Um acordo polêmico

No sábado, cerca de 800 moradores de Ulianovsk participaram de uma marcha contra o acordo Foto: TASS

No sábado, cerca de 800 moradores de Ulianovsk participaram de uma marcha contra o acordo Foto: TASS

A criação de um centro de transporte da Otan em Ulianovsk, na região central da Rússia, irá gerar benefícios comerciais e políticos para o país. Ainda assim, o Kremlin tem a missão de convencer a sociedade de que esses planos não representam uma ameaça à segurança nacional.

Em fevereiro foram divulgadas as primeiras informações sobre os planos russos e norte-americanos de criar uma base em Ulianovsk, às margens do rio Volga, para facilitar o transporte de carga do Afeganistão.

Curiosamente, ambos os países estão enfrentando um impasse nas negociações referentes ao Irã, Síria e um sistema antimíssil na Europa.

No entanto, segundo os altos oficiais responsáveis pelas transações, o acordo não representa uma ameaça à segurança nacional.

O ministro da Defesa da Rússia, Anatóli Serdiukov, declarou em uma carta enviada à Duma de Estado (Câmara Baixa do parlamento russo) que o centro de transporte “não serve aos interesses militares da Rússia”.

Segundo ele, o Ministério dos Transportes ficará encarregado do estabelecimento dessa unidade e, portanto, não se trata de uma base militar. Além disso, toda a carga transportada deverá passar pela alfândega.

Nova onda de protestos

Dezesseis militantes comunistas começaram uma greve de fome para protestar contra o acordo. O acampamento foi estabelecido a cem metros do aeroporto de Ulianovsk.

No sábado, cerca de 800 moradores da região participaram de uma marcha. O recente protesto foi o maior desde o início de fevereiro, quando a informação oficial sobre os planos da Otan apareceu na mídia.

O Ministério da Defesa russo ressaltou que as mercadorias transportadas através do território russo serão inspecionadas pela alfândega e que o centro de transporte não funcionará como uma base da Otan ou dos EUA.

Nikolai Makarov, general e Chefe do Estado Maior da Rússia, apoiou Serdiukov e afirmou que o Ministério da Defesa está pronto para assinar o contrato de trânsito de cargas do Afeganistão.

Paralelamente, o ex-representante da Rússia na Otan e atual vice-primeiro-ministro responsável pela indústria militar, Dmítri Rogózin, não concorda com a dramatização em torno do projeto. “Trata-se de transporte comercial, e isso significa que a Rússia vai receber dinheiro. Ninguém poderia qualificar o transporte de papel higiênico aos países da Otan via Rússia como traição à pátria”, escreveu Rogózin em seu Twitter.

O procedimento parece bem simples: a carga proveniente do Afeganistão vai chegar à Rússia, passando pelo Uzbequistão, sem que este país participe do processo.

A Rússia então deverá preparar os trens de carga para levar os produtos aos países-membros da Otan, e o aeroporto Ulianovsk-Vostótchni irá se tornar o terminal de transporte dessa carga.

Por cima das diferenças


Cabe lembrar que a Rússia e os EUA conseguiram chegar a um acordo apesar das inúmeras indiferenças em outros assuntos: Síria, Irã e a tão falada defesa antimíssil. 

A receptividade de Moscou em relação ao projeto pode ser interpretada de várias maneiras.

O transporte de carga para os países da Otan e EUA pode servir aos interesses nacionais da Rússia, embora também tenha um peso sobre suas as relações internacionais.

Uma das principais tarefas do presidente eleito Vladímir Pútin durante os primeiros anos de mandato será o aprimoramento das relações com o Ocidente.

Aparentemente esse novo passo tem a intenção de mostrar uma boa disposição da Rússia a continuar o diálogo com os EUA, embora o país tenha que pagar um preço alto por isso.

Em primeiro lugar, ninguém sabe ao certo por que o governo uzbeque se recusou a transportar as cargas da Otan e, por causa disso, houve especulações de que a nova unidade da Otan pudesse vir a ser uma base militar camuflada. 

O transporte de equipamento da Otan, através do espaço aéreo e ferrovias russas poderia resultar no aparecimento de instalações de um inimigo em potencial, enfraquecendo, assim, a capacidade de defesa da área dos Urais e de todo o país.

Os críticos argumentam ainda que essa instalação poderia afetar sua cooperação técnico-militar com outros países não ocidentais, tais como China, Síria, Vietnã e, especialmente, Argélia. O cenário é ainda mais prejudicado pelo fato de o número de compradores leais de armas e equipamento militar russo estar diminuindo.

Por fim, a posição da Rússia em relação à Síria e ao Irã não corresponde às expectativas norte-americanas. Está cada vez mais evidente que Moscou fará tudo para ajudar esses países a evitar tais intromissões. Desse modo, se as tropas da Otan decidirem atacar o Teerã e Damasco, o centro de transporte na Rússia poderá tornar-se uma moeda de troca em futuras negociações.

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