"Os líbios começaram a destruir arsenais químicos (na foto) mas, com o início das operações militares, o processo foi interrompido". Foto: AFP / EastNews
Especialista em armas químicas e chefe do grupo de segurança do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia, Natália Kalínina diz considerar pouco provável que o regime sírio utilize armas contra os rebeldes.
Dias atrás, o presidente norte-americano Barack Obama avisou o regime sírio de Basha Assad que o uso de armas químicas daria motivo à invasão americana ao país.
Gazeta.ru:Há muitas armas químicas na Síria?
Natália Kalínina: Não são muitas, mas existem. O detalhe é que a Síria assinou já em 1993, mas não aprovou até agora a Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas.
Durante longo tempo, essa tática foi um dos elementos importantes da política dos países do Oriente Médio.
Na Líbia, por exemplo, em 2004, foram descobertos arsenais químicos, embora esse país tivesse aprovado a Convenção acima citada que entrou em vigor em 1997.
Os líbios começaram a destrui-los mas, com o início das operações militares, o processo foi interrompido.
A atitude da Síria, da Líbia e do Egito para com a Convenção sempre dependeu da situação geral no Oriente Médio e da posição de Israel.
Quando Israel encerrar seus programas nucleares e destruir o arsenal químico de que possivelmente dispõe, esses países serão membros de pleno direito dessa convenção.
G.:E que tipo de armas químicas a Síria pode ter?
N.K.: A Síria provavelmente tem gases vesicantes como o gás mostarda e, possivelmente, gases de primeira geração como fosgênio.
É pouco provável que tenha armas de última geração como agentes nervosos organofosforados. Isso porque eles não podem ser armazenados durante muito tempo sem se fazer notar, têm um prazo limitado de armazenamento seguro.
Assim, a solução é trocá-las de embalagem ou destrui-las. É impossível fazê-lo clandestinamente, e, nos últimos anos, não há notícias de ações do tipo.
G.:Afirma-se que, durante a repressão da revolta sunita na cidade síria de Hama, em 1982, quando 18 mil pessoas foram mortas, o exército do país teria usado armas químicas. É verdade?
N.K.: Não há informações oficiais sobre esse assunto, apenas investigações não oficiais, inclusive jornalísticas.
Ninguém admitiu o uso de armas químicas , embora hajam depoimentos de vítimas. A ONU não aplicou quaisquer sanções contra a Síria a esse respeito.
G.:A comunidade internacional tentou controlar as armas químicas sírias?
N.K.: Não, a questão do controle nunca foi levantada porque o governo de Damasco nunca admitiu ter armas químicas.
Além disso, a Síria não fazia parte da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas, nem era alvo de embargo quanto a vendas de armas ou gases de combate.
Por isso, a Síria nunca recebeu visitas de observadores internacionais ou comissões de inquérito.
G.:Quais meios de transporte de armas químicas estão à disposição do presidente Bashar Assad? Qual é a probabilidade de essas armas serem usadas durante o conflito na Síria?
N.K.: Supondo que a Síria possua agentes vesicantes obsoletos, esses devem ser armazenados em barris, tornando difícil seu uso para fins militares: a única maneira seria por meio de derramamento.
Para ter efeito de uma arma, os produtos químicos devem ser lançados por projéteis de artilharia etc. Na atual situação síria isso é impossível.
Resumindo, dificilmente podemos esperar que Assad use as armas químicas em larga escala. Mas as armas químicas podem cair nas mãos de terroristas ou ser desviadas. Nesse caso, poderão representar um grande perigo.
Além disso, se um barril com produtos químicos for derramado ou pulverizado a partir de um avião em uma área limitada, isso vai terá amplo alcance, assim como qualquer outro atentado terrorista.
No que diz respeito à hipótese de esses produtos serem usados para fins militares, de acordo com os cânones da guerra, acho que é impossível.
G.:Como as armas químicas surgiram no Oriente Médio? A União Soviética ajudou os países árabes a obtê-las?
N.K.: A história da criação de armas químicas teve início em muitos países em uma época anterior à Segunda Guerra Mundial. As técnicas de criação de armas químicas foram descobertas há muito tempo.
Não sei dizer se alguém ajudou os países do Oriente Médio a fabricar armas químicas ou eles as importaram de outros países, mas não é difícil fazê-las: basta comprar equipamento necessário e formar especialistas.
Experts árabes no assunto podem ter se especializado em diferentes países, inclusive na União Soviética. Não digo que tenham sido treinados especialmente na criação de armas químicas, mas não é segredo que muitos militares sírios se formaram na URSS.
G.:Quando os israelenses dizem que as armas químicas sírias têm rastros russos ou iranianos, eles se referem à formação de especialistas ou à entrega de armas prontas?
N.K.: É difícil dizer o que eles querem dizer. Israel dá mais motivos para queixas do que a Síria ou a Líbia.
G.:A senhora considera pouco provável que o governo sírio utilize armas químicas. No entanto, o presidente Obama disse que o uso de armas químicas na Síria pode dar motivo à invasão americana. Não acha que os países ocidentais podem utilizar a presença de armas químicas na Síria como pretexto para intervir militarmente no país?
N.K. : A situação está se agravando. Se houver um ataque terrorista com produtos químicos agressivos como fósforo amarelo, que não é proibido, ou, Deus me livre, gases vesicantes, isso dará um motivo sério para a invasão americana.
O texto original desta entrevista em russo está disponível em http://www.gazeta.ru/politics/2012/08/22_a_4734049.shtml
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