Revelado o segredo do aço damasco

Produção de facas tradicionais na Síria é redescoberta por artesãos da cidade de Vorsma, na porção europeia da Rússia. Entretanto, as dificuldades de comercialização ainda impedem que os produtores respondam à grande demanda pelas facas tanto na Rússia como no mundo inteiro.

 

Foto: Grigóri Kubatian

As lâminas de aço damasco sempre provocaram a admiração dos homens. Reza a lenda que as espadas de damasco cortavam facilmente tanto lenços quanto canos de espingardas.

Colocada em um riacho, a espada cortava as folhas que vinham flutuando a seu encontro. A lâmina, por sua vez, era tão flexível que podia ser curvada ao redor do corpo e, quando solta, ficava novamente reta sem perder suas qualidades originais.

Infelizmente, o segredo do aço foi perdido e as lâminas vendidas atualmente em larga escala nos mercados da capital síria não conseguem iludir nem mesmo o turista mais ingênuo.

O segredo perdido na Síria parece, entretanto, ter sido redescoberto na Rússia.

A internet russa está cheia de anúncios de venda de facas de aço damasco. A maioria dos cuteleiros russos trabalha na vila de Vorsma, antigo centro de produção de armas brancas conhecido desde os tempos de Ivan, o Terrível.

Como as espadas não estão mais na moda, os cuteleiros locais se especializam em fabricação de facas de combate para unidades especiais.

Na época soviética, a fábrica de Vorsma produzia mais de 90% das facas de lâmina movediça no país, desde os pequenos e simples canivetes até as lâminas de silhuetas extravagantes capazes de satisfazer os gostos mais exigentes de seus apreciadores.

Infelizmente, com a chegada da perestroika, muitos exemplares únicos da cutelaria local desapareceram. Aqueles que restam – como o canivete-livro de Aleksêi Górki e até o canivete-mausoléu de Lênin com 97 lâminas! – podem ser vistos no museu da cidade de Pavlovo, vizinha a Vorsma.


Tais facas não são mais produzidas em Vorsma por serem muito trabalhosas. A produção de facas de caça simples no estilo “Rambo” é mais lucrativa e menos complicada, embora utilizem a tecnologia de aço damasco.

“Na verdade, é errado chamar nossas facas de ‘damascenas’” – diz o cuteleiro Vladímir Maslennikov, prefere usar o termo “aço bulat”.

“Apenas tentamos recriar a tecnologia de fabricação de lâminas históricas. Para reproduzir o aço de damasco de verdade, são necessárias outras condições: outras temperaturas ambientais, outro regime de umidade, outros metais”, completa o armeiro.

Produção trabalhosa

 O aço bulat é uma mistura de aços de alto, médio e baixo teor de carbono unidos pelo método de caldeamento. As tiras de metal são dispostas uma sobre a outra e, depois de aquecidas, marteladas em uma bigorna até que se unam. A barra obtida é cortada em pedaços que se dispõem novamente um sobre o outro e assim por diante até que a barra final tenha até 500 camadas.

Para obter um desenho específico da lâmina, a tira de metal é apertada e torcida. Durante o processamento final, o objeto recebe um acabamento de ácido nítrico.

Cada ornamento é único como impressões digitais de seres humanos. A faca pronta é então temperada em óleo, pois em água a lâmina poderia rachar.

Como os aços usados na fabricação das lâminas são desgastados com velocidades diferentes, na borda se forma uma serrilha, tornando-se assim a lâmina auto-afiada.

Os cabos são feitos a partir de casca de bétula, madeira, chifre de animais e osso ou confeccionados com diferentes tipos de materiais.

Dificuldades de comercialização 

 Dada à grande demanda pelas facas de Vorsma na Rússia e no mundo inteiro, o negócio deveria prosperar. Mas, na prática, a situação não é assim tão simples.

“Queria enviar à Bulgária um pequeno lote de facas no valor de US$ 500, mas obrigaram-me a apresentar pelo menos 15 documentos diferentes”, conta Artiom Ókunev, dono da empresa de facas e lâminas Albatros.

“Desisti mesmo quando me pediram para apresentar um certificado sanitário da caixa em que as facas iriam ser exportadas. Normalmente, compro caixas em um supermercado local, porque, em fábricas a quantidade mínima para a venda é de 15 mil unidades. Onde é que vou guardar tantas caixas?”, explica.

No século 19, as facas de Vorsma competiam com as facas inglesas não só na Europa, mas também no Reino Unido.

Nos tempos soviéticos, os cuteleiros de Vorsma se reorientaram para a produção de canivetes em razão de a legislação soviética qualificar as facas com lâminas de comprimento superior a 9 cm como arma branca.

Agora a legislação se tornou mais branda em relação ao tamanho das lâminas. Até a famosa “faca do Rambo”, de avantajadas proporções, semelhante às produzidas pelo cuteleiro Anatóli Titov não é mais considerada uma arma branca.

“Nosso problema é a falta de profissionais. Não temos aqui, em Vorsma, nenhuma escola de aprendizagem industrial. Os jovens trabalhadores que, aliás, são poucos, são ensinados durante o processo de produção. Em mais alguns anos não haverá mais ninguém que trabalhe nessa área”, desabafa Titov.

O melhor é aproveitar enquanto dá tempo de comprar facas de fabricação russa feitas em aço bulat, pois seu segredo ainda não foi perdido como aconteceu com o aço damasco.

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