Vicky Pelaez Foto: Reuters
A crise econômica que atingiu os Estados Unidos há alguns anos e se espalhou pela União Europeia gerou alterações profundas no sistema econômico mundial construído pelos globalistas após a Segunda Guerra Mundial.
Mas a recessão na América do Norte e Europa provocou o surgimento de novos e importantes polos de desenvolvimento, incluindo os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e diversas economias latino-americanas associadas ao Mercosul ou Alba.
Existem dois processos socioeconômicos em curso no atual contexto global. Atingidos pela recessão, que elevou a taxa de desemprego para 21% nos EUA, os americanos se renderam a Wall Street, renunciando ao famoso contrato social desenvolvidos pelos Pais Fundadores da nação há mais de 200 anos.
Os 27 países-membros da UE, por sua vez, já não fazem mais parte de uma zona de estabilidade, democracia e desenvolvimento sustentável.
Eles foram forçados a reduzir drasticamente o setor público e aumentar a participação do privado, seguindo o slogan de Margaret Thatcher: “Não há essa coisa chamada sociedade”.
Os países latino-americanos, agrupados em alianças regionais, começaram, ao contrário, a restaurar o papel da sociedade na vida econômica e política, limitando o poder das corporações transnacionais e oligarquias locais.
Tais medidas estimulam o crescimento sustentável da região, que se aproximou dos índices apresentados em mercados emergentes da Ásia, e a maioria da população se beneficia.
Por outro lado, a América Latina está procurando novos parceiros comerciais que irão ajudá-la a diversificar seus mercados e a se livrar da hegemonia norte-americana.
Esse processo complementa o plano da Rússia de ampliar sua agenda geopolítica, destinada a criar um mundo multipolar e, assim, substituir a ordem mundial unipolar imposta pelos EUA após a queda da União Soviética.
Já em 1997, o então ministro russo das Relações Exteriores Ievguêni Primakov, peça fundamental na reformulação da agenda internacional do país pós-URSS, notou, durante uma viagem a Argentina, Brasil, Colômbia e Costa Rica, que a América Latina podia se tornar o maior aliado da Rússia na construção de um mundo multipolar, graças a seu perfil cada vez mais elevado no cenário internacional.
Nove anos depois, seu sucessor Serguêi Lavrov lançou uma política de reaproximação com a América Latina, e o então presidente, Dmítri Medvedev, pronunciou seu apoio de tornar a medida uma prioridade.
A Rússia precisa da América Latina tanto do ponto de vista econômico como geopolítico. Por esse motivo, foram realizadas mais de 22 cúpulas e cerca de 60 encontros com líderes latino-americanos ao longo dos últimos três anos.
Em 2011, o comércio com a região cresceu 15%, atingindo os US$ 12,4 bilhões, enquanto a participação dos EUA no mercado da região caiu para 40,1% em 2011, em comparação aos 57,7% no ano 2000.
Os russos estão interessados nos recursos naturais da América Latina, sobretudo hidrocarbonetos e minerais, bem como na produção agrícola da região, que é notoriamente rica e diversa.
As negociações em torno de grandes projetos colaborativos no setor espacial e de produção de energia nuclear estão em andamento.
As principais companhias aéreas russas, Aeroflot e Transaero, estão considerando a ideia de restabelecer voos diretos para Argentina, Brasil, Chile, México, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela.
Os armamentos permanecem entre os itens mais exportados para a América Latina, especialmente Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Ao contrário da restritiva política de vistos imposta pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA a visitantes latino-americanos, Moscou assinou recentemente tratados bilaterais para isenção de visto com a Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Cuba, Equador, Nicarágua, Peru e Venezuela.
Washington, apesar de seus problemas econômicos e longas campanhas militares no Iraque e no Afeganistão, continua a instalar bases militares por toda América Latina, na tentativa de evitar a perda de influência ali em meio a expansão comercial e geopolítica da Rússia e China.
Neste momento, os norte-americanos estão ocupados com a modernização de sua base militar em Chaco, Argentina, e construindo uma nova na República Dominicana. Eles também inauguraram recentemente novas instalações militares na província de Valparaíso, a cerca de 130 quilômetros da capital chilena, Santiago.
No geral, existem 24 bases militares instaladas em nações latino-americanas e caribenhas, e elas estão todas prontas para serem usadas em intervenções futuras.
É por isso que em tais circunstâncias, os países da América Latina, com sua solidariedade regional cada vez mais forte, prefeririam a expansão comercial da Rússia à expansão militar dos Estados Unidos.
O problema é que as empresas russas ainda hesitam em investir pesado na América Latina – não por falta de fundos, mas por questões de estabilidade decorrentes do volatilidade da região no passado, com seus regimes militares e golpes frequentes.
Por outro lado, a Rússia procura restaurar seu prestígio como superpotência, um objetivo impossível de alcançar sem a modernização da economia nacional.
O país esperar fazê-lo com a ajuda tecnológica do Ocidente. É por isso que o ex-presidente, Dmítri Medvedev, se declarou recentemente contra colocar a culpa nos Estados Unidos por todos os problemas do mundo.
Moscou precisa de alianças fortes na América Latina para contrapor a política dos EUA de instalar bases militares da Otan em países próximos à Rússia e cercá-la com sistemas de radar e instalações de defesa antimíssil.
Não é uma surpresa, portanto, que um apenas um dia depois de ter assumido seu mandado como presidente, Vladímir Pútin tenha assinado um decreto sobre medidas para implementar a política estrangeira do país.
Em um dos parágrafos do documento, ressalta-se a necessidade de “continuar aprofundando relações com países da América Latina e Caribe, intensificando o perfil da Rússia nos fóruns regionais, aproveitando ao máximo o potencial dos mercados latino-americanos para fortalecer a posição das empresas russas na indústria de manufatura, produção de hidrocarbonetos, transporte e comunicações, e fazendo todo o possível para aumentar o envolvimento da Rússia nas alianças e instituições da região”.
A agenda é ambiciosa. Levará tempo para transformá-la em realidade, assim como para a América Latina superar seus antigos preconceitos e receios em relação a Moscou, sobretudo a doutrina de relações internacionais aprovada por Primakov lá na década de 1990, que não difere muito da dos Estados Unidos.
Washington declara que possui interesses nacionais permanentes, porém não amigos ou inimigos permanentes. Moscou vê, igualmente, suas amizades e rivalidades em termos de interesse nacional.
Os povos da América Latina podem acompanhar essas duas doutrinas em ação na ex-Iugoslávia, Iraque e Líbia.
Agora, eles estão também assistindo atenciosamente aos eventos na Síria, Irã e Coreia do Norte para saber o que podem esperar da Rússia. Quanto à postura dos EUA, eles já estão bem familiarizados.
Vicky Pelaez é uma jornalista peruana. Depois de ser envolvida em um escândalo de espionagem que resultou em sua deportação dos Estados Unidos em 2010, passou a trabalhar como colunista freelancer para o The Moscow News que faz parte da holding RIA Nóvosti
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