Foto: Reuters/Vostock-Photo
Uma abandonada van da TV estatal Vesti coberta de sujeira e mensagens foi uma das imagens mais impressionantes do protesto ocorrido no dia 6 de maio, que culminou em atos de violência na praça Bolótnaia, em Moscou. Foi um símbolo da animosidade acumulada entre a oposição assídua à internet e as redes nacionais de televisão, que transmitiram periodicamente documentários críticos sobre os detratores do Kremlin.
O fato também evidenciou o grande precipício entre os dois cenários da mídia russa. De um lado, a vivaz e independente mídia on-line que, em parte, alimentou e uniu a oposição e, do outro, as redes de televisão dominadas pelo Estado que foram doutrinadas durante o primeiro mandato de Vladímir Pútin no Kremlin.
Em um país que tradicionalmente recebe notícias de veículos pró-Kremlin, a oposição foi obrigada a protestar e se unir na rede. Os próprios analistas afirmam que o monopólio da televisão nacional sobre as notícias está começando a desmoronar – e não apenas entre os grupos da oposição.
“Eles estão perdendo força, assim como as redes norte-americanas”, diz Ivan Zassourski, diretor de novas mídias na Faculdade de Jornalismo da Universidade Estatal de Moscou e fundador do Tchastni Korrespondent.“Em primeiro lugar, estão Facebook e Twitter – novos atores globais entrando no mercado.
dos russos procuram notícias da internet (dos 11% no ano passado), enquanto 28% deles não acreditam na cobertura televisiva
Em segundo, temos uma enorme e crescente indústria de mídia on-line na Rússia, que é independente da imprensa tradicional pois, na maioria dos casos, surge como publicações independentes. A maior parte dessas mídias virtuais são gratuitas e mantidas pela publicidade.”Como um sinal das mudanças em curso na Rússia, 24% dos russos – dos 11% no ano passado – disseram ao Centro Levada que estão buscando as últimas notícias na internet.
A pesquisa realizada em fevereiro também revelou que 28% não confiam nas informações veiculadas na televisão, embora o mesmo estudo tenha mostrado que 63% acreditam piamente nos canais de TV nacionais.
“Embora os veículos tradicionais estejam erodindo lentamente, certo é que – apesar não completamente – ainda são suficientemente fortes para angariar votos.”, afirma Zassourski.“A trajetória dessas mudanças”, acrescenta, “também impõe um problema para o Estado e os magnatas da mídia que desejam manter seu controle na distribuição das notícias”.
Na Rússia, o Estado detém a maior fatia da imprensa – três canais de televisão estatais, 89 estações de rádio e de televisão locais e três jornais. O resto pertence a indivíduos ou empresas privadas. Mas muita da chamada mídia independente é indiretamente controlada pelo Estado, segundo Boris Timochenko, analista da Fundação de Defesa Glasnost.
O canal privado NTV, há muito tempo visto como uma ferramenta do Kremlin contra a oposição, transmitiu em março um documentário chamado “Anatomia do Protesto” no qual supostos ativistas da oposição receberam “dinheiro e biscoitos” para protestar contra o retorno de Pútin ao poder. Também sugeriu que governos estrangeiros estavam por trás das manifestações, gerando críticas dos próprios jornalistas do canal.
Ivan Zassúrski, DIRETOR DE NOVAS MÍDIAS NA FACULDADE DE JORNALISMO, UNIVERSIDADE DE MOSCOU
"Em primeiro lugar, estão Facebook e Twitter – novos atores globais entrando no mercado. Em segundo, temos uma enorme e crescente indústria de mídia on-line na Rússia, que é independente da imprensa tradicional."
Timochenko disse que o programa foi ao ar a pedido do Kremlin mas afirmou que era difícil estabelecer um padrão global da relação entre os interesses dos proprietários e a linha editorial da emissora. O NTV pertence à Gazprom Media, o braço de mídia da gigante estatal do gás, que também detém a “Echo Moskvi”, respeitada estação de rádio independente, conhecida pelas críticas explícitas ao Kremlin.
Embora os canais de TV federais coloquem os membros proeminentes da oposição em suas listas negras e sigam a linha do governo, as autoridades permitiram que certos veículos com públicos menores sejam mais críticos.
“Temos a impressão de que o Kremlin deliberadamente deixa uma pequena ilha de imprensa livre para que possa virar por aí e falar: o que você quer dizer com ausência de imprensa livre – e a rádio “Echo Moskvi”, o “Kommersant”, a “Novaia Gazeta” e um punhado de outros jornais?”, diz.“Outro motivo pode ser o fato de preferirem não irritar aqueles que descordam dos acontecimentos no país.”
Mas até mesmo esses principais veículos de jornalismo independente sofreram pressão durante os protestos deflagrados em dezembro, dramaticamente terminando um período de aparente apatia política enraizada na Rússia.
O influente jornal “Kommersant”, de propriedade do oligarca Alicher Usmanov, parecia estar sobre pressão editorial após as eleições parlamentares de dezembro que viram o partido governante Rússia Unida de [Vladímir] Pútin sofrer uma grande queda em termos de popularidade.
O bilionário russo demitiu um editor da revista “Kommersant-Vlast” após ter publicado uma imagem que manchava a imagem de Pútin. Em fevereiro, a Gazprom Media reformulou o conselho diretivo da Echo Moskvi numa tentativa que o editor-chefe da estação chamou de "correção da política editorial".
Segundo Zassúrski, a relação entre as empresas e linha editorial é bastante tênue. Embora em muitos países o dinheiro e os negócios ditem a política, na Rússia a política dita os negócios e o dinheiro. O “LifeNews”, um tabloide on-line ligado ao Kremlin, publicou em dezembro escutas telefônicas constrangedoras do líder da oposição Boris Nemtsov, nas quais o político denegria os colegas de protesto.
Publicado em meio às maiores manifestações da oposição que atingiram a Rússia ao longo de uma década, as gravações pareciam uma tentativa clara de descredibilizar e dividir a oposição. Uma investigação criminal foi aberta, mas nada se ouviu sobre isso desde março.
Não foi grande surpresa que Nemtsov – que é raramente visto na televisão nacional – teve que ir à TV Dojd, um canal de televisão on-line independente, para responder publicamente à divulgação de suas ligações telefônicas.
Apesar dos envolvidos nos escândalos de escuta telefônica do Reino Unido estarem sendo chamados para prestar depoimento, é improvável que os responsáveis do “LifeNews” sejam chamados para dar seu parecer sobre as ligações do canal com o Kremlin.
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