Ilustração: Sergêi Iólkin
As expectativas sociais e as boas intenções do atual governo russo parecem divergir e as diferenças já podem ser observadas no cotidiano.
Enquanto os manifestantes entendem perfeitamente que a questão não está nos planos do governo de aumentar a idade de aposentadoria nem reivindicam aumentos salariais, os que não participam dos protestos têm dificuldade em compreender o que falta àqueles que se manifestam.
Embora as condições de vida em grandes cidades russas, inclusive na capital, sejam muito melhores do que na província, Moscou tem sido tomada por movimentos populares.
O problema, contudo, não tem a ver com o crescimento da renda per capita, mas sim à ausência de informações transparentes, mobilidade social, urbanização e acesso à educação. Parece que quanto pior estiverem as coisas, melhor é o cenário para o atual regime.
Independentemente de suas preferências ideológicas, as pessoas tendem a se fixar em locais caracterizados pelo crescimento econômico, diversidade e liberalização, a despeito do que digam a si mesmas ou para outras pessoas.
Ainda assim, a realidade impõe duras questões. Qual rumo o país vai seguir? Irá à esquerda ou à direita, em direção ao Oriente ou ao Ocidente, a uma zona de turbulência ou de estabilidade?
Como a cidade é um espaço público marcado por uma variedade, quase ilimitada, de grupos e interesses, a união das massas populares para uma ação coordenada só é possível em uma situação extraordinária. Isto é, os grupos sociais absolutamente diferentes, que na vida cotidiana nem mesmo se relacionam ou até mesmo guardam certa antipatia, devem ter seus interesses ou sentimentos lesados.
É preciso, por exemplo, acontecer algo fora do comum para que os torcedores dos eternos rivais CSKA e do Spartak, famosos por violentas brigas entre si, deem as mãos em uma mesma ação de protesto.
Porém, quanto mais complexo é um espaço social, maior é número de papeis desempenhados por uma pessoa e, portanto, mais sensíveis ela estará às ações do governo do país. A lógica é bastante simples: um torcedor fanático de futebol pode ser programador, empresário, pai de família ou um músico de rock. À medida que algumas de suas ocupações entrarem em conflito com as iniciativas das autoridades, ele irá reagir participando de ações de protesto.
Ao observar a manifestação ocorrida em 6 de maio, no dia anterior à posse de Pútin, ficou evidente a mudança na composição social dos integrantes – e não para melhor.
Entre os manifestantes prevaleceram, como antes, cidadãos cumpridores da lei, em sua maioria moscovitas, com elevado nível de formação. Paralelamente, houve um aumento expressivo do percentual de jovens ativistas provenientes de São Petersburgo, Voronej, Perm, Iekaterimburgo e Minsk, capital da Bielorrússia.
Muitos representantes da elite cultural russa, como os escritores Boris Akúnin e Liudmila Ulitskaia e o jornalista de televisão Leonid Parfenov, entre outros, pararam de ir aos protestos ao perceberem que tais formas de diálogo com o regime não faziam sentido.
Este era exatamente o objetivo do regime; no entanto, o resultado obtido não foi o esperado. Os protestos não pararam e tornaram-se ainda mais radicais. Seus impulsionadores saíram das ruas, mas as ruas não ficaram vazias e acabaram sendo invadidas pelos seguidores de Serguêi Udaltsov, ativista da esquerda radical cuja popularidade cresceu rapidamente nos últimos meses. Como resultado, os protestos deram uma sensível guinada à esquerda e não será nada fácil inverter esse processo.
Aqueles que não querem seguir os esquerdistas, deverão buscar um novo nicho para protestos. À semelhança da televisão moderna, os protestos de rua vêm ganhando uma estrutura segmentada. Cada pessoa protesta do jeito que quer.
Também é possível identificar a consolidação de diferentes grupos sociais com uma posição mais primitiva e radical. Não é difícil prever que a próxima ação de massa reunirá principalmente jovens provenientes dos subúrbios e será ignorada pelos demais cidadãos e intelectuais de boa fé.
Essa parcela da sociedade não tem interesse algum em ouvir Udaltsov nem Nemtsov e Naválni, líderes da oposição extraparlamentar. Eles já disseram tudo desejavam, mas seus apelos não foram atendidos. E o que fazer agora? Invadir as ruas, brigar com a polícia, lançar garrafas e queimar pneus. Pelo menos, esse foi o roteiro aplicado à referida manifestação no centro de Moscou: histeria, confrontos e policiais atingidos com pedras na cabeça.
Ao contrário das expectativas, a irritação social não vem diminuindo. As
esperanças da liderança do país de que na época de trabalhos agrícolas da
primavera muitos potenciais manifestantes preferissem ir para suas chácaras a
irem aos protestos falharam.
Ainda assim, acredita-se que as ações de protesto irão provavelmente perder a consolidação e acabarão diluídas com base em outras concepções.
No domingo passado, por exemplo, Moscou presenciou uma passeata de leitores e escritores. Os jovens manifestantes ostentando fitas brancas caminharam por vários dias e aqueles que vieram a Moscou para participar do evento regressaram entusiasmados, com ideias claras sobre o que devem fazer.
O problema está na a liderança do país que ainda tende a se fechar em si mesma, um sinal extremamente negativo para o futuro.
A íntegra do artigo em russo está disponível em http://www.kommersant.ru/doc/1930150
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