G20 e os desafios globais da economia

Vladímir Pútin Foto: Kremlin.ru

Vladímir Pútin Foto: Kremlin.ru

Artigo do presidente russo Vladímir Pútin para o jornal mexicano “El Universal” aborda as perspectivas da economia global e expectativas para atual cúpula do grupo. Leia abaixo o artigo na íntegra.

Há quatro anos, a economia mundial enfrentou uma crise sem precedentes, cujo impacto atingiu, em diferentes graus, todos os países, sem exceção. 

Esses grandes desafios exigiram dos líderes mundiais posturas substancialmente novas. Como resultado, pela primeira vez na história, os líderes dos países responsáveis por 90% do PIB global demonstraram vontade e capacidade reais de coordenar suas políticas econômicas e, mais importante, impediram que o mundo entrasse em um impasse de guerras comerciais e protecionismo, procedendo ao restabelecimento da ordem no sistema monetário internacional. 

Assim, o G20, que, até 2008, só existia na forma de reuniões regulares dos ministros das Finanças, virou um importante fórum mundial dedicado à economia.

No meio da crise, graças às atividades do G20, foram implementadas medidas para o aumento do capital de todos os principais bancos de desenvolvimento multilaterais e dos recursos do FMI. 

Essas medidas permitiu às instituições financeiras supracitadas prestar apoio aos países mais atingidos pela crise. Também deu continuidade a agenda da reforma do sistema de regulação financeira e foram identificados os princípios destinados a proteger os direitos dos consumidores dos serviços financeiros. 

Não é exagero dizer que a criação, em 2009, por decisão dos líderes dos países do G20, do Conselho de Estabilidade Financeira, que se transformou em um órgão de coordenação dos esforços para a elaboração de novas “regras de conduta” no setor financeiro, teve importância fundamental. 

Tais processos têm como pano de fundo a mudança do cenário da economia global. De acordo com especialistas, os mercados emergentes irão crescer, até 2017, mais de 3,5 vezes mais rápido e, nos próximos 15 anos, mais de duas vezes mais rápido do que os tradicionais países desenvolvidos. Note-se que não só os pontos de crescimento global, mas também a “geografia” de fluxos financeiros e comerciais está mudando. 

Por outro lado, nem todos os problemas sistêmicos foram solucionados.  As consequências da crise de 2008 ainda são visíveis. Os desequilíbrios acumulados tiveram reflexos claros em “buracos orçamentais”, difícil situação dos bancos e nível exorbitante de dívida de países desenvolvidos.

Mais do que isso, nos últimos meses, a dinâmica negativa dos mercados e outros sinais alarmantes têm levado os analistas a fazer previsões bastante pessimistas. 

Qual é nossa posição na situação atual? A Rússia é a sexta economia do mundo em termos de paridade do poder aquisitivo e conseguiu reforçar, nos últimos anos, seu sistema fiscal. Somos a terceira potência em reservas em ouro e divisas. A economia russa tem crescido 4,3 %, apresentando assim a maior taxa de crescimento entre as maiores economias da Europa. Ao contrário de 2008, hoje o sistema bancário russo é mais resistente às flutuações nos mercados financeiros globais.

Nosso país não tem um “lastro” na forma de excessiva e perigosa carga da dívida. A população russa tem dívidas muito menores do que as populações de outros países. Segundo dados disponíveis no dia 1º de abril deste ano, na Rússia, as dívidas da população constituem 10,6% do PIB contra cerca de 60% do PIB na Alemanha e na França, 87% do PIB em Espanha, 92% do PIB nos EUA. A Rússia tem a menor dívida pública entre os países do G8, do G20 e do Brics. 

Segundo dados disponíveis no dia 1º de maio de 2012, a dívida pública da Rússia atinge 9,2% do PIB (por exemplo: na Alemanha, a dívida pública equivale a 81% do PIB, na França,  86%, nos EUA, 104%). No ano passado, conseguimos não só equilibrar nossas contas públicas como também finalizar o ano com o superávit primário de 0,8% do PIB. Isto é, ganhamos mais do que gastamos. Nossa balança comercial teve um superávit de 198 bilhões de dólares.

No entanto, se tirarmos os rendimentos obtidos com as vendas externas de gás e petróleo graças à conjuntura internacional favorável, veremos que nosso déficit orçamentário é grande e atingiu o nível máximo permitido nos anos de crise. 

