“A atual situação não agrada a ninguém”

Diretor do Centro Levada, Lev Gudkov Foto: Kommersant

Diretor do Centro Levada, Lev Gudkov Foto: Kommersant

O diretor do Centro Levada, Lev Gudkov, acredita que população está à espera de um partido político de verdade.

Após Vladímir Pútin assumir a presidência da Rússia na semana passada, uma nova onda de protestos tomou conta das ruas de Moscou.

Parte da população acredita que os esforços e a legislação que permite a criação de novos partidos pode ser uma solução viável para mudar o cenário político do país, mas ainda resta a dúvida de quando as mudanças poderiam ser concretizadas. 

O jornal Kommersant-Vlast conversou com o diretor do Centro Levada, Lev Gudkov, sobre as recentes protestos e as perspectivas do sistema partidário da Rússia.

 
Kommersant: Existe uma demanda pela reforma do sistema partidário na sociedade russa?


Lev Gudkov: A demanda, embora ainda não articulada, existe e foi motivada não só insatisfação da sociedade com a permanência dos velhos líderes no cenário político, mas também intensificada pelas manifestações que abriram novas perspectivas para a consolidação das forças democráticas, inclusive dos grupos nacionalistas moderados.

K: Porém, segundo seus levantamentos, mais de 50% da sociedade se diz contrária à criação de novos partidos, enquanto 66% acredita que a Rússia não precisa de mais do que três partidos...


LG: É um grupo inerte de seguidores tradicionais de Pútin ou da chamada estabilidade. Refiro-me a outra parte da população, ansiosa por mudanças e parte ativa dos protestos. Esse grupo também é bastante numeroso e constitui entre 20% e 30% da população. Assumindo posições ideológicas diferentes, eles têm demandado mudanças e compartilhado os slogans anti-Pútin, e poderão apoiar uma ampla coalizão ou um novo partido.

K: O que teme essa maioria inerte? Ou simplesmente não tem nenhum interesse pela política?


LG: Na verdade, a maioria absoluta da população tem certa repugnância pela política: 60% das pessoas afirmam que se sentem aborrecidas com as conversas sobre o assunto e não querem participar dos assuntos políticos. Essa tendência é dominante e é aproveitada pelo regime no poder, criando na população a ilusão de que não há alternativa e mantendo-a em um estado de apatia. Mais de 80% dos cidadãos acreditam que não são capazes de influenciar a tomada de decisões políticas. No entanto, cerca de 30% estão dispostos a apoiar um novo partido “de verdade”.

K: O que exatamente pode despertar esse grupo de pessoas?


LG: Uma longa estagnação da economia ou uma grave crise econômica. Além disso, no período de estabilidade surgiu uma camada de pessoas bem sucedidas, endinheiradas, com iniciativa e independentes do Estado, que reivindicam maior respeito por seus interesses e uma melhor representação de si nos assuntos políticos e, evidentemente, não estão satisfeitas com o regime atual. Esse grupo de pessoas irá crescer, ainda que lentamente, e suas reivindicações irão se tornar ainda mais fortes.

 
K: Como o senhor avalia as chances de novos partidos, cujos pedidos de registro já somam mais de 160?

 
LG:
A maioria deles continuará desconhecido pela população, pois suas atividades não terão cobertura nos principais canais de TV. A televisão irá falar sobre eles com ironia ou com uma atitude negativa no intuito de descredibilizá-los.

K: Quantos desses novos partidos poderão alcançar algum resultado significativo?


LG: No início dos anos 90, tínhamos cerca de 120 movimentos e partidos políticos, dos quais apenas 12 ou 14, no máximo, eram incluídos regularmente nas cédulas de votação. Essa é a quantidade assimilável pelos eleitores. Na verdade, havia cinco ou sete partidos reais. Acho que dessa vez teremos aproximadamente o mesmo percentual de partidos políticos no país. Entretanto, seu sucesso dependerá de quão ativos eles forem no cenário político, de seu programa e se eles terão ou não acesso à televisão estatal. A internet e a imprensa, ainda que independente, serão insuficientes para conquistar popularidade.

K: E quais são as perspectivas do Rússia Unida sob Medvedev? O senhor acredita que continuará perdendo popularidade?


LG: Sim, embora eu não compartilhe a tese de que estamos lidando hoje com as ruínas do partido governista. O Rússia Unida ainda tem muitos recursos e, apesar de estar perdendo popularidade, continuará a ser um importante mecanismo do atual regime.

K: Afinal, quando se darão mudanças efetivas no cenário político?

 
LG: 
As regiões russas têm exigido maior acesso aos assuntos políticos. Nelas surgiram grupos de interesses que reivindicam possibilidades reais de participar da vida política do país. Alguns dos governadores regionais se prontificam a disputar eleições diretas para representar os interesses da população local, e não do governo federal.

Nesse sentido, a situação é instável, porque a insatisfação com o atual estado de coisas se verifica em todos os níveis: os burocratas estão insatisfeitos, pois sua situação é muito instável; os governadores estão descontentes porque são designados e removidos a critério do governo federal; a polícia e o exército também estão desgostosos; os pilares do regime e seus seguidores inertes, todos também estão insatisfeitos; a oposição está insatisfeita porque o regime não quer ter em conta seus interesses. Parece-me que os círculos mais próximos de Pútin também estão se contrariados pois passaram a duvidar de sua capacidade de arbitrar os conflitos entre os diferentes clãs da elite governante. Portanto, a atual situação não agrada a ninguém. É óbvio que estamos à beira de mudanças, embora ainda não tenham tomado forma.

Para a versão integral do artigo em russo, acesse http://www.kommersant.ru/doc/1924051

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