição é apresentar ao exterior uma imagem objetiva da Rússia contemporânea, de seu potencial material e espiritual, bem como do rumo político interno e externo do país. A agência se ocupa dos problemas nacionais no exterior, participa de programas internacionais de ajuda humanitária e apoia numerosas organizações não-governamentais e religiosas da Rússia e de outros países.
Vou dar um exemplo. Nesta semana, a Rossotrudnitchestvo organizou em Berlim o festival “Constelação”, como parte das comemorações do Ano da Rússia na Alemanha. Entre outras coisas, conversei com um amigo, colega dos tempos de parlamento. Ele agora é deputado do Parlamento alemão (Bundstag) pela União Democrata-Cristã, que, como se sabe, trata a Rússia de modo bastante agressivo.
Pois ele me disse que, alguns dias atrás, havia lido um jornal alemão que descreveu ações anteriores da banda Pussy Riot. Ele foi enfático, reconheceu que, até aquele momento, estava certo de que as integrantes do grupo tinham sido punidas de modo injusto e apenas por motivos políticos. Mas, quando leu o artigo, levou um susto e se perguntou por que não tinham explicado tudo aquilo antes. Ele então me perguntou: “Mas por que vocês não divulgaram essa informação de modo amplo e irrestrito, no mundo inteiro?”
Kommersant: E o que o senhor respondeu?
K. K.: Disse que essas informações estão disponíveis, mas o Ocidente muitas vezes não quer saber de nada disso, justamente por causa daquela orientação social que só considera informações negativas sobre a Rússia e presume que o país é o culpado. Mas também reconheço que nós poderíamos trabalhar num plano mais sequencial e sistêmico.
Kommersant: Quem formula essa orientação negativa em relação à Rússia no Ocidente?
K. K.: Essa é uma questão complexa. Mas nós podemos comparar o ânimo acirrado do Ocidente em relação à Rússia com a situação de outros países não ocidentais, como, por exemplo, a China. Se agissem de acordo com um mesmo princípio, os críticos teriam motivos para se prender a muitas questões lá também, não é verdade?
Há muitos critérios pelos quais, no meu modo de ver, as discussões atuais em relação à Rússia são de ordem emocional, pois a situação política e sócio-humanitária em nosso país não é nem um pouco pior, mas até muito melhor, do que em outros Estados.
Kommersant: E por que isso acontece?
K. K.: O interesse pela Rússia agora, na minha opinião, é muito maior. A própria China é aparentemente considerada como um país que não vai mudar, não vai avançar, por isso ninguém tenta convencer ou dissuadir a administração chinesa de nada. Eles colaboram com a China sem tentar mudá-la.
Com a Rússia, já houve uma experiência de pressão externa “bem-sucedida”; inicialmente com Gorbatchov, depois com Iéltsin. A popularidade desses políticos no exterior, assim como o destaque de nosso país no Ocidente, alcançou o grau máximo no final da década de 1980, começo dos anos 90. Porém, para o nosso povo, esses foram exatamente os anos mais duros.
A administração russa atual está absolutamente certa e compreende de modo adequado quais são os interesses do país. A simpatia pela Rússia é um fator importantíssimo, mas não pode ser um objetivo em si. Não podemos aceitar as rédeas da opinião pública estrangeira só para agradá-la.
Kommersant: Poderíamos aprender com outros ex-integrantes da URSS? De todas as ex-repúblicas da União Soviética, a Geórgia tem hoje a melhor imagem no Ocidente.
K. K.: Aprender não é pecado. Mas na imagem positiva da Geórgia, embora muito do que fazem lá seja bem-sucedido, o principal componente é a conjuntura política. Enquanto, em relação à Rússia, costuma-se pressupor que o país é culpado, em relação à Geórgia, o Ocidente parte do ponto de vista de 100% de inocência. O líder georgiano pode fazer o que for, tudo é recebido com aplausos.
Imagine por um segundo que em algum lugar do país e, além disso, em circunstâncias suspeitas, seja morto o primeiro-ministro, adversário político do presidente. Quer dizer, estou falando de Saakachvili [presidente da Geórgia] e Jvania [primeiro-ministro da Geórgia de 2004 até sua morte, no ano seguinte]. Agora imagine a discussão que seria levantada no Ocidente se uma coisa dessas acontecesse na Rússia. Só que o Ocidente não julga a Geórgia: um homem morreu e está tudo certo, foi uma eventualidade.
Voltando à Rossotrudnitchestvo, nossa agência deve, então, promover uma relação normal e objetiva com a Rússia, sem ideias preconcebidas. Não estamos falando de criar um retrato irreal, mas de uma imagem adequada e correta. Isso já seria muito melhor do que o que temos até agora.
Versão integral originalmente publicada no site do Kommersant
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: