Charge: Niyaz Karim
Apenas um ano atrás, as pessoas de fora da comunidade de especialistas da Rússia nunca tinham ouvido falar de Mikhail Dmitriev, presidente do Centro para Pesquisa Estratégica, um grupo de reflexão sobre questões econômicas e sociais. Hoje, Dmitriev, 51, é um dos formadores de opinião mais reconhecidos e respeitados do país.
A ascensão de Dmitriev começou depois de março deste ano, quando seu centro publicou um relatório intitulado “Crise política na Rússia e possíveis mecanismos de seu desenvolvimento”.
Baseado na análise de pesquisas públicas e informações de discussões em grupo, Dmitriev e seu coautor Serguêi Belanóvski defenderam que a Rússia estava no meio de uma forte crise política caracterizada, entre outras coisas, por uma acentuada queda da confiança pública na liderança política do país.
Muitos analistas, críticos da metodologia do centro – sobretudo pelo uso de dados resultantes de discussões em grupo – tentaram invalidar o documento como uma tentativa de autopromoção à base de alarmismo político.
Entretanto, os protestos em massa que eclodiram após as eleições para Duma de Estado em dezembro de 2011, seguidos pelas eleições presidenciais em março deste ano, foram amplamente encarados como uma justificativa do ponto de vista de Dmitriev.
De repente, Dmitriev se viu no centro das atenções. Além de ser convidado constante de programas de TV sobre política, seus artigos são frequentemente publicados na imprensa russa e internacional.
O mais recente relatório divulgado em maio deu um passo além, alegando que a crise política na Rússia tornou-se irreversível, e que, independentemente de possíveis cenários futuros, o retorno ao status pré-crise não é mais possível.
Dmitriev e seus colegas argumentaram que o incremento pós-eleitoral nos índices de aprovação do presidente Vladímir Pútin e seu primeiro-ministro Dmítri Medvedev representaram nada mais do que um ligeiro aumento transitório e que um declínio futuro seria inevitável – previsão recentemente comprovada nas pesquisas de opinião pública.
O relatório do centro é um documento de leitura obrigatória para todos os interessados em política interna da Rússia. A análise também oferece alguns insights interessantes sobre as possíveis direções da política exterior russa.
Os dados apresentados mostram que a grande maioria dos russos – independente de idade, localização geográfica e nível educacional – acreditam que o país está cercado por inimigos que querem tomar controle do território e dos recursos da Rússia à força.
Entre esses “adversários”, os Estados Unidos são considerados a maior ameaça estratégica. Não é nenhuma surpresa o fato dos respondentes apoiarem maciçamente uma política externa assertiva e a necessidade de um exército forte. Eles aprovam, inclusive, o aumento dos gastos militares, ainda que isso limite o financiamento do Estado para saúde, educação e aposentadorias.
Curiosamente, a ameaça externa à soberania da Rússia foi um dos temas mais invocados por Vladímir Pútin durante seu campanha presidencial no início do ano. Na época, muitos observadores argumentaram que os sentimentos antiamericanos articulados por Pútin representavam uma abordagem tática com intuito de angariar votos de “patriotas”.
Uma vez de volta ao Kremlin, Pútin poderia retornar a uma política externa mais pragmática, característica dos seus dois primeiros mandatos como presidente.
As constatações do relatório, contudo, sugerem o contrário. Longe de ser uma tendência passageira, a política externa baseada na exploração de ameaças estrangeiras e na retórica antiocidental pode tornar-se a peça central de toda a agende política do regime, um “âncora” que iria impedir maior queda no apoio político.
A lógica é simples. Quanto mais desiludidos com as políticas internas do regime se tornarem os cidadãos comuns, mais tentado ficaria o Kremlin a compensar essa decepção com a condução de uma política externa forte.
A posição da Rússia na Síria pode representar a manifestação mais óbvia dessa abordagem. Na semana passada, pela terceira vez nos últimos nove meses, a Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Síria – proposta pelo Reino Unido e apoiada pelos países ocidentais – pedindo uma intervenção internacional para conter a escalada da violência no país.
Existem inúmeras explicações para o apoio da Rússia ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad.
Alguns analistas lembram que a Síria é um consumidor fiel de equipamento militar russo e também abriga a base naval de Tartus, a última base militar da Rússia fora da ex-União Soviética. Outros apontam a aversão ideológica da Rússia às “intervenções humanitárias”, que Moscou vê como um pretexto velado para derrubar regimes não favoráveis ao Ocidente.
E também há aqueles alegam que a Rússia quer simplesmente se “vingar” do Ocidente pela resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia no ano passado – uma resolução que a Rússia decidiu não vetar e depois assistiu impotentemente aos Estados Unidos e seus aliados a usarem como desculpa para derrubar o regime do coronel Muammar Gaddafi.
É claro que isso tudo está em jogo. Ainda assim, o comportamento de Moscou pode ser conduzido por uma análise mais simples e pragmática: em tempos em que a cooperação com o Ocidente parece tudo menos possível, o melhor que a Rússia pode fazer é consistentemente confrontar o outro lado do mundo. Considerando a situação interna, seria tolice do Kremlin não explorar algo que ainda compartilha com seu público: a imagem do inimigo batendo à porta do país.
Evguêni Ivanov é comentarista político em Massachusetts e redator do blog The Ivanov Report.
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: