Enquanto outros países alcançam cidadãos médios do mundo todo com ferramentas midiáticas, Rússia ficou para trás, como mostra situação síria. Ilustração: Natália Mikhailenko
Com a situação síria, a Rússia se tornou alvo de uma guerra da informação e não consegue, assim como durante o conflito russo-georgiano, resistir a provocações.
É sabido que os opositores do governo de Damasco usam os veículos de imprensa da Arábia Saudita e do Qatar para divulgar suas opiniões entre os árabes comuns.
As técnicas usadas nessa guerra da informação também são conhecidas: uma rede de televisão exibe, por exemplo, imagens de uma Bagdá destruída por militares norte-americanos durante a campanha contra Saddam Hussein, fazendo-se passar por uma síria atacada pelo exército regular.
Já não é segredo também que foi construído no Qatar um pavilhão com cenários imitando as ruas de Damasco. Lá são filmadas cenas de violência alegadamente praticada por partidários do presidente Bashar Assad contra sunitas.
O objetivo desses “documentários” é demonstrar à comunidade internacional e aos países árabes que a rebelião na Síria tem fins nobres.
Um vídeo real filmado pela oposição nas cidades tomadas, porém, mostra o contrário. Destinado a animar a oposição síria e elevar seu espírito combativo, o vídeo, que casou verdadeiro choque no Ocidente, mostra rebeldes decapitando um homem de mãos atadas e olhos vendados, fuzilando e jogando prisioneiros do telhado.
Na semana passada, jornalistas do Azerbaijão revelaram que os serviços secretos turcos avisaram a oposição síria que iriam parar de ajudá-la se outras imagens de torturas e execuções aparecessem na internet.
A reação da Turquia é completamente lógica. Imagens como essas levam a comunidade internacional a encarar de uma forma diferente o apoio prestado pelo governo turco à oposição síria.
Depois que um vídeo chocante registrando os últimos momentos da vida do coronel Kadafi nas mãos dos revolucionários locais apareceu na internet no ano passado, muitos no Ocidente começaram a refletir sobre quem chegou ao poder na Líbia com a ajuda de armas europeias.
É difícil dizer qual teria sido a reação da opinião pública ocidental se um vídeo mostrando as atrocidades praticadas pelos opositores de Kadafi tivesse circulado na internet no meio da operação militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) naquele país.
No entanto, os políticos da Europa e dos EUA sabem fazer vista grossa aos fatos desagradáveis, recuperando a vista só quando os governos incovenientes acabam derrubados.
A Rússia poderia ter previsto que seria usada na campanha antissíria. Isso ficou claro após a TV árabe noticiar a suposta morte na Síria de um general russo, cuja carteira de identidade teria sido encontrada com o corpo.
No entanto, no mesmo dia, soube-se que o russo com o nome mencionado se encontrava há muito tempo em Moscou e a reportagem não passava de fotomontagem.
Mas isso já não tinha nenhuma importância para os árabes comuns, que receberam assim uma explicação “irrefutável” do porquê a Rússia e a China se opõem a uma intervenção militar estrangeira na Síria.
Outra notícia sensacionalista que não tardou a chegar foi a de que familiares do presidente sírio estava alegadamente ferido e que o próprio Bashar Assad teria a intenção de abandonar o país.
Como prova, os autores da notícia postaram na internet o áudio de uma entrevista com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Mikhail Bogdânov.
Todavia, o homem que falava na fita tinha um russo com forte sotaque estrangeiro. Evidentemente, não era Bogdânov que, segundo a diplomacia russa, não dera quasquer entrevistas ou comentários aos jornalistas sauditas.
Quem quer que tenha falado na fita em nome do alto diplomata russo, não se deu ao trabalho de desmentir oficialmente sua publicação, deixando os árabes comuns convictos de que as informações por eles divulgadas eram verdadeiras.
Nenhum líder poderá, no futuro, permanecer no poder se perder uma guerra da informação contra seu país, mesmo que derrote a oposição e retome o controle da situação.
Ao alcançar sucesso nos campos de batalha internos, o presidente Assad terá, de qualquer maneira, que abandonar o cargo, como exigido por uma oposição irreconciliável. Caso contrário, o governo de Damasco ficará isolado por completo tanto no mundo árabe quanto no Ocidente. Devemos admitir: permanecendo no poder, o líder sírio perdeu a batalha midiática.
A Rússia, por sua vez, deve pensar em criar um império midiático próprio. Hoje, para ser ouvido internacionalmente, o país precisa usar meios de comunicação de outros países e não tem condições para reagir devidamente a provocações midiáticas.
Prova disso foi o conflito russo-georgiano em torno da Ossétia do Sul, em 2008, quando não tínhamos meios de comunicação suficientes para promover internacionalmente nossa posição – enquanto os britânicos têm sua BBC; os americanos, a CNN; o Qatar, a Al-Jazeera. Esses canais de informação são capazes de transmitir a “verdade” de cada um de seus proprietários para todo o mundo.
A Rússia, por outro lado, encontra-se em uma situação de generais que não têm soldados e precisam pedir soldados emprestados a outros países para travar uma batalha. Ela pode, naturalmente, responder à altura das provocações das forças antissírias, mas nem sempre tem condições para levar rapidamente sua posição aos árabes comuns.
O país tem investido bilhões de dólares para modernizar seus equipamentos militares, mas talvez seja hora de investir também na construção de um império midiático ou, pelo menos, na aquisição de uma participação em meios de comunicação de massa estrangeiros.
A arma midiática já não é menos eficaz no cenário internacional do que as armas convencionais. A Rússia deveria pensar em melhorar seus recursos de informação para usá-los não só internamente.
Evguêni Chestakov - editor da seção de política internacional na Rossiyskaya Gazeta.
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