Foto: AFP / East News
O professor de história Stefan Botchkariov lembra com frequência de uma aula sobre Iossif Stálin que deu há vários anos. Isso aconteceu bem no dia que a diretora da escola decidiu acompanhar a classe.
“Segui o livro à risca, falando sobre a repressão, quando a diretora me
interrompeu e parou a aula”, relembra. “Ela não gostou do fato de Stálin ser
apresentado sob uma perspectiva negativa.” Botchkariov, que agora trabalha em
um colégio particular em Moscou, disse que sua aula provocou um escândalo e por
isso acabou pedindo as contas.
Sessenta anos após a morte de Stálin, o líder soviético ainda é amaldiçoado, adorado e até capitalizado na Rússia. Membros do Partido Comunista marcham carregando sua imagem e atores caracterizados como o líder tiram fotos com os visitantes da cidade próximo aos pontos turísticos. Mas o que aconteceu com Botchkarev está se tornando cada vez menos comum – e menos aceitável.
Na última década, caíram para 30% os russos que têm uma atitude positiva em relação ao líder, segundo pesquisa do Centro Levada.Questionados se gostariam de viver sob o regime de Stálin hoje, apenas 3% dos entrevistados responderam que sim.
Oito ou oitenta
No exterior há a ideia de que a sociedade russa está dividida em estalinistas e antiestalinistas. Essa concepção, entretanto, está desatualizada, de acordo com sociólogos. Sessenta por cento dos russos têm duas imagens aparentemente incompatíveis de Stálin em suas cabeças: ao mesmo tempo que o vêem como um tirano cruel que aniquilou milhões de pessoas, acreditam que ele foi um governador sábio que conduziu a União Soviética à prosperidade.
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No Ocidente, Stálin é lembrado mais pela coletivização forçada que realizou na agricultura, levando à fome e milhões de mortes, e pelo Grande Terror, durante o qual milhares foram executados e outros milhões enviados aos campos de trabalho escravo onde outros tantos morreram. Na Rússia, sua lembrança é mais complexa. Para alguns, é impossível separá-lo da vitória contra o fascismo.
“Na sociedade russa, não há uma compreensão racional do papel de Stálin”, diz Boris Dúbin, diretor de pesquisa sociopolítica do Centro Levada. Ao mesmo tempo que as conquistas da URSS sob o governo de Stálin é usada como justificativa para suas ações, o terror dos crimes contra o povo atenta contra os russos que desejam se orgulhar do passado.
Stálin na escola e na rua
A mentalidade dividida sobre esse mito pode ser sentida até hoje nas
salas de aula. Já os livros didáticos de história publicados nos últimos anos
não buscam refletir sobre os crimes de Stálin, referindo-se a ele apenas como
um gestor eficiente.
“Dos meus quase 15 anos como professor, tenho a impressão que Stálin é a
principal figura na história da Rússia do século 20 aos olhos da grande maioria
dos estudantes”, diz Botchkariov. “E, não raro, essa imagem esbarra na aura de
grandeza heroica.”
A pedido da Gazeta Russa, o professor pediu a seus alunos que escrevessem
redações sobre Stálin. O estudante Eugene N., cujo sobrenome foi omitido,
escreveu: “Acho que o terror de Stálin ficará marcado na mente das pessoas por
um bom tempo”.
“O mito foi cultivado nas décadas de 1960 e 70, quando os russos estavam ainda
mais divididos”, afirma Boris Drozdov, 78, cujo pai foi enviado a um campo de
trabalho forçado e o avô, executado (ver ao lado). “Quem saiu ileso da
repressão via Stálin como um gênio. Mas os que foram esmagados pela máquina da
repressão o vêem como o mal personificado ”,
completa.
Amnésia coletiva
A dor da recordação é tão intensa que a amnésia tem sido a principal
resposta das pessoas ao tema, segundo especialistas. “Isso acontece como forma
de apagar a memória da natureza repressiva do regime totalitarista, mortes em
massa, os gulags (campos de trabalho forçado), a deportação de povos inteiros,
para não falar no massacre ucraniano, que é praticamente inexistente na
consciência pública”, afirma Dúbin.
“Na Rússia, a lembrança do terror foi varrida para um canto distante, até
porque não há monumentos, placas memoriais, museus sobre o tema”, acrescenta
Arsêni Roguinski, diretor da Sociedade Memorial, que presta assistência a
prisioneiros políticos do regime soviético.
De acordo com ele, hoje as pessoas estão menos interessadas em seus parentes
que morreram vítimas da repressão política que na década de 1990. A parcela de pessoas
que se dizem indiferentes a Stálin e suas ações cresceu de 12% em 2001 para 47%
em 2012, de acordo com dados do Centro Levada.
“Não é exatamente indiferença, mas o abandono das tentativas de entender quem
Stálin realmente era”, conclui o diretor do Levada, Lev Gudkov.
Um esforço genuíno para lidar com a questão dos crimes de Stálin aconteceu em
2011 sob o governo do presidente Dmítri Medvedev. “Isso é, em essência, mais
uma tentativa de perpetuar a memória das vítimas da repressão política do que
uma cruzada contra a stalinização”, explica Mikhail Fedotov, chefe do comitê
ministerial de direitos humanos da Rússia, órgão que iniciou a campanha.
O comitê apoia a criação de memoriais para as vítimas da repressão em Moscou e
São Petersburgo, e também propôs a criação de um Instituto Nacional da Memória.
“Os poderes presidenciais estão sendo transferidos agora e, por isso, os funcionários do governo retardaram a execução do programa”, disse.
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