Os volumes vêm embrulhados em uma reprodução do jornal russo da época Foto: Divulgação
Premiado escritor de contos e romances, tendo recebido, entre outros, os prêmios Jabuti, São Paulo e Portugal Telecom de literatura, Rubens Figueiredo lança duas novas traduções diretas do russo neste mês: “Avenida Niévski” e “Notas de Petersburgo de 1936”, ambas de Nikolai Gógol.
“Gógol é um escritor absolutamente inusitado, um grande provocador que desestabiliza a língua russa. Ao traduzi-lo, estamos diante das mesmas dificuldades da tradução do texto poético”, disse a tradutora Arlete Cavalieri à Gazeta Russa.
Professora do departamento de Língua e Literatura Russa da USP e especialista em Gógol, anos atrás, Cavalieri também traduziu “Avenida Niévski” para a editora Paz e Terra. “Por que não tentar uma outra transcriação? Uma tradução nunca é definitiva, é um tipo de crítica”, completa.
“Avenida” é uma novela sobre o destino de dois homens que se deixam levar pelo encanto de passantes. “Notas” de certa forma contextualiza o outro volume, é uma apreciação crítica sobre o panorama cultural de São Petersburgo e foi originalmente publicada na revista “Sovremiénnik” (“O Contemporâneo”), editada por Púchkin.
O tradutor Figueiredo é um veterano que verteu para o português dezenas de títulos em diversos idiomas. Ele já traduziu Turguêniev, Tchekhov e Górki. Sua tradução de “Ressurreição”, de Tólstoi, foi laureada com o Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional.
Em tempos de box, pacote
A edição da Cosac Naify pertence à “coleção particular”, série composta por livros clássicos, de narrativa breve e projeto gráfico interpretativo.
“Procuramos um diálogo entre forma e conteúdo. É uma experiência de leitura, não é só o livro visto como fetiche, como livro-objeto”, explica a editora Paula Colonelli.
De fato, o próprio design da coleção já é uma interpretação de seu conteúdo. “Avenida Niévski” é ilustrado com gravuras da década de 1830, reproduzindo graficamente uma caminhada pela principal artéria de São Petersburgo. A ideia de passeio, de circularidade e de passagem do tempo ficam intimamente ligadas ao design do livro e à disposição e às cores dos parágrafos.
Sem orelhas ou prefácio, os volumes carecem de uma introdução, uma vez que situar Gógol no contexto da literatura russa do século 19 não é fácil. Fica sem explicação, por exemplo, a razão de se publicar ambos os livros juntos, já que se tratam de narrativas bem distintas do autor, uma ficcional, a outra, não.
“Temos dois Gógol, o que se pronuncia oficialmente como escritor e o ficcionista. Isso mostra a dubiedade de uma personalidade muito complexa”, lembra a professora Cavaliere.
“Avenida Niévski” e “Notas de Petersburgo de 1836” são revelações dessas duas facetas, a do homem público que faz as suas análises sobre a vida cultural, e a do criador, muitas vezes em contradição com o analista.
O escritor, nascido em 1809, é também autor de “O Nariz”, “O Capote” e “O Inspetor Geral”, entre outros, e morreu em 1852, enfraquecido por se recusar a comer, não sem antes queimar a parte final de seu “Almas Mortas”. Isso tudo só confirma o retrato que Cavaliere pinta de sua obra: simultaneamente real e grotesca, verdadeira e fantástica.
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