Veteranos de guerra relembram os tempos de soldado

Foto: TASS

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Às vésperas do 67º aniversário da vitória soviética na Grande Guerra Patriótica, a Gazeta Russa conversou com cinco veteranos de guerra que contaram histórias emocionantes sobre suas experiências no conflito.

Apesar da idade avançada e problemas de saúde, alguns veteranos de guerra compareceram a estabelecimentos de ensino para contar aos estudantes suas impressões sobre a Grande Guerra Patriótica, como é conhecida a Segunda Guerra Mundial pelos russos.

Naquela época, os personagens dessa trágica história tinham praticamente a mesma idade dos estudantes ali sentados e atentos aos emocionantes relatos.

Muitos deles foram combater na guerra aos 17 anos, período em que a maioria dos jovens estão preocupados com paixões e planos para o futuro. Aos 20, eles já eram soldados experientes, condecorados por atos de bravura.

“Provavelmente sobrevivi para que a memória daquela guerra não desaparecesse”


Nina Novgoródova, subtenente médica da 111ª Brigada de Cavalaria Blindada

Os nazistas tinham um grande aeródromo nos subúrbios de Voronej em 1942, época em que nossa frota aérea ainda era pequena e fraca. Todas as manhãs, a partir das nove horas, grupos de 20 a 30 aeronaves nazistas começavam a bombardear nossas posições avançadas, e nós, médicos, estávamos perto, prontos para atender os feridos.

A cada novo ataque tinha a impressão de que seria meu último momento de vida. Tudo ia pelos ares: madeiras, pedras, terra, veículos. Parecia que nada ia sobrar nada. E tudo se repetia a cada duas horas.

Pouco tempo depois do bombardeio, algo começava a se mexer nos escombros e os soldados iam se levantando. Entre eles havia muitos feridos e queimados, e ali iniciava nosso trabalho.

Era um trabalho terrível: as enfermeiras na linha de frente ficavam inteiras sujas de sangue. Os combates não paravam nem no verão nem no inverno. No inverno, os soldados usavam capotes e roupa de inverno. Para fazer os curativos, tínhamos que cortar suas roupas.

Na guerra, descobri pela primeira vez que as pessoas têm possibilidades ocultas ou, melhor dizendo, intuição.

Um dia fomos novamente atacados por aviões nazistas. As aeronaves bombardeavam nossas posições, encolhendo gradualmente o círculo de ataques até chegarem bem perto do local onde estava nosso hospital de campanha.

Quando eles fizeram novamente uma curva para tomar a posição de ataque, uma força incrível me fez pular para fora dali e correr a toda a velocidade em direção a um caminhão próximo. Mergulhei debaixo do veículo para me proteger. Ao terminar o bombardeio, olhei para trás e vi que da trincheira de onde havia fugido não restava nada.

Outra vez nos deram capas americanas como peça de uniforme. Eram tão finas que dificilmente seriam úteis em nosso duro trabalho. Foi então que uma de nós teve a idéia de fazer vestidos a partir dessas capas.

Nossos amigos repórteres fotográficos de guerra nos aconselharam a ir à sede de nosso regimento onde havia uma alfaiataria especial que costurava e remendava a roupa para os oficiais. Fomos lá e perguntamos a um dos alfaiates se eles podiam transformar nossas capas em vestidos. Ele deu uma risada, mas aceitou a encomenda.

Em pouco tempo, saímos da alfaiataria com os novos vestidos. Voltamos à aldeia onde nossa unidade estava estacionada. À noite, botamos nossos novos vestidos e lenços de cabeças. Quando chegaram nossos amigos de outras unidades e nos viram assim vestidos, primeiro, não entenderam nada. Depois, disseram: “Ah, meninas, vocês são tão lindas!”

Meu coração virou uma pedra”



Vladímir Kislítsin, soldado metralhador

No começo estava com muito medo. Certa vez me virei para um companheiro meu e vi que ele estava morto. Quanto medo eu senti! Mais tarde, o medo passou. Era como se brincássemos de guerra.

Mas isso não significava que os bombardeios não eram mais levados a sério. A primeira regra de sobrevivência de um bom soldado é ter sempre um abrigo contra tiros, portanto, a arma mais importante acaba sendo uma pá de sapadores portátil: assim que o tiroteio para, basta começar a escavar um abrigo. Algumas vezes era possível atingir uma profundidade suficiente para abrigar um homem de pé.

Mas quando ouvíamos o comando “Avante!”, era preciso largar tudo e subir para o ataque – sem, é claro, largar sua pá nem arma.

Quando o inimigo descobria nossa posição, ele começava a nos bombardear com morteiros para neutralizar nossas metralhadoras. Seus primeiros projéteis caíam normalmente antes do alvo, ou seja, do local onde você está, e os outros, após o alvo. Os terceiros então acertariam o alvo, pode ter a certeza.

