Você pensou que a marca Niva tinha acabado no Brasil só porque mais nenhum exemplar foi importado desde 1995? Então certamente não conhece as histórias do “Lendário Niva Verde”. Lá vai uma:
“Há um tempo, saí com a namorada a passear de Niva. Vínhamos descendo uma ladeira leve, bem devagar, joguei o câmbio na banguela, saquei um mapa rodoviário do quebra-sol e abri em cima do volante, tampando totalmente minha visão. Minha namorada segurou o volante com a mão esquerda. Então apareceu um carro em sentido contrário cujo motorista, vendo o mapa cobrindo o vidro, supôs que meu carro estava desgovernado e entrou em pânico, fazendo sinais desesperados... Eu mesmo não vi, mas pelo tanto que minha namorada ria, foi mesmo cômico.”
Dono do carro apelidado “O lendário Niva verde”, Flavio Rodrigues publica suas aventuras no blog “Grauçá 4X4”, de Canavieiras, Bahia. No blog há classificados, depoimentos, anúncios de reuniões como o “Encontro Baiano de Niveiros” e notícias da Niva em todo o mundo.
Na seção de classificados do Grauçá 4X4, as pechinchas vêm com grandes fotos dos carros. Um Niva 94 1.7 é oferecido por R$ 14 mil. Um modelo 90/91 1.6 vale R$ 7,5 mil. Outro, com ar condicionado e direção hidráulica, R$ 16 mil.
Kavuskação nas peças
Alguns dirão que é loucura ter um carro que deixou de ser importado há 17 anos. “E as peças?”, perguntarão.
Todo desmontado, "Félix" é reformado por Bacalhau Foto: Arquivo pessoal
Mas há diversos vendedores de peças usadas até mesmo na internet, como Anderson Areal, dono da Kavuska Peças, que tem todo seu arsenal disponível na rede.
Areal calcula que, dos 30 mil Niva importados entre 1990 e 1995, perto de 5 mil ainda rodem no Brasil.
“Há vários meios de conseguir peças, inclusive importar direto da Rússia, mas pode demorar. E tem pessoas que, como eu, que vendem peças usadas. Até as mais difíceis é possível encontrar, como semi eixos, rolamentos originais, vidros, peças de acabamentos internos, grade dianteira e lataria”, diz.
Anderson não acredita na volta do Niva. “Só ouço boatos, não há possibilidade da volta do Niva em importação regular. É uma operação muito demorada e cara, inviabilizada pelos impostos escorchantes.”
Entretanto, nem sempre peças originais são necessárias. Muitos niveiros, como eles mesmos se autodenominam, instalam peças de outras marcas em seus Nivas com sucesso.
"Tesouro": uma moeda de 15 copeques encontrada por Bacalhau no seu Niva, batizado "Félix" Foto: Arquivo pessoal
Um dos responsáveis por essa salada russa é Bacalhau, que instala tanques de Volkswagen no carro russo. É inútil perguntar a ele seu verdadeiro nome ou profissão. A resposta é sempre a mesma: Bacalhau, niveiro.
Ao que tudo indica, esse amante inveterado do Niva é engenheiro mecânico – se não for, tem vocação. Além de aglutinar proprietários de Nivas pelo Brasil, Bacalhau cria importantes inovações nos carros da marca, como a inédita substituição integral das longarinas, relembrada pelo próprio.
Destinado às estradas, empacado na baliza
Nosso editor russo-americano Artiom Zagorodnov conta sua experiência com o 4x4 depois que se mudou para a Rússia, há três anos
Um Niva é como uma namorada: requer muito tempo e dinheiro.
Comprei o meu há três anos junto com um amigo. Nós pagamos mil dólares cada e planejávamos sair estrada afora pela Rússia.
Mas o carro, modelo 98, desde então passou mais tempo debaixo de uma montanha de neve do que percorrendo as rodovias russas – que podem ser bastante precárias em determinados trechos.
Minha recordação preferida do meu Niva é do dia em que fui ao posto de gasolina e descobri que havia uma senha para destravar o tanque - e eu não sabia qual era!
Aparentemente, o truque existe para evitar o furto de combustível, mas, para mim, serviu como pretexto para passar meia hora desvendando o segredo com os frentistas.
Além disso, há problemas na bateria, que costuma deixar o carro morrer regularmente, e falhas na embreagem.
Ainda assim, considero-me satisfeito com a aquisição. Uma vez, disseram-me que se eu conseguisse dirigir um Niva em Moscou poderia conduzir qualquer automóvel em qualquer outro lugar.
Realmente, uma vez que você aprende a fazer baliza com um jipe sem direção hidráulica, poucos obstáculos automobilísticos parecerão desafiadores.
Dono de dois Nivas, o “Pangaré” e o “Félix”, ele relata com precisão de especialista suas reformas no blog “Bacalholada”, tudo acompanhado por dezenas de fotos passo-a-passo.
Segundo ele, a paixão pela marca começou ainda quando viu o primeiro Niva zero quilômetro no Rio de Janeiro. Depois de alguns anos, mudou-se para Fortaleza e, apesar dos poucos modelos disponíveis na cidade, seu mecânico tinha um.
“Era muito bonito, fiz diversas propostas para comprá-lo, mas ele me dizia que era mais fácil se desfazer da esposa do que do Niva”, conta.
Passaram mais alguns anos e, já morando no interior do Ceará, viu um à venda próximo a um terreno baldio. “Foi assim que o ‘Pangaré’ entrou na minha vida”, diz. Há quatro anos introduzindo mudanças no modelo, ele diz que ainda planeja outras modificações.
O Niva que nos une
Todos os niveiros conhecem Genésio Adriano Gehres por Geniva. “Foi antes da internet, há uns 12 anos, que tive o primeiro Niva”, conta ele. “Mas em 2008, quando tive meu primeiro contato com o mundo virtual, lembro-me que a primeira palavra que digitei no Google foi ‘Lada Niva’”, diz.
Para o publicitário Renato Chedid, que viu o primeiro Niva em 1990 e jurou a si mesmo que um dia teria o modelo – que comprou apenas em 2006 -, nenhum veículo se compara a esse 4x4.
“Nenhum dos meus carros anteriores tinha essa aura que o Niva tem. Nenhum deles tinha a capacidade de agregar fãs ao redor do planeta, gente de diversas etnias, credos e condições sociais”, diz Chedid.
Genésio diz que foi pela internet que descobriu o maravilhoso mundo dos niveiros. “Também passei a vender aos camaradas as minhas ‘nivenções’ e criar cada dia mais produtos com a marca Geniva”, conta.
Segundo ele, o Niva já é uma extensão de seu corpo. “Antes de dormir estou sempre pensando em algum projeto de adaptação ou em postar alguma coisa que fiz nele etc. Sonho frequentemente com meu Niva”, diz.
O carro de Bacalhau"Félix" antes da reforma Foto: Arquivo pessoal
É espantoso. Apesar de ter fechado seu escritório no Brasil há 17 anos, e não promover nenhum esforço de venda ou sustentação à sua marca, o Niva continua presente no dia a dia de muitos brasileiros, tornou-se cult, tem uma boa imagem e tornou-se tão íntimo que o esporte favorito de seus proprietários tem sido adaptá-lo e transformá-lo no único veículo genuinamente verde-amarelo.
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