Representante do Ministério das Relações Exteriores da Rússia para questões dos direitos humanos, da democracia e da supremacia do direito, Konstantin Dolgov. Foto: Kommersant
Na semana passada, o site do Ministério das Relações Exteriores da Rússia publicou uma declaração de Dolgov, aconselhando as autoridades sauditas a normalizar a situação na província oriental do país.
O local vem sendo palco de grandes demonstrações de xiitas locais revoltados com a detenção do líder espiritual xeique Nimr an-Nimr e com a discriminação promovida pela maioria sunita.
De acordo com informações de diplomatas russos, duas pessoas foram mortas e mais de vinte acabaram feridas na dispersão de marchas pacíficas. Konstantin Dolgov também sugeriu a Arábia Saudita a garantir os direitos humanos dos xiitas, incluindo a liberdade de expressão.
“A Arábia Saudita ficou muito surpresa com os comentários do representante do ministério russo, que consistem em flagrante ingerência nos assuntos internos do país”, afirmou a nação árabe em comunicado oficial.
Os sauditas afirmaram ainda que não houve nenhuma dispersão de manifestantes e os dois corpos são de vítimas de assassinos não identificados. Além disso, “Riad nunca interferiu nos assuntos internos da Rússia, embora distúrbios internos no país tenham resultado em numerosas vítimas”.
O Departamento de Política Externa saudita manifestou esperança de que a “estranha declaração” de Moscou não esteja relacionada com uma tentativa de desviar a atenção do assassinato em massa da população promovido pelo regime sírio “com apoio de determinados países”.
Tudo leva a crer que essa situação não levará ao rompimento das relações diplomáticas entre Moscou e Riad. Entretanto, os diferentes pontos de vista para solução da crise síria são capazes de esfriar significativamente as relações entre os dois países. Ou, mais precisamente, entre os três países, uma vez que o Catar compartilha a mesma posição da Arábia Saudita.
Outros motivos
A atual desavença é apenas um detalhe das relações entre os dois países divulgado publicamente, explica o especialista em assuntos do Oriente do Instituto de Avaliação e Análise Estratégica, Serguêi Demidenko.
Segundo ele, a questão mais delicada nas relações entre Moscou e Riad atualmente é a Síria, uma vez que os sauditas apoiam a oposição armada e a Rússia, o regime de Assad.
No entanto, essa enérgica reação à declaração de Moscou também deve-se ao fato de que a Rússia tocou em um dos pontos mais críticos da Arábia Saudita. A província oriental do país, onde vivem os xiitas (cerca de 20% da população nacional), é a principal região de extração de petróleo.
Considerando que, de acordo com dados revelados pelo Wikileaks no início de 2011, as reservas de petróleo sauditas comprovadas são 40% inferiores ao anunciado oficialmente, qualquer tensão nessa área pode prejudicar o trabalho das empresas petrolíferas, afetando as condições financeiras do país. Além disso, os xiitas exigem parte dos lucros do petróleo.
Gerenciando conflitos
Nos últimos 18 meses desde o início das revoluções árabes, o rei Abdullah bin Abdul Aziz teve de gastar cerca de 130 bilhões de dólares, retirados, inclusive, dos recursos da família real, para reprimir a oposição e garantir a lealdade das instituições regionais.
Para a Arábia Saudita, isso é especialmente importante porque há uma grande quantidade de islamistas radicais que considera o poder saudita pouco comprometido com as normas muçulmanas e está pronta a tomar ações drásticas contra o rei.
Nesse contexto, o proselitismo é outro motivo da insatisfação de Moscou com as ações de Riad. “Não é segredo que os sauditas trabalham ativamente em associações muçulmanas na Rússia”, lembra Demidenko.
“A manifestação da Rússia, nesse caso, é inteiramente oportuna”, diz o especialista do Instituto de Estudos Orientais da Academia Russa de Ciências, Boris Dolgov.
Ele explica que “ao apoiar a oposição síria, a Arábia Saudita está ditando como a Síria deve viver. Enquanto isso, em sua própria casa, há uma grande quantidade de problemas, e o Ministério das Relações Exteriores da Rússia chamou atenção para isso”.
Texto original em russo no site izvestia.ru
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