Chefe de consultoria de serviços financeiros da Ernst & Young, Oleg Danílin Foto: mbk.spb.ru
Os líderes dos cinco países do Brics reuniram-se pela quarta vez na semana passada para discutir, entre outras coisas, a criação de Banco de Desenvolvimento do Brics, semelhante ao Banco Mundial ou ao Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, e a adoção de um sistema de créditos cruzados e de pagamentos em moedas nacionais.
Para entender melhor essa questão, o enviado especial da Gazeta Russa
sentou-se com o chefe de consultoria de serviços financeiros da Ernst &
Young, Oleg Danílin, que avaliou os resultados da 4ª Cúpula do Brics, realizada
em Nova Déli, na Índia.
Gazeta Russa: Durante a recente cúpula os
Brics decidiram criar seu próprio banco de desenvolvimento. Isso indica que o grupo
está se transformando em um bloco econômico pleno?
Oleg Danílin: Os países do Brics avançam rumo à criação de um bloco econômico pleno e político, seguindo, aliás, o mesmo plano da comunidade europeia, segundo o qual primeiro é preciso identificar mecanismos econômicos para, depois, tratar as questões políticas.
GR: Os especialistas salientam que os países do Brics têm muitos poucos pontos de contato. Você concorda com eles?
OD: Não é bem assim. A aliança formada pelos Brics tem um forte conceito unificador: aumentar o papel dos países do grupo na economia e política globais. Paralelamente, eles não consideram a hipótese de criação de um programa de segurança comum ou desenvolvimento de uma cooperação militar, pois suas estratégias nacionais de desenvolvimento e sistemas econômicos continuarão a ser diferentes.
A unipolaridade do mundo em que um país impõe sua vontade política aos outros deixou de servir aos interesses dos países emergentes que podem se permitir uma política externa independente.
GR: Quais benefícios políticos e econômicos terão os países do Brics com a criação de um banco de desenvolvimento e adoção de pagamentos em moedas nacionais?
OD: A criação do banco de desenvolvimento supranacional do Brics e de um mecanismo de créditos cruzados entre os países aliados terá grande impacto no sistema financeiro mundial.
Trata-se, de fato, da criação de uma estrutura muito poderosa e quase isolada, capaz de atrair e acumular recursos de investimento internacionais e redirecioná-los para projetos de desenvolvimento nos países do Brics em vertentes por eles consideradas como prioritárias.
Isso contribuirá para o aumento da competitividade nacional de todos os Brics sem causar prejuízo aos interesses específicos de cada um deles.
GR: Não seria um “ato de retaliação” dos líderes das nações emergentes por não terem conseguido aumentar o papel de seus países no FMI?
OD: Não creio que seja isso. Essa questão já assumiu importância fundamental. Nessa nova configuração, caso seja adotado o princípio de “um país, um voto”, teremos uma nova instituição semelhante àquela criada em Bretton Woods e a prática de ultimato usada pelos EUA na tomada de decisões políticas e econômicas.
Por exemplo, o voto do Brasil no Banco Mundial é proporcional a sua contribuição para o capital social: pouco mais de 2%. Caso o banco de desenvolvimento dos Brics utilize o princípio “um país, um voto”, a participação do Brasil será de 20%.
GR: A dinâmica de cooperação econômica e comercial dentro do Brics possibilitaria a adoção de um sistema de créditos cruzados e de pagamentos em moedas nacionais? O senhor acredita que a China ganhe mais com a nova aliança econômica do que a Rússia ou a Índia?
OD: A dinâmica do comércio não tem importância fundamental nesse caso concreto. O que importa é o significativo desejo de todos os países do Brics pelos investimentos diretos.
Claro que a China, por ser o país com o maior ritmo de crescimento econômico, terá uma tendência dominante. Mesmo assim, não achamos que a China seja o único país a ganhar com a aliança do Brics.
É do interesse de todos os países aliados diversificar as moedas usadas no comércio internacional, fazer investimentos recíprocos e abandonar, pelo menos em parte, o dólar e o euro.
GR: Quais fatores dificultam o desenvolvimento do comércio entre os Brics e o uso de suas moedas nacionais em acordos comerciais?
OD: Não é correto dizer que os Brics têm dificuldade de desenvolver comércio entre si. O intercâmbio comercial dentro do bloco está crescendo muito rápido e depende da demanda interna que, por sua vez, é determinada pela crescente renda da população nesses países. Cabe lembrar que, juntos, eles reúnem metade da população do planeta.
Dentre os fatores que não contribuem para o desenvolvimento do comércio estão principalmente o alto custo e a baixa produtividade do trabalho (na Rússia, por exemplo); o baixo nível de envolvimento de tecnologias na produção (na Rússia, esse fator depende da disponibilidade de investimento); e distorções estruturais na economia (desenvolvimento prioritário das indústrias primárias em detrimento dos setores de transportes, comunicações, serviços e indústria científica) que determinam o lugar do país na divisão internacional do trabalho.
GR: A adoção de pagamentos em moedas nacionais se encaixa no projeto de criação de um centro financeiro internacional em Moscou?
OD: A evolução dessa aliança tem tudo a ver com a ideia de criar um centro
financeiro internacional na Rússia. Isso nos permitirá atuar não só como um
país que concede a plataforma, regras do jogo e infraestruturas favoráveis aos
investimentos estrangeiros, mas também proporciona amplas possibilidades aos
investimentos diretos provenientes dos países do Brics.
GR: O senhor acredita que a China irá puxar o cobertor para si devido ao seu grande vigor econômico? Os papéis do yuan e do rublo mudarão no cenário econômico mundial?
OD: Em uma perspectiva de longo prazo, o yuan pode tornar-se parcialmente forte nas conversões cambiais. Entretanto, a necessária diversificação de riscos cambiais ainda deixará os investidores prudentes em relação à moeda chinesa: a valorização do yuan tem impacto negativo na economia da China, diminuindo os ritmos de seu crescimento econômico.
Sendo assim, esse processo será muito lento. Mas a implantação do mecanismo de créditos cruzados entre os Brics poderá tornar suas moedas mais conversíveis, além de consolidar e aumentar a atratividade de cada uma, inclusive o rublo, em relação ao dólar.
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