Assim, precisávamos sempre mudar de posição. Lembro-me quando não consegui mudar de posição a tempo e fui gravemente ferido por um atirador especial alemão.

“Estava certa de que era um avião inimigo”
Ekaterina Khudorójkova, cabo de um batalhão de reconhecimento

Minha obrigação esporádica como sentinela perto do posto de comando era avisar quando os aviões inimigos se aproximassem para nos bombardear. Nessa hora, eu deveria gritar “Alerta! Ataque aéreo!”

Certa vez, ao ouvir o motor do avião inimigo eu soltei o aviso. O comandante me perguntou de qual lado ele vinha e eu lhe expliquei. No entanto, as informações não estavam batendo. “Acabo de receber um relato dizendo que esse avião é nosso”, disse ele.

Continuei contestante, afinal, não tinha como me enganar, pois conhecia muito bem o ruído do motor de nossos aviões. A rádio continuava insistindo que o avião era nosso e eu dizendo o oposto. “Não posso estar enganada!”, repetia a mim mesma, atormentada pela dúvida.

Estudamos muito bem na escola militar o ruído dos motores das aeronaves soviéticas e nazistas. Algum tempo depois, chegou o chefe do Estado Maior de nosso regimento. “Onde está aquele soldado que identificou o avião?”, perguntou. Eu estava novamente de sentinela. Foi quando  oficial chegou para mim e disse: “Parabéns, vim agradecer”.

 

“Continuei sentado no interior do veículo em chamas”



Aleksandr Rafálski, motorista do carro de combate da 55ª Brigada de Cavalaria Blindada

Chegamos à cidade de Nijni Taguil, embarcamos com nossos carros de combate em um trem e fomos em direção a Cracóvia. No caminho, devíamos tomar uma cidade.

Quando adentramos o local, meu tanque foi atingido por um foguete e pegou fogo. Dava apenas tempo de pular para fora do veículo e fugir. No entanto, nosso comandante foi atingido por um atirador especial alemão ao pular, e o artilheiro acabou sendo morto a tiro.

Eu continuei sentado no interior do veículo em chamas. Pouco tempo depois, abri um pouco a escotilha para tomar um bocado de ar e vi que ninguém mais atirava contra a gente.

O atirador alemão devia ter pensado que não restava mais ninguém e foi embora. Saltei para fora do veículo e corri em direção a um túnel que estava perto do local, carregando apenas uma pistola alemã que disparava a 25 metros de distância, no máximo.

Deitei-me no chão no túnel para estudar a situação. De repente, ouvi passos e vi a sombra de um homem: era um soldado nazista. Quando ele se aproximou de mim, disparei e homem instantaneamente morreu. Peguei seu fuzil e dois carregadores, e corri em direção ao local onde estavam nossas tropas.

Em 2000, ano do 60º aniversário da vitória, fui à Alemanha como integrante de uma missão de veteranos de guerra. Visitamos vários locais, inclusive alguns cemitérios, e vimos que as sepulturas dos soldados soviéticos eram bem cuidadas.

Havia muitos monumentos com os nomes dos soldados, todos eles protegidos pelo governo federal. Na ocasião, não senti nenhuma hostilidade contra nós por parte dos alemães nem tive nenhum sentimento inimizade contra eles.

 
“Você pergunta de onde tiramos forças? Amamos nosso país”


Nikolai Tcherepánov, técnico de voo do avião de assalto IL-2

Qual é o dia mais feliz da minha vida? Certamente 27 de janeiro, quando foi levantado o cerco a Leningrado (atual São Petersburgo). Servi como técnico de voo do avião IL-2 no 999º Regimento de Aviação.

O dia mais triste, porém, foi 14 de dezembro, quando fomos abatidos por um projétil alemão. O óleo estava vazando do motor. De repente, senti um líquido quente me escorrer pelo corpo. Era meu sangue, eu estava ferido.

Devido à perda de sangue, comecei a ficar tonto. O piloto, também ferido, conseguiu pousar a aeronave. Ele foi então levado a um hospital, enquanto me encaminhavam ao serviço de assistência médica do regimento; depois de três dias de injeções, recebi alta.

Por que me tornei professor de história após a guerra? Para contar aos alunos escolares sobre nossa vitória, heroísmo, hora e dignidade de nosso povo. Meu pai foi morto em Stalingrado e meu tio também morreu na guerra.

Repito sempre para os meus alunos que “o legado deixado por nós não são casas, chácaras ou dólares, mas nossos filhos e nossos alunos”. Daqui a pouco não restarão mais veteranos da guerra, por isso, eles devem ouvir essas pessoas antes que seja tarde demais.

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