A próxima cúpula do G20 será realizada em um ambiente de indefinição crescente. Além de tentar corrigir a situação financeira grave em alguns países da União Européia, os países terão de concentrar seus esforços na busca de um equilíbrio sensato entre a necessidade de uma consolidação fiscal, rigorosa disciplina orçamentária e o emprego, crescimento econômico, solução de problemas sociais, incluindo o desafio de manter a estabilidade do sistema de pensões. 

Estamos conscientes de que devemos acelerar a realização de reformas. Isso é indispensável ao desenvolvimento sustentável e à diminuição da dependência de nossa economia das vendas de matérias-primas. 

Por isso, continuaremos nossos esforços para melhorar substancialmente o clima de investimento em nosso país, criar um ambiente de negócios globalmente competitivo, levantar restrições de infraestrutura, melhorar a qualidade do capital humano e modernizar a economia e, ao mesmo tempo, honrar nossos compromissos sociais. Todas essas questões compõem uma importantíssima agenda para os órgãos de poder de todos os níveis do país.  

Paralelamente, problemas com bancos e especulações que não param de provocar colapsos financeiros nos mercados mostram que a arquitetura financeira global não teve muita mudança e ainda encerra muitos riscos e contradições internas. Não há, até agora, “terreno sólido sob seus pés” nem “está atrelada” aos ativos e valores reais.

Pelo contrário, nos últimos anos, a dinâmica dos mercados financeiros vem divergindo cada vez mais dos indicadores fundamentais do setor real da economia, contribuindo assim para o crescimento da desconfiança universal e instabilidade, após o que, como sabemos, podem vir ataques de pânico financeiro . 

Portanto, é óbvio que são necessários novos passos. Acima de tudo, é preciso aumentar a regulação da circulação de instrumentos derivados e criar condições para a aplicação coerente do novo sistema de regulação financeira Basileia 3, capaz de reduzir as possibilidades para o surgimento de “fantasmas” e “bolhas” de toda a espécie. Acho que seria do interesse comum contribuir para a promoção de novas moedas de reserva no  comércio e investimento globais. 

Finalmente, uma questão à parte, muito importante: é preciso fazer com que o G20 cumpra seus compromissos referentes à reforma das instituições financeiras internacionais, entre as quais o FMI e o Banco Mundial, e leve à prática as discussões mantidas há muito tempo sobre o aumento do papel dos países em desenvolvimento e das “novas” potências econômicas na direção das mesmas e, de modo geral, na elaboração e tomada de decisões fundamentais.

É tempo de deixarmos de ser hipócritas e combinarmos um nível aceitável de medidas de proteção com vista à preservação de empregos em períodos de crises mundiais. Para nós, isso é especialmente importante porque a Rússia entra, neste ano, na OMC (Organização Mundial do Comércio) e temos a intenção de participar ativamente nas discussões sobre as futuras regras do comércio global. Em particular, pretendemos fazer o possível para romper o impasse que se instalou na Rodada Doha. Nesse contexto, um outro aspecto a assinalar. 

Todos nós sabemos que a instabilidade financeira tem provocado inevitavelmente o aumento do protecionismo comercial. Lembre-se: em 2009,  o comércio mundial caiu 12%, registrando assim uma taxa recorde de declínio desde o final da Segunda Guerra Mundial. Em muitos aspectos, isso se deveu ao fato de alguns países terem aplicado duras medidas protecionistas para proteger seus mercados, ao contrário do que faziam crer. 

É tempo de reconhecermos que, apesar de todas as declarações em condenação às práticas protecionistas, o protecionismo vem se tornando cada vez mais sofisticado, assumindo, por vezes, formas de restrições ambientais e tecnológicas.

Todos esses temas serão discutidos na próxima cúpula no México e, agregados às questões da segurança energética global, irão constituir nossas prioridades durante a presidência da Rússia no G20 no próximo ano. Ao mesmo tempo, entendemos quão importante é manter a credibilidade do G20 que, entretanto, pode ser perdida se as decisões tomadas ficarem pendentes e não passarem de declarações altissonantes. 

Naturalmente, o G20 não deve se transformar em outro clube de elite, cioso unicamente dos interesses de seus sócios. A essência e o objetivo de nosso trabalho conjunto é elaborar regras justas para o desenvolvimento sustentável de toda a economia global. É isso que a Rússia vai sugerir a seus parceiros ao longo desses dois dias em Los Cabos. 

Originalmente publicado em www.kremlin.ru